Portugueses explicam porque é que já não usam ou estão prestes a deixar de usar o Facebook

Embora dê muito gozo ver Zuckerberg a sofrer – e bem – as represálias devidas por ter usado e partilhado os nossos dados privados de forma aparentemente abusiva, ainda não se consegue definir claramente se estamos ou não perante o fim de uma era. Parece, mas, como já sabemos muito bem, hoje em dia o que parece nem sempre é. Houve uma altura em que não ter Facebook era quase como não existir. Agora, o movimento #DeleteFacebook é a nova moda e não pára de angariar apoios entre muitas caras conhecidas e empresas de dimensão, como por exemplo Elon Musk, ou a Playboy.

Entre notícias falsas, demasiados amigos, pessoas com mais de 50 anos a publicar fotografias de quando tinham 20 – e a assinarem os comentários com “bjs, tia Teresa” – e, claro, a infindável publicidade, o feed do Facebook tornou-se completamente caótico. E a empresa tem tido atitudes que são, para muitos, indesculpáveis. Talvez tenha mesmo chegado a hora de dizer adeus à rede social que nos tornou naquilo que somos – millenials-que-partilham-fotografias-até-do-que-comem – e daqui a uns anos relembrar 2018 como o ano em que o Facebook se tornou, unanimemente, uma merda.

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Perguntámos a algumas pessoas o que pensam sobre aquilo em que o Facebook se tornou e de que forma (e se) este último escândalo afectou a sua interacção com a rede social.

Vera, 23 anos, gestão

Foto cortesia Vera.

VICE: Olá Vera! E esta coisa do Facebook, que tal? Ainda tens?

Vera: Ainda tenho, mas só abro a aplicação para fazer desaparecer o símbolo irritante de notificação. A única utilidade que ainda tem é que me permite fazer log in noutras aplicações. Aliás, essa é a razão pela qual ainda não o apaguei. Também dá jeito para fazer convites para eventos, que é uma coisa que não existe como opção noutras redes sociais.

Se tivesses que descrever em que é que o Facebook se tornou, o que dirias?

Hoje em dia, no meu feed são só pessoas a publicitar os seus próprios negócios, publicações constrangedoras de tios e tias, anúncios, notícias e vídeos de auto-ajuda.

O que pensas sobre o escândalo recente que envolve a Cambridge Analytica?

Para o Facebook é importante utilizar os nossos dados para nos mostrar aquilo que já sabe que nos interessa, para nos fazer usar mais e mais a aplicação. Este escândalo recente só nos veio mostrar que os dados que fornecemos, ao confiramos no Facebook, também podem ser – e são – usados contra nós.

Sou uma pessoa bastante ligada às tecnologias e utilizadora ávida de redes sociais, muitas vezes acabando por ser inconsciente quanto à protecção dos meus dados por ficar tão entusiasmada em usar aplicações que me poupem tempo ou facilitem a vida seja de que maneira for.

Por isso, tenho noção que, ao ter esta perspectiva de que quanto mais ligadas e automatizadas as aplicações melhor, estou vulnerável à manipulação e à monitorização. Aliás, num minuto estou eu a ver botas na Asos que não tenho dinheiro para comprar, enquanto oiço “Creep” dos Radiohead e, quando abro o Facebook, lá estão as botas no canto superior direito, em forma de anúncio e uma publicação patrocinada com o título “There’s no shame in getting help”. Cookies no seu melhor.

Vasco, 26 anos, account manager

Foto cortesia Vasco

VICE: Vasco, e isto do Facebook? Ainda usas?

Vasco: Já não. No seguimento do escândalo da Cambridge Analytica decidi bloquear de vez a minha conta.

Ah, também já entraste na onda do #DeleteFacebook. Custou-te a apagar?

Não custou muito, porque já tinha a decisão quase tomada. Já apaguei a minha conta várias vezes, precisamente por sentir que a minha privacidade estava demasiado exposta. Acabei por voltar a activá-la, mas sempre e só por motivos profissionais – sem isso nada me faria voltar. Agora foi só decidir que era de vez. Este último escândalo afectou irreparavelmente a minha confiança no Facebook.

Se tivesses que descrever em que é que o Facebook se tornou, o que dirias?

Tornou-se numa entidade que abusa do poder da informação que tem nas mãos, aproveitando-se da forma despreocupada da maneira como nos habituámos a partilhar os nossos dados. A publicidade, as fake news, agora a Cambridge Analytica. A forma, em geral, como usam e abusam da nossa informação, sem preocupações de como isso afecta sociedades e até países. Usam o que têm nosso contra nós – o que é irónico, sendo que, como rede social, foi criada com o objectivo de unir as pessoas. O propósito perdeu-se.

