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cenas

O Capuchinho Vermelho de Wall Street

Há sempre alguém com mais massa que tu.

A última vez que Wall Street esteve tanto na moda deve ter sido em 1987 com Gordon Gekko, a personagem fictícia do Oliver Stone que nos ensinou umas cenas porreiras tipo "Greed is good". Mais recentemente, com

O Lobo de Wall Street,

Scorcesse conseguiu voltar a digirir a atenção das massas para a bolsa de valores americana e alguns dos seus participantes no mundo real.

O VERDADEIRO JORDAN BELFORT E DERIVADOS

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Aos 23 anos, Jordan Belfort tentava chegar ao seu sonho multimilionário com a venda de carne e marisco de porta em porta em Nova Iorque. Pouco faltou para que tivesse uma frota de camiões a transportar carne e peixe — mas esta sua primeira aventura no mundo dos négocios teve uma expansão demasiado rápida com pouca liquidez financeira. Aos 25 anos de idade estava a declarar falência. Não se deixando desmoralizar, Belfort resolveu ser corretor e foi aprender tal arte na L.F. Rothschild, que faliu com o crash de 1987. Ainda com grande pujança, em 1988, resolve ir trabalhar para Investors Center, uma empresa com mais de 800 correctores que vendia acções de baixo custo, foi fechada pela Securities and Exchange Comission dos EUA um ano depois da saída de Belfort. Em 1989 entra numa parceria com Danny Porush, cujo nome foi alterado para Donnie Azoff no filme. O Danny também trabalhava na Investors Center e no passado tinha ocasionalmente conduzido um dos camiões de carne de Belfort (talvez a realidade não seja tão romantica como fazer amigos indo fumar crack para a porta das traseiras do restaurante depois de um almoço).

Mas Belfort queria mais e em 1989 abriu uma franchise da Stratton Securities, que era uma pequena corretora de bolsa. Em cinco meses, Belfort e Porush tinham arrecadado o suficiente em comissões para comprar a Stratton toda e transformá-la em Stratton Oakman, acrescentando o Oakman porquê lhes pareceu dar um ar de prestigio e fiabilidade.

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Aos 29, Belfort já era entrevistado pela Forbes onde descrevia o seu novo (e lucrativo) negócio, bem como a parte legal do seu

modus operandi

.­ Se DiCaprio não tem grandes dificuldades em derrubar a quarta parede do cinema para quase nos falar do seu esquema e rapidamente acabar por falar de drogas e prostitutas, Belfort foi uma bocado mais calculista e contratou alguns dos homens para o fazer. Muitos deles tinham conduzido as suas carrinhas de carne e peixe, mas Belfort deu-lhes umas dicas de como conquistar a confiança dos clientes vendendo acções de empresas conhecidas e só depois descarregar todo o outro lixo de empresas obscuras "com grandes possibilidades de lucro".

Mais tarde envolveu-se em esquemas de "Pump and Dump" onde basicamente comprava ações baratas, inflacionava o seu preço através de informações falsas e depois vendia-as em massa, deitando o preço das acções abaixo e prejudicando os outros investidores. Talvez isto não rendesse o suficiente portanto optou por algo mais sofisticado, a manipulação de OPA's, realmente parece algo saído do

Freaks

— Scorcesse talvez tenha feito essa referência quando pôs as personagens a cantar "We accept her! One of us! One of us!"

UM PEQUENO INTERLÚDIO

Portanto aqui estás tu, numa sala em que o suor escorre pelas paredes, em que os gritos de compra e venda ressoam nos teus ossos. Ouves o

beep beep

vindo dos vários computadores com números e gráficos a piscar nos ecrâs e estás chateado por teres um bónus de um milhão e o teu colega ter ganho três milhões. Decides ir fumar um cigarro e beber Dom Pérignon para a varanda com a tua colega enquanto observas aquela malta que está a protestar contra o capitalismo no parque em frente ­— eles estão a tirar selfies na manifestação com um telemóvel que pertence a uma empresa da qual acabaste de fazer umas vendas a descoberto porque recebeste uma informação em primeira mão que o Steve Jobs era bem capaz de morrer nas próximas horas e consequentemente o valor das ações iria cair, mal podes esperar pelo lucro, fechas os olhos e muito suavemente consegues ouvir o "Mercy, Mercy, Mercy!" do Cannonbal Adderley a rematar o dia.

