Portugal 2017. Futebol, Facebook e Festivais de Música

Para que os assuntos sensíveis sejam convenientemente esquecidos, qualquer governo deseja que os cidadãos se distraíam através de entretenimento e outros fenómenos populares. Acreditamos que Trump gostaria que o Superbowl fosse interminável, Rajoy não se importaria que o Barcelona e Real Madrid se enfrentassem todos os sábados e, provavelmente, Putin não enjeitaria ter semanalmente um evento do tamanho dos Jogos Olímpicos de Inverno. 

No caso português, o que vale em 2017 o contributo do trio Fado, Futebol e Fátima? O segundo está em todo o lado no mundo informativo, os outros dois, “comme ci, comme ça”. Aliás, num certo sentido, a sua importância deu lugar a outros motores com maior poder de influência. Comecemos pelo último.

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Fátima vs Facebook (e similitudes) 

Redes sociais. A missa diária de muitos utilizadores. Foto por Denis Dervisevic via Flickr

A Igreja Católica vai perdendo o seu peso e o título da canção dos Delfins, “A Queda De um Anjo”, parece cada vez mais adequado. O estatuto do Vaticano tem sido afectado com a descoberta de inúmeros casos de pedofilia e pela forma como têm sido gerido os seus dinheiros. Dois exemplos da visibilidade destes escândalos são o Óscar para Melhor Filme de Spotlight, em 2016, e o sucesso de vendas do livro Avareza, de Emiliano Fittipaldi. 

Se para os afincados seguidores da instituição essas notícias são um choque, para o resto nem por isso. Mais do que questionar se Deus existe e explicar outros milagres, na verdade há um facto difícil de contornar: ninguém está a salvo de uma tentação, seja ela sexual ou de cariz económico – no caso da pedofilia é simplesmente aberrante. Os representantes de Deus na Terra (claro, para os que acreditam), são, acima de tudo, humanos. Se calhar, num ontem longínquo o seu estatuto nunca foi posto em causa. Se calhar, eles próprios viam-se como intocáveis e uma espécie de ser supremo perante os outros. Os tempos mudam.

“A empresa de Mark Zuckerberg, a par de outras ferramentas da mesma era comunicacional (Twitter, Instagram, Snapchat), ocupa hoje, de certa forma, o papel da Igreja na sociedade”.

O Papa Francisco parece querer agarrar essa mudança e revitalizar a mensagem e os propósitos da fé católica. Tem tido atitudes e afirmações que abalam o sector tradicionalista, mas também sabe que não pode dar um passo maior que a perna. As mudanças não podem ser feitas de maneira extrema e há que ter aliados dentro da Igreja. Quando se tem inimigos em casa é meio caminho para se sair fragilizado… Dias 12 e 13 de Maio, com a visita do Papa a Fátima, vamos sentir como está o termómetro da Religião Católica por cá e, em certa medida, na Europa – turistas não vão faltar. Para mostrar o fervor por este acontecimento, os peregrinos vão utilizar inevitavelmente as redes sociais. 

Entre elas, destaca-se o Facebook. Curioso, porque a empresa de Mark Zuckerberg, a par de outras ferramentas da mesma era comunicacional (Twitter, Instagram, Snapchat), ocupa hoje, de certa forma, o papel da Igreja na sociedade. Entre um sermão dado pelo padre (e aqui até podemos incluir a tarefa do confessionário) e o que vai sendo debitado no famoso mural, a quem é que as pessoas têm dado a sua confiança? Claramente à segunda hipótese, com ou sem “fake news”

Por outro lado, as redes sociais servem de radar para sabermos quais as notícias na ordem do dia. E isso, para qualquer político, é irritante (claro, se o assunto for em seu proveito ele agradece). Olhando para tempos idos, não há como ter só televisão, rádio e jornais para controlar o que vai na cabeça do povo.

As redes sociais e as novas tecnologias não são uma religião na verdadeira acepção da palavra, mas são um “ópio” que poucos dispensam. O Vaticano não é excepção e todos os dias o seu líder espalha a mensagem da Igreja via Twitter. #Amén. 