Que redes sociais é que usas?

A única rede que utilizo com alguma frequência é o Twitter, sobretudo pela facilidade e rapidez da informação e da notícia.

Mariana, 25 anos, gestora

Foto cortesia Mariana

VICE: Então e isto do Facebook, achas que está a morrer ou ainda usas?

Mariana: Ainda tenho, mas quase não uso, concordo que está a morrer. Já não é muito trendy. As novas redes sociais são todas sobre o agora, o Facebook cada vez que lá vou são notícias de há dias, ou comentários de pessoas em publicações antigas. Está desactualizado.

Achas que se está a tornar numa rede social de pais?

Acho e talvez a explicação seja mesmo por estar desactualizado. Quando surgiu era inovador e os pais – que são normalmente mais lerdos nas tecnologias – demoraram a aprender a mexer nesta rede. Agora que aprenderam já não saem de lá. Nós seguimos em frente.

O que te vem à cabeça quando pensas no Facebook?

As últimas notícias não ajudaram, aliás abriram-nos os olhos. Penso no Facebook e penso em marketing, cookies, pegada digital, controlo de dados, em atentados à segurança e privacidade. É quase uma plataforma online de compra e venda para marcas. No geral, acho que concordo muito com o que o Elon Musk e o co-fundador do WhatsApp disseram sobre o Facebook nestes últimos dias.

Qual é a rede social que mais usas?

Hoje em dia as minhas redes sociais de eleição são o Twitter e o Bloglovin. Aliás, para me facilitar apagar o Facebook (que vai acontecer nos próximos dias) ando a tentar passar a pasta para o Twitter, passar a seguir os jornais que seguia num para o outro. Assim posso apagar de vez o perfil sem perder as páginas que sigo.

Manuel, 24 anos, artista plástico

Foto cortesia Manuel

VICE: Nunca tiveste uma conta de Facebook. Como é que isso aconteceu, na idade em que todos cedemos à pressão social de entrar nas redes? O que te levou a não ceder?

Manuel: Acho que foi por ser meio desligado, não me apercebi da importância nem da adesão ao Facebook até que quando dei por isso já toda a gente tinha menos eu. Aí, como via de fora, apercebi-me do vício que aquilo representava para quem tinha – e eu já era viciado no Youtube, não precisava de mais uma distracção perigosa. Depois, entre os meus amigos, consolidou-se o de eu ser O gajo que não tinha Facebook.

O que é que achas que foi diferente na tua adolescência pelo facto de não teres Facebook?

Não acho que tenha sido assim tão diferente. Acredito, aliás – talvez utopicamente -, que me ajudou a estar mais focado na minha formação, a perder tempo só com aquilo que me interessava, por exemplo a ver filmes. Para além disso, nunca tive a influência do Facebook no que toca à procura de informação na Internet, o que considero ser muito positivo. A nível social, sei que perdi muitas festas. Durante a adolescência acho que era um bocado assim, se não estava no Facebook, então era porque não era para ser convidado.

Alguma vez te fez falta ou pensaste em abrir conta?

Houve dois momentos em que considerei criar uma conta, mas rapidamente encontrei alternativas. O primeiro foi quando comecei a estabilizar-me como artista e pintor e queria mostrar o meu trabalho a um público mais alargado e aí o facebook surgiu como hipótese. Mas, não gosto do grafismo do feed e a estética não é manipulável, achei que não se ia enquadrar bem. Encontrei alternativa no Instagram, única rede social que tenho. O segundo momento de indecisão foi quando fiz Erasmus, numa de me manter em contacto. O WhatsApp resolveu a questão sem trazer por arrasto o chorrilho infindável de informação, comentários, likes e sei lá mais o quê que o Facebook traria. E, claro, quando a minha mãe, pai e até avó passaram a ter Facebook, foi a derradeira confirmação de que nunca poderia criar conta.

Agora, com todo o escândalo da Cambridge Analytica e o uso de dados privados do Facebook para influenciar eleições, aposto que te sentes aliviado. O que sentes por não estar envolvido nesta era ao estilo Black Mirror, já que o Facebook não tem acesso aos teus dados?

Gostava de estar aliviado, mas não estou. Tudo bem que estou fora deste ultimo escândalo, mas provavelmente estarei dentro dos próximos, porque todas – ou quase, vá – as aplicações de telemóvel têm acesso aos nossos dados. Pedem acesso ao microfone, à câmara, aos contactos e uma pessoa na preguiça vai dizendo sim, deixando a privacidade ir-se embora, pouco a pouco. Com a quantidade de informação com que somos constantemente bombardeados, acabamos por ignorar algumas importantíssimas, como aceitar “termos e condições de uso” em que autorizamos acesso e até reutilização dos nossos dados.

