Vítimas da Tradição de 'Passar os Seios' de Camarões

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Vítimas da Tradição de 'Passar os Seios' de Camarões

“Passar os seios” é um costume camaronês de massagear o peito de meninas com ferramentas quentes – espátulas e pilões são as mais comuns – numa tentativa de achatar seus seios em desenvolvimento.

"Ter seios era vergonhoso. Minha avó notou os meus quando eu tinha dez anos. Uma noite, ela me fez deitar numa cama de bambu perto do fogo. Ela pressionou meus seios com uma espátula de madeira quente para achatá-los. Até hoje, não gosto que toquem meus seios." – Jeannette, 28 anos.

"Passar os seios" é um costume camaronês de massagear o peito de meninas com ferramentas quentes – espátulas e pilões são as mais comuns – numa tentativa de achatar seus seios em desenvolvimento. Isso é feito com a intenção de adiar suas primeiras relações sexuais, tornando seus corpos menos atraentes para os homens. Os pais geralmente temem que as meninas não terminem os estudos se conhecerem um homem e ficarem grávidas.

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Geralmente, passar os seios é algo feito pelas mulheres da família em casa ou com a assistência de um curandeiro. O processo começa assim que a puberdade chega – para algumas, isso significa intervenções aos oito anos de idade. As consequências disso podem ser desastrosas para a saúde das vítimas: cistos, câncer de mama e problemas de amamentação são comuns, sem falar nas muitas consequências psicológicas ligadas à prática. Segundo um relatório do GIZ de 2011, uma em cada 10 meninas camaronesas passa por essa experiência.

O fotógrafo francês Gildas Paré viajou para Camarões recentemente para fotografar algumas dessas vítimas e contar suas histórias. Conversamos com ele sobre seu trabalho e esse costume tradicional de mutilação.

VICE: Você começou como fotógrafo de alimentos. O que te fez querer fotografar esses retratos?
Gildas Paré: Eu quis trabalhar em algo mais pessoal e estava interessado em questões femininas. Fiquei surpreso que o costume de passar os seios fosse tão mal documentado. Depois de alguma pesquisa, descobri que o jornalista Kirk Bayama estava filmando um documentário sobre o problema. Entrei em contato com ele; assim, alguns meses depois, nós viajamos juntos para Camarões.

Você pode explicar melhor a prática?
A ideia é que, se os seios de uma menina não crescerem, os homens não vão se interessar por ela. As mães fazem isso na esperança de que as filhas não fiquem grávidas e possam continuar seus estudos. Se ninguém se sentir atraído por elas, elas não vão acabar casando cedo demais.

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Uma espátula de madeira usada para passar os seios.

Como isso funciona?
Isso geralmente começa quando a garota tem de oito a nove anos. A família amarra uma faixa elástica apertada em volta do peito dela. Eles apertam isso mais à noite, às vezes também durante o dia. Outra técnica é massagear os seios com instrumentos quentes. Eles assumem que aquecendo essas ferramentas e pressionando contra o peito das meninas, isso vai derreter a gordura dos seios, o que é loucura. Eles usam várias coisas nesse processo: pilões, rolos de madeira, espátulas, colheres e pedras. A maioria dos objetos pertence à mãe ou à avó da menina.

Todas as mulheres posaram com os seios nus. Como você as convenceu a fazer isso?
Foi difícil. Durante nosso primeiro encontro com a RