‘Princesa do travesseiro’: uma sexualidade legítima ou estereótipo prejudicial?

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Fui exposta como bissexual no colégio pela irmã mais velha de uma amiga. Para meus colegas de uma cidadezinha de Gales do Sul, foi uma revelação chocante, mesmo em 2008.

Eu tinha 13 anos na época, e não tinha feito sexo ainda, mas estava consciente e confiante das minhas tendências sexuais – o que provavelmente era bom, porque de repente, eu tinha que ser. Meus sentimentos foram reforçados pela musiquinha que cantaram pra mim no vestiário da escola: “A Gina é bissexual, ela gosta de peito, buceta e pau”. (No ritmo de “Somente o Necessário” do Mogli, o Menino Lobo, caso você queira cantar usando seu nome.)

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Obviamente, como tudo que uma pessoa de 13 anos descobre, minha identidade sexual foi se desenvolvendo com o tempo, experiências e psicologia do Tumblr. Descobri mais sobre mim mesma quando encontrei rótulos como “lésbica de batom”, “feminina” e, aquele que a mais afetou minha psique e minha vida sexual, “princesa do travesseiro”.

“Princesa do travesseiro é alguém que só quer receber durante a atividade sexual”, como descreveu a Dra. Ruth L. Schwartz, psicóloga especializada em relacionamentos lésbicos e cofundadora do Conscious Girlfriend.

Esse é um rótulo controverso e carregado de estereótipos. Muitas mulheres queer veem ser uma princesa do travesseiro como um “sinal vermelho para lésbicas”, com uma entrevistada numa matéria da Cosmopolitan ano passado igualando o título a ser “muito egoísta, e um não imediato pra mim”. Zara Barrie, que escreve para o Elite Daily, até chegou a dizer que ser uma princesa do travesseiro significa que uma garota não pode ser “realmente” lésbica.

É um caso claro de gatekeeping queer – basicamente decidir quem é “gay o suficiente” para ser incluído na comunidade LGBTQ, e algo que meus colegas bissexuais acabam encarando com frequência.

Faye, uma princesa do travesseiro de 20 anos, muitas vezes se vê discriminada tanto dentro como fora da comunidade. “Há esse grande estigma de que princesas do travesseiro são amantes egoístas, preguiçosas e incapazes de saber o que as parceiras querem, mas não é esse o caso”, diz Faye. “Na verdade, é entender como você quer que seu relacionamento seja, se comunicar com a parceira e vice-versa.”

“Antes, eu tinha ouvido o termo ser usado para mulheres heterossexuais que só queriam ter uma experiência com uma mulher, mas não queriam entender o que a outra quer, seja por insegurança ou preguiça, quando eu só chamaria isso de uma experiência ruim.”

Apesar de nenhuma das princesas de travesseiro com quem falei acharem que foi uma experiência anterior específica que levou a essa preferência sexual, a Dra. Schwartz me lembrou que nenhum desejo sexual existe no vácuo. “Nossas experiências são forjadas através de uma mistura muito complexa de experiências e resposta a experiências”, ela diz. “Então talvez haja razões mais profundas por trás de todas as nossas preferências. Mas isso não é uma razão para patologizar as princesas do travesseiro. Há muitos jeitos de experimentar prazer sexual, e todos são lindos.”

A Dra. Schwartz também me perguntou por que meus sentimentos negativos sobre ser uma princesa do travesseiro só existem em relação aos meus sentimentos queer – algo que eu não tinha considerado antes. “A questão sobre se há algo ‘errado’ com uma mulher que só quer receber sexualmente, em vez de ser ativa, só surge nas comunidades de mulheres lésbicas ou queer”, ela apontou. “Muitas mulheres heterossexuais são princesas do travesseiro sem ter que dizer que são, e muitos homens hétero preferem parceiras que apenas recebem. Como mulheres LGBTQ, devemos abraçar toda a diversidade da expressão sexual humana.”

Enquanto concordo que a raiz da minha culpa em ser uma princesa do travesseiro vem de lesbofobia, acho que o texto de Kasandra Brabaw para o Refinery29 entra mais fundo na questão, e em essência resume essa culpa associada com ser uma princesa do travesseiro como uma reação de culpa induzida pelo patriarcado de ser uma mulher.

“Às vezes me sinto culpada por me focar no meu prazer”, Brabaw escreveu. “Sinto que estou tirando algo da minha parceira, como se me dar prazer não desse prazer a ela também, mas é mais que isso. É a ideia de que ser submissa me coloca num papel ‘feminino’ no sexo, o que por sua vez me torna fraca. É a mesma razão para ouvirmos piadas sobre homens que são passivos. É mais fácil tirar sarro de um passivo do que de um ativo, porque o passivo está fazendo o papel de ‘mulher’ numa sociedade que iguala feminilidade com fraqueza.”

Se minha vergonha vem da minha identidade como mulher, como bissexual ou, mais provavelmente, de um amálgama das duas coisas, sem dúvida é preciso coragem para uma garota admitir abertamente o que ela quer. Ou, mais que isso: como ela quer, como ela deseja, como ela tira algo e não sente a necessidade de dar de volta.

Não há nada mais assustador para uma sociedade misógina que uma mulher que toma. Combine isso com o ódio com a sexualidade feminina aberta, e a rejeição da princesa do travesseiro como uma expressão sexual legítima torna a ideia de ser uma, no meu ponto de vista, ainda mais inspiradora.

@GINATONIC

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