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Vais agora passar umas férias com a tua família para Martha's Vineyard, estão uns agradáveis 28 graus e uma brisa marítima suave. Logo à noite vais encontrar-te com o Senador para meter a conversa em dia e fazer o teu lobbying, voltas a lembrar-te dos três milhões do teu colega e pões-te a pensar em como ele até poderia comprar uma pequena ilha no Pacífico se quisesse. A tua

trophy wife

 sempre se fez um bocado de cega para os casos que tinhas aqui e ali mas agora todas as suas amigas já comentam e ela decide confrontar-te. Dizes-lhe que sabes muito bem que ela só se casou contigo por causa do dinheiro e tu com ela porque ela era boa para caraças, era um bom negócio, mas enquanto o teu dinheiro continuou a crescer, a beleza dela sofreu uma desvalorização exponencial desde os 30 anos, portanto, já não era um bom negócio e tinhas de diversificar o teu portfolio de investimentos. À noite, o Benjamin Franklin ajuda-te a snifar coca do rabo de uma prostituta com o Senador enquanto curtem "Insane In The Membrane" dos Cypress Hill. Amanhã quando acordares vais tratar de fazer umas doações generosas a Harvard ou Yale e assegurares assim a educação de pelo menos duas gerações da tua família.

A SAGA DE BELFORT E DERIVADOS CONTINUA

Seria no mínimo de desconfiar receber chamadas a meio da tarde de uma malta que queria que investisses todas as tuas poupanças numa empresa obscura que nunca tinhas ouvido falar porque ia acontecer algo de fantástico com essa empresa e o teu investimento iria ter um retorno de 300% — ao início era assim que o

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boiler room

de Belfort operava — a única coisa espantosa é a ingenuidade das suas vítimas. Espantoso também foi como em apenas uma semana Belford conseguiu perder o seu iate (que em tempos passados pertencia à Coco Channel) e o seu jacto privado. Males da vida que podem acontecer a qualquer um sem aviso prévio (esperemos que o seguro tenha coberto). Talvez também seja desta que DiCaprio consegue ganhar um Óscar. Se é verdade que uma personagem sem qualquer profundidade pode não ajudar muito, não é menos verdade que o Hitchcock também nunca ganhou Óscares e ainda hoje nos lembramos dele.

Hoje em dia, Belfort vive confortávelmente em Manhattan Beach na Califórnia. É por lá que dá discursos motivadores e serve como um guru espiritual para quem quiser pagar pelas suas lições de sabedoria. Tem um site onde vende o seu produto num estilo muito à vendedor de banha de cobra — se o vosso intuito for rir, aviso-vos de que vale a pena uma visita. Talvez nem seja nos seus produtos espirituais que Belfort actualmente obtém a maior parte dos seus lucros mas sim nos direitos dos seus dois livros (e posterior filme sobre os mesmos) que escreveu enquanto esteve dois anos de férias na prisão. Segundo se sabe, tais obras já lhe renderam 1.767.209 dólares. Belfort foi condenado a restituir 110 milhões de dólares às suas diversas vítimas, dos quais estes anos todos já conseguiu muito árduamente pagar 243 mil, portanto, é bem possível que pagar tudo esteja fora de questão. Belfort sempre teve mais sorte que outra grande lenda de Wall Street, Bernard Maddoff, que foi condenado a 150 anos de férias na prisão pelo seu famoso esquema ponzi. Há quem diga que a Segurança Social também é um esquema em pirâmide, ainda não se sabe.

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Muitas das celebridades de Wall Sreet talvez tivessem escapado se não fossem tão gananciosas, a questão está em separar a ambição da ganância. É possível que muitos ao início só estivessem dispostos a ir até aos 5 cm na régua do "não fazer", depois repensaram e já se sentiam mais confiantes em ir até aos 10 cm e assim sucessivamente até começarem a criar alvos em si próprios.

O verdadeiro iate do Belfort

A CATARSE QUE NUNCA CHEGOU

No final do ano passado foi descoberto que o HSBC, um dos maiores bancos do mundo, estava envolvido num esquema gigantesco de lavagem de dinheiro de droga, o próprio banco admitiu ter lavado biliões de dólares de cartéis Mexicanos e Colombianos — os traficantes até chegavam a desenhar caixas de dinheiro que passavam mais fácilmente nas janelas dos balcões do banco. Ironicamente, diz-se que as actividades relacionadas com a droga já acompanham este banco desde o seu nascimento em Hong Kong no século XIX, quando a East India Company também andava pela China a incitar as Guerras do Ópio.

O estado americano achou que ao acusar o banco estaria a por a sua economia, que já estava a dar sinais de retoma, outra vez em risco e portanto chegou a um acordo em que o banco pagava uma multa de 1,9 biliões de dólares (o HSBC tem lucros anuais a rondar os 16.8 biliões) e continuavam amigos. Um tratamento tão especial que faz Belfort parecer mais um capuchinho vermelho que se foi safando em Wall Street.

A mensagem, tanto na vida real como no cinema, é clara: se tiveres uma grande importância económica, podes fazer o que quiseres.