Policiais enfrentam cidadãos furiosos depois da morte de Michael Brown, na frente de uma delegacia de polícia em Ferguson, Missouri. Foto por Michael B. Thomas / Getty Images.
Na tarde de sábado em Ferguson, Missouri, um policial que ainda não teve a identidade revelada baleou e matou Michael Brown, de 18 anos. Os relatos da mídia sobre o que aconteceu são conflitantes. A polícia disse que Brown e um outro jovem – supostamente seu amigo Dorian Johson – foram advertidos por policiais a andarem pela caçada, não pela rua. Segundo esta versão, Brown teria se recusado a obedecer, envolvendo-se numa briga física durante a abordagem, que teria terminado com a tentativa do jovem de tomar a arma do policial. Uma testemunha assegura ter visto Brown fugir do policial depois disso, com as mãos levantadas. Mas Johson, o amigo de Brown, contou que o policial simplesmente disparou porque os dois jovens se recusaram a andar pela calçada. A polícia insiste que Brown e uma segunda pessoa lutaram com o policial. De acordo com esse relato, Brown foi atingido várias vezes cerca de 10 metros à frente da viatura do policial. O outro indivíduo – supostamente Johnson – não foi preso.
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Uma foto do corpo da vítima, caída com o rosto para baixo, circulou pelas redes sociais durante o final de semana. O FBI começou a investigar o tiroteio até que no domingo um protesto pacífico se tornou violento depois que da chegada da polícia. Alguns manifestantes saquearam o comércio local, deixando um saldo de 32 pessoas presas e de 2 policiais feridos.
É fácil dizer que o saque de pequenos negócios não relacionados com o caso foi injustificado – e deixar isso assim. Mas a raiva precisa ser explorada. Não é apenas a perda de mais outro jovem, mas uma comunidade inteira que pensou o pior da polícia depois do incidente. É humanamente possível que eles estejam errados, mas mesmo se uma investigação provar que sim, os moradores locais vão duvidar. E é difícil culpá-los.
Os policiais precisam entender que fizeram muito para cultivar a desconfiança nesses últimos anos, particularmente em comunidades de minorias, e, mais precisamente, entre os negros. Eles precisam entender que são encarregados de fazer cumprir leis contra armas e drogas, leis que muitas vezes destruíram comunidades inteiras e alimentaram a vergonhosa indústria prisional americana. Têm de saber por que tudo isso parece uma piada cruel.
Se você lê o PoliceOne ou outros sites onde policiais interagem, já deve ter percebido a atitude que permeia a imposição da lei – ou seja, a de que eles são guerreiros indo a uma batalha. Isso é mais do que prejudicial: essa ideia leva inevitavelmente a uma contagem de corpos.
E não parece haver nenhuma justiça para os indivíduos mortos pela polícia. Não são só os jovens negros que sofrem o impacto disso, mas eles com certeza parecem estar entre os considerados mais descartáveis.
No dia 9 de agosto, Natasha Lennard, da VICE News, escreveu um resumo deprimente de alguns dos incidentes mais alarmantes envolvendo o Departamento de Polícia de Nova York e homens negros desarmados, realçando, no texto, a falta de prestação de contas sobre isso. O adolescente do Bronx Ramarley Graham, por exemplo, foi baleado em sua própria casa por causa de uma pequena quantidade de maconha. As revistas aleatórias continuam juntamente com o chamado policiamento “Janelas Quebradas”. E isso tudo se repete e se repete.
O pico de crimes violentos nos anos 80 e 90 foi real, mas muitos policiais parecem imunes às estatísticas sobre o declínio no crime desde então. A guerra às drogas como desculpa para revistar pedestres não melhorou o tom da interação da polícia com as comunidades às quais ela deveria servir. Departamentos policiais inundados com equipamentos de tropa de choque e tecnologia militar alienam ainda mais seus agentes do público que eles têm o dever de proteger. O efeito bumerangue internacional nos mostra que as pessoas não ficam contentes quando um exército de ocupação entra na cidade. A polícia pode não ser um exército, mas, na prática, está perto demais disso para proporcionar qualquer conforto. Muitos americanos não se sentem protegidos por ela, e sim ameaçados. E quando alguém morre nas mãos de um homem da lei, os amigos e conhecidos do morto não podem evitar pensar o pior – e que a verdade nunca vai aparecer.
