Identidade

Porque é que nos fascina tanto a cultura club de Berlim?

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Este artigo foi publicado originalmente na i-D DE.

“Nessa noite, tive a certeza de que o futuro seria assim”, diz Heiko Hoffmann sobre a sua primeira festa Tekknozid, uma rave típica que teve lugar na Berlim Oriental a princípios dos anos 90. O ex editor-chefe de Groove ainda se lembra bem daquela noite. Foi excessiva, gratuita e ilimitada: “Havia uma sensação de poder no ar, de que uma nova comunidade estava prestes a ganhar forma.”

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No Photos on the Dance Floor! Berlin 1989–Today é uma nova exposição fotográfica que explora aquela época. Foi curada, em parte, por Hofmman e o título refere-se à estricta política das discotecas de Berlim, que não permitem que se tirem fotografias dentro das instalações. “A cena club de Berlim não se teria desenvolvido da mesma maneira se não fosse pela política de proibir as fotografias. Que, já agora, existe desde muito antes dos smartphones”, diz Hofmman. “Especialmente nesta altura de ‘se não há fotografias então não aconteceu’, é importante ter espaços onde possas disfrutar do momento sem pensar em como o capturar ou partilhar com o mundo exterior”.

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DJ Keokie, Tresor 1991 © Tilman Brembs

Depois da queda do Muro de Berlim em 1989 , as discotecas da cidade converteram-se em pontos de encontro de uma nova geração emancipada. E ainda assim, até ao dia de hoje, continuam a ser espaços considerados pelo mundo inteiro como sendo seguros para grupos marginalizados. “O surgimento de Berlim como uma metrópole tecnológica internacional e o acesso a voos baratos dentro da Europa mudaram completamente a cena club”, diz Hoffmann.

Mas o que se esconde por trás do nosso fascínio com a cultura club de Berlin? O que é que nos parece tão atraente ao ponto de milhares de pessoas viajarem diariamente à capital “raver” do mundo para se sentirem parte deste fenómeno? Para Hoffman, é o sentimento de comunidade, ainda que temporário. “É a promessa de uma noite que te poderá levar a um lugar com o qual nunca poderias ter sonhado. A promessa de um entorno em que toda a gente tem a mente aberta, é curiosa e está pronta para se perder. Essa sensação especial de estar no melhor sítio possível”.

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Exteriores do Snax Club, 2001 © Wolfgang Tillmans. Cortesia da Galerie Buchholz Berlin/Köln
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o.T., 2015 © Sven Marquardt

Essa mesma sensação é a que as obras da exposição tratam de reflectir. “Trabalhei na cena noctura de Berlim durante mais de 20 anos”, diz-nos Sven Marquardt, que contribuiu para a exposição com a sua fotografia emblemática a preto e branco dos seus colegas e residentes de Berghain, como Marcel Dettmann. “Um sentido da vida que não se pode separar do meu trabalho como fotógrafo: a inspiração e o espírito da época era de autonomia das normas e convenções sociais. As minhas imagens criam-se longe dos likes do Instagram e muito perto da cultura club.”

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Tama Sumo–25.08.2013, Coronet, Elephant & Castle © Salvatore Di Gregorio
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Ohm Trade, 2016 © Camille Blake

O fotógrafo italiano Salvatore Di Gregorio, que retratou grandes nomes como Nina Kraviz e Tama Sumo, resume-a assim: “A pista de dança tem a capacidade de gerar esta experiência única e mística. A estética e as emoções das pessoas que formam parte deste ‘ritual’ são muito poderosas e, como fotógrafo, isso atrai-me”.

Já o fotógrafo alemão Ben de Biel, não resiste às pessoas sem restrições que invadem a pista de dança: “São quem são e não tentam escondê-lo só por terem uma câmara apontada”, diz.

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Loveparade Ku’damm, 1992 © Ben de Biel

“Nos últimos 30 anos, uma cena club com um forte sentido de identidade individual surgiu em Berlim”, conclui Hoffmann. “Especialmente em comparação com Nova Iorque ou Londres, é surpreendente a quantidade de espaços e lugares para experimentar que Berlim ainda tem para nos oferecer.”

Talvez este nosso fascínio provenha do facto de ser impossível saber, ao certo, o que é isso de que toda a gente fala até teres experimentado por ti próprio; quando a pista de dança te deixa ensopado durante as primeiras horas e quando todas essas memórias se guardam na tua cabeça em vez de no teu rolo de câmara.


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