A pior parte de tudo isto, a meu ver, já nem é só a perda da privacidade – mas sim a do individualismo. Num Mundo em que recebemos informação via online e que esse online é regido por um algoritmo que só nos mostra aquilo que sabe que queremos ver, até que ponto é que as opiniões que criamos sobre o Mundo são, de facto, nossas?

Beatriz, 24 anos, estudante de direito

VICE: Então e o Facebook… Achas que está a morrer ou ainda usas?

Beatriz: Pessoalmente, cada vez uso menos as redes sociais. Já apaguei o Instagram e estou muito perto de apagar o Facebook. Acredito que tudo o que passamos para “o online” sai totalmente da nossa esfera de controlo. Acreditar no contrário é uma ilusão. Temos que ter mais cuidado, proteger melhor a nossa identidade. Não acho que o Facebook esteja a morrer, acho que ainda é uma ferramenta bastante usada pelas pessoas para se manterem a par da actualidade, moda e mexericos no geral. A sensação de que está a morrer talvez venha do facto de as gerações mais novas se estarem a dedicar mais a outras redes sociais. Mas, não nos podemos esquecer da importância que ainda tem na vida de várias pessoas.

Achas que se está a tornar numa rede social para pais? Ou só menos útil no geral?

Sim, é possível que seja mais usado por adultos. E, sem querer parecer uma velha a criticar a juventude, acho que isso reflecte as prioridades das gerações mais novas. Apesar de todos os defeitos e perigos que traz, o Facebook consegue ser mais do que uma rede social – um like nas páginas certas, de jornais e canais informativos e o feed torna-se num canal de notícias (a veracidade das mesmas é tema para outra conversa). Passar do Facebook para o Instagram, por exemplo, parece-me ser uma busca por um reconhecimento mais imediato. Uma perda de interesse pelo conteúdo escrito e uma maior preocupação pela rapidez e quantidade de likes nas próprias fotografias. Não acho que o Facebook esteja a perder utilidade – talvez nunca tenha é tido muita.

Se chegares mesmo a apagar a conta, o que achas que te vai fazer mais falta? Ou será uma espécie de derradeiro sentimento de libertação?

Vou-me sentir livre, sei que sim porque aconteceu o mesmo quando apaguei o Instagram. Mas, não quero mentir: também custa. Cresci numa geração em que as pessoas estão em contacto sem trocar números de telefone e em que acompanhamos a vida um dos outros sem termos que falar. Para o bem ou para o mal, foi assim que nos habituámos a viver. Por isso, a sensação de libertação vem acompanhada por um sentimento de vazio esquisito, talvez pelo falso conforto que as redes sociais nos dão, de se estar acompanhado, ou de não ficar para trás. O que me vai fazer falta é o mesmo que me levou a decidir apagar… irónico.

Germino, 25 anos, financeiro

VICE: Olá Germino, sei que apagaste a conta do Facebook.Há quanto tempo e porquê?

Germino: Há um ano e meio. O Facebook era útil para mim. Ajudava-me a estar a par do que os meus amigos andavam a fazer e eu dou valor a isso. Mas, acabei por apagar a conta precisamente por sentir que já não precisava de saber tanto sobre tanta gente – queria focar-me num número mais pequeno, nas pessoas à minha volta.

Além disso, ao contrário do que acontecia noutras aplicações, dei por mim a não perceber o que me levava a ir ao Facebook. Em apps como o Instagram ou o Snapchat não seguia páginas de entretenimento – só via as fotografias e vídeos de amigos. Com o Facebook era diferente, tinha demasiados amigos e seguia demasiadas páginas. Ainda fiz uma limpeza, mas continuava a ter acesso a conteúdo que não me interessavam.

O que é que melhorou na tua vida depois de largares a rede social?

Deixar de ter acesso ao mural foi o melhor. É refrescante só saber o que se passa na vida das pessoas – das que realmente me interessam – ao falar com elas. Partilhar pensamentos ou fotografias é uma boa forma de estarmos conectados, mas, sinceramente, acho que houve uma banalização da partilha. O Facebook tornou-se numa rede social cheia de informação descartável.

E piorou alguma coisa?

Noto que perdi contacto com algumas pessoas, aquelas com quem só mantinha uma ligação por estarmos na mesma rede social.

Que redes sociais é que usas agora?

Fui descontinuando, apaguei primeiro o Facebook, depois o Instagram, depois o Snapchat. Agora só tenho o Whatsapp.


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