Agora, os outros maus policiais da semana:
– Na terça-feira em Antioch, Califórnia, a polícia prendeu violentamente outro homem desarmado, e parte da prisão foi filmada por um espectador. De acordo com as notícias bizarramente tímidas sobre o incidente, no entanto, muitas pessoas dizem ter sido intimidadas pela polícia para ligar seus celulares e deletar as evidências registradas em vídeo. Testemunhas dizem que a vítima era um sem-teto com problemas mentais que, mesmo depois de algemado, sofreu nas mãos da polícia com taser e cassetetes, além do cachorro da força policial que partiu para cima. No vídeo postado por uma das testemunhas é possível ouvir o som do taser. Para esclarecer, nos EUA agentes podem mandar você se afastar e não “interferir” na detenção. Também podem pedir seu celular se você estiver filmando, mas não podem tirar o aparelho de você por estar gravando uma prisão. Podem ainda agir como se fossem tirar o celular de você, mas você não deve entregá-lo. Alguém pode precisar que você seja firme em relação a isso.
– Até há pouco, Illinois tinha uma lei antigrampos telefônicos inconstitucionalmente ampla que, às vezes, era usada para evitar que pessoas normais filmassem a polícia. Essa lei foi revogada em março, mas nem todos os policiais parecem estar cientes. Num vídeo postado no YouTube em 7 de agosto, sete carros da Polícia de Chicago dispersam uma pequena e pacífica multidão. A filmagem começa com uma mulher aparentemente discursando, então ela se volta para um dos policiais. Ela diz que o parque é o lugar onde as pessoas se sentem seguras do crime de Chicago e que eles não se importam de a polícia estar presente, mas que ressentiam o fato de serem automaticamente expulsos por estar num grupo. O primeiro policial ouve a mulher sem interromper. Aí outra viatura estaciona: uma policial – segurando um celular – sai do carro e imediatamente agarra o homem que está filmando, perguntando agressivamente se ele tem “permissão para me filmar”, algemando-o em seguida. Conheça seus direitos, como o Chicagoist apontou, mas isso também vale para os policiais: conheça seus direitos, e saiba que eu tenho o direito de te filmar.
– Anteriormente nesta coluna, mencionei o caso de Shaneen Allen, mãe de dois filhos presa depois de uma blitz de trânsito em Nova Jersey, tudo porque estava carregando uma arma oculta (o que é legal na Pensilvânia). Nesse espaço de tempo, eu esperava que alguém da lei, um policial ou um procurador, percebesse que essa mulher não queria ferir ninguém e não devia estar enfrentando uma pena de três anos e meio de prisão. Bom, as últimas notícias mostram que agora Allen pode pegar 11 anos e meio de prisão. Os cidadãos precisam conhecer as leis, mas para os policiais elas são mais como sugestões.
– Em 1º de julho, o espancamento de Marlene Pinnock, uma sem-teto de 51 anos, por um membro da Patrulha Rodoviária da Califórnia chamou a atenção da mídia e causou indignação popular. A PRC nunca liberou o nome do agente mostrado no vídeo socando Pinnock – oficialmente para evitar que ela andasse no meio do trânsito e colocasse sua vida e a dos outros em perigo – de maneira repetida. No entanto, de acordo com um processo federal aberto pela sem-teto, o policial é Daniel L. Andrew – e ela quer que ele seja demitido. Semana passada, Pinnock falou sobre o incidente a uma afiliada da ABC. Explicou que Andrew nem chegou a falar com ela: “Ele estava tentando me matar. Ele simplesmente me socou com toda a força, levantando as mãos em cima da cabeça, dando tudo de si”. A falta de vontade de PRC para sequer fornecer o nome do policial sugere que eles não estão interessados em prestar contas. Se ele acredita que socar alguém é o melhor jeito de ajudar essa pessoa, acho que ele não deve mais trabalhar com isso.
– A Corregedoria está investigando como o Departamento de Polícia de Miami feriu duas crianças durante uma batida da SWAT em 31 de julho. Durante a invasão para a apreensão de drogas, o sobrinho de 13 anos de Bobby McClendon teria sido atingido na cabeça por um cartucho de arma de fogo, e o filho de 12 anos de McClendon se feriu no olho – supostamente depois que um policial achou que ele não estava respondendo aos comandos suficientemente rápido. O policial Delrish Moss relatou que o sobrinho “correu em direção” às armas dos policiais e diz não saber como o garoto de 12 anos se machucou. McClendon contesta a exatidão do mandado de busca, apesar de a Polícia de Miami reiterar que estava na casa certa. Narcóticos e armas não especificados foram encontrados na casa, mas nenhuma prisão foi feita.
– Os melhores policiais da VICE da semana são os 10 ex-oficiais que se juntaram ao esquadrão de investigação de Broward County, um gabinete de Defensoria Pública da Flórida. Os policiais escolhidos, incluindo Allen E. Smith, de 65 anos, que supervisiona os outros investigadores, parecem ter aprendido muito com a experiência. Ou, pelo menos, parecem ter desaprendido a suposição de que quem se declara inocente de um crime provavelmente é culpado. Acontece que algumas pessoas inocentes têm sua liberdade ameaçada, e alguns policiais fazem coisas erradas. E esses agentes aposentados estão fazendo uma coisa muito foda para mudar isso.
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Tradução por: Marina Schnoor