Foi uma bela surpresa para os fãs do rap nacional quando anunciaram que Rael tinha recebido o Prêmio da Música Brasileira de melhor cantor de pop/rock/reggae/hip-hop/funk no último dia 19: era a segunda vez que a premiação, que existe desde 1988, escolhia como vencedor para esta categoria um artista de rap. Na primeira, quem saiu vencedor foi o Criolo, cinco anos atrás.
Um dos fatores que ajudam a explicar a escolha do prêmio por Rael como o ganhador da edição 2017, além da carga MPB presente nas suas músicas, é que o cantor paulistano ex-integrante do Pentágono é uma das únicas vozes atuais da cena de rap BR que pode ser ouvida com uma certa frequência nas rádios do país, com os singles como “Rouxinol” e “Envolvidão“. Outro artista que, junto com Rael, segue nessa busca pela disseminação radiofônica do hip-hop nacional é José Tiago Sabino Pereira, o Projota, que lança A Milenar Arte de Meter o Louco, seu segundo disco de estúdio, nesta sexta-feira (28) pela Universal Music.
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“Foi muito legal que o Rael ganhou [o Prêmio da Música Brasileira], mas, se você pensar, ainda é muito pouco que hoje só tenha eu e ele tocando nas rádios nacionais”, disse o rapper paulistano de 31 anos. “O rap ainda tem muita dificuldade pra se inserir nesse meio [radiofônico] porque, acho eu, tem muito preconceito por parte do público com o gênero. Então às vezes temos que adaptar as músicas. Mas o que eu pretendo é continuar tentando quebrar essa barreira até todo mundo ‘engolir’ o rap, só que eu e o Rael precisamos de mais gente com a gente.”
E assim como no seu disco de estreia, Foco, Força & Fé (2014) — que trouxe sucessos como “Cobertor“, single feito em parceria com a Anitta — , o novo trabalho do Projota vem recheado de faixas românticas e com bastante potencial para se tornarem hits de rádio. O carro-chefe delas é “Linda”, música que conta com a participação do duo de pop rural Anavitória, formado por Vitória Falcão e Ana Clara Caetano. “Com certeza, é a faixa mais pop da minha carreira”, disse o rapper, que explicou que já conhecia Vitória há um tempo e, por isso, resolveu convidar as garotas para cantarem o refrão. “Queria que tivesse uma voz feminina nessa música. Algumas pessoas achavam que não ia casar muito, mas acho que elas têm tudo a ver com o Projota, apesar de terem um apelo mais cult.”
Para completar a carga pop de “Linda”, a faixa ainda ganhou um clipe com participação do jogador de futebol Gabriel Jesus, que, assim como Projota, é da zona norte de São Paulo. “Foi louco ver como a participação dele agregou no sucesso do clipe”. O vídeo, que foi lançado no último dia 13, já conta com mais de 6 milhões de visualizações no YouTube.
Outra faixa que é uma aposta como single para o rapper é “Mais Like”, que conta com participação da Karol Conká e fala sobre os haters de internet (“Zé povinho digital/É esse seu nome/Olho gordo virtual/Que xinga e depois some”). A dupla já tinha trabalhado junta em 2012, quando Projota lançou o single “Não Falem”. “‘Mais Like’ traz o mesmo tema de ‘Não Falem’, só que no virtual. E é uma música muito Karol Conka”, disse o rapper. “Tanto a temática, quanto a batida tem tudo a ver com ela. E, por falar sobre redes sociais, um negócio que está todo mundo usando hoje, acredito que [a faixa] pode estourar.”
Apesar de manter o seu lado pop romântico em faixas como em “Mulher Feita” e nas duas aqui já citadas, Projota soa mais agressivo em AMADMOL do que no seu antecessor, tanto pelas letras quanto pelas batidas de trap. “Nesse meu trabalho eu trago dois Projotas: um apaixonado, pelo qual fiquei conhecido em Força, Foco e Fé, e outro que tem defeitos, como qualquer outra pessoa”. Essa dualidade é mostrada não só no decorrer das 12 faixas, mas também fica explícita de cara já na capa do álbum, na qual o rapper aparece com uma metade do rosto intacta e com a outra metade retalhada.
“Eu cansei de ser visto só como o bonzinho. Sei que os meus fãs esperam isso de mim, muito por minha culpa, porque eu sempre tentei servir como bom exemplo pra eles. Mas chega uma hora que isso sufoca, essa obrigação de ser foda, de ser o correto, o perfeito. Isso me levou à depressão”, desabafou o rapper. Projota aborda essa fase sombria da sua vida em “Segura seu B.O.”, faixa que conta com participação do seu amigo de mais de década Rashid — ambos conhecidos pelas suas passagens na Batalha do Santa Cruz. “Até uma parte de 2016, eu tava muito acomodado. Cheguei num certo patamar no qual estava pensando ‘Ah, tá de boa, né? Já fiz tudo’. Só que não, né?”.
“Foi quando eu me vi obeso trancado num quarto
Sozinho, depressivo, transando com 15 minas por semana
Pra ver se assim me sentia mais vivo” — Projota, em “Segura seu B.O.”
Segundo ele, o que o fez recuperar a vontade de “fazer música foda” foi observar a cena de rap nacional atual. “Tem muito moleque novo que está arrepiando. Tipo o Djonga“, disse o rapper, que comentou ter postado um vídeo do rapper mineiro no Instagram esses dias. “Ele é foda, acho ele surreal. Tem o Froid, o Xamã, os meninos do Primeiramente e o Choice também. Eu tava estagnado, mas ver essa galera aparecendo me motivou, me fez recuperar o ‘Eye of the Tiger‘ do Rocky Balboa”, explicou Projota. “Primeiro, porque eu quero estar junto da cena. Segundo, que o rap tem muito de competição, né? [O rap] Veio das batalhas. Quando eu vejo um rapper fazendo um rap bom, isso me dá vontade de fazer um rap melhor. Então, ouvindo essa molecada, tenho vontade de fazer um som melhor que o deles.”
AMADMOL começa com um prefácio retirado de uma conversa que o próprio rapper gravou com o Mano Brown. São trechos que resumem mais ou menos a ideia do disco inteiro e o que seria “A Milenar Arte de Meter o Louco”. “Nesse trecho, por exemplo, ele fala que usava corrente de latão pra poder imitar MCs gringos. Pra mim, isso é ‘meter o louco’. É fazer o melhor que você puder com os recursos que você tem disponíveis.”
Se hoje Tiago acumula dois discos de platina, mais de 7 milhões de likes no Facebook e até participação em série de TV e no cinema — Projota faz participação como ator na série global Carcereiros (2017) e no filme Sequestro Relâmpago, de Tata Amaral (sem previsão de estreia) —, ele relembra que, em 2002, ele batia régua em caixa de sapato pra dar rec e gravar música no radinho de casa em fita cassete. “Um monte de gente já tinha ICQ, computador. Eu nem sabia o que era isso. Tava eu rimando e o Rashid fazendo beatbox”, contou. “Não tinha roupa maneira? Usava o que tinha. A gente tinha que se virar. Não ia deixar de fazer minha música por causa dessas adversidades.”
Apesar de músicas com vibes mais pesadas como “Segura Seu B.O.”, Projota define seu novo disco como “uma bomba de autoestima”. “Você não tem autoestima nenhuma quando você nasce na periferia, principalmente sendo preto. Todo mundo diz que você nunca vai ser nada. E, mesmo hoje, depois de eu ter chegado onde cheguei, eu ainda sinto olhares julgadores das pessoas, do tipo ‘o que você tá fazendo aqui?’.”
“Quando comecei a fazer rap, todo mundo falava que eu era louco. E colocar minhas músicas na rádio foi a maior metida de louco que eu dei na vida. Todo mundo me falava: ‘Vai aparecer no Faustão? Você vai perder seu público antigo do rap e esses fãs novos que a rádio vai te trazer não vão ser fãs reais’. Bem, mais de três anos se passaram, e eu ainda estou aqui, na ativa, então…”
Ouça o disco completo no player abaixo:
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