Fado vs Festivais de Música

Festivais. É pró´ menino e pra´ menina, com variados gostos e feitios. Foto por Bruno Lisita/VICE

Há trinta e poucos anos, o fado era olhado de soslaio. O fantasma do antigo regime pairava e, injustamente, Amália Rodrigues era venerada somente por um público mais velho. Os vintões e trintões preferiam viver a era Bairro Alto em todo o seu esplendor, venerando os termos “punk”, “new wave” e as escolhas de António Sérgio. No início da década passada, Camané e Mariza deram o empurrão crucial para que o Fado virasse produto pop. 

Gisela João, Ana Moura, Carminho e Ricardo Ribeiro são casos flagrantes da aceitação geral dos melómanos por estes dias, não faltando uma rádio e celebrações ao vivo. Aliás, é natural encontrarmos alguém que tanto pode ouvir um desses nomes, como incluir igualmente no seu Spotify o rap de Capicua, a pop de Manuel Fúria e os Naufragos, a electrónica dos Sensible Soccers, ou as guitarras desenfreadas dos Black Bombaim. É a geração cosmopolita a gostar do som ecléctico “made in Portugal”. Sem preconceito.

“O País está longe de ser o bimbo europeu no campeonato de espectáculos”.

No entanto, comparando a sua importância na sociedade actual com o que se passava há meio século, o frenesim é menor. A qualidade dos seus intérpretes é indesmentível, mas os tempos e necessidades de quem os ouve são diferentes. A sociedade de consumo é implacável. É nesse domínio que os Festivais de Música tomaram a liderança no universo sonoro. Com a compra de discos a cair em pique, os concertos são a escolha óbvia para se gastar o dinheiro nos artistas favoritos. Nesse campo, essencialmente a partir de Maio até ao final de Verão, não há Festival que falte no calendário de Norte a Sul do País. O pop rock é o que tem maior visibilidade, nomeadamente devido aos custos envolvidos de alguns desses eventos, mas há um pouco para todos os gostos.

Ou seja, com um imenso cardápio de opções e alguns com um toque impressionante de profissionalismo (pelo menos há uma mão cheia destes casos), o País está longe de ser o bimbo europeu no campeonato de espectáculos. Somando a isso o facto de sermos uma nação sem atentados terroristas, faz com que milhares de turistas “musicais” nos visitem cada vez em maior número. Que assim continue. 

Futebol. A bola no meio dos berros habituais 

Futebol. No meio do fanatismo clubístico, salva-se a Selecção. Foto por Bruno Lisita/VICE

Da tal teoria da distracção que tanta simpatia tem junto da classe política e elites do poder, o futebol é o que resiste com o dobro da influência que tinha. Numa era da comunicação tão explosiva, não espanta que o fenómeno tenha tomado tais proporções. 

A juntar aos três diários na imprensa escrita, há ainda debates televisivos, polémicas (com os penalties do costume) e, para aguçar ou enervar os adeptos, berros de comentadores demasiado facciosos. A maioria a defender os habituais Benfica, F.C. Porto e Sporting – aqui em ordem alfabética para que não hajam mal entendidos. É de bradar aos céus quando se ouve, por exemplo, alguns desses comentadores a terem opinião diferente sobre um determinado lance quando é o seu emblema implicado. A cegueira clubística é infinita. Infelizmente, a “clubite” parece ser um mal que paira em outros sectores da vida portuguesa…

“Ao contrário de Fátima (e da Igreja Católica), o Futebol não estagnou e aumentou o entusiasmo”.

Fora deste folclore, o jogador luso revela o excelente que é na arte da “redondinha”. Se em tempos Eusébio era um símbolo de um país fechado sobre si próprio (com a sua magia a ser espalhada em alguns eventos internacionais), actualmente Cristiano Ronaldo é idolatrado nos quatro cantos do Planeta. 

Em complemento à magia dos jogadores, há o respeito pela mentalidade e inteligência táctica dos nossos treinadores. José Mourinho é o expoente máximo disso, tendo Fernando Santos – contra todas as previsões menos a dele – conseguido o ano passado alcançar com a Selecção um feito inigualável. Conquistar um Torneio europeu no meio dos “tubarões” é obra. Antes, e nos tempos mais recentes, só o F.C. Porto o conseguiu.

Deste modo, ao contrário de Fátima (e da Igreja Católica), o Futebol não estagnou e aumentou o entusiasmo. Mesmo não tendo a preponderância de outros tempos, o Fado soube adaptar-se e ser um factor “cool” entre jovens adultos. E assim vai o “pão e circo” no canto mais a Oeste da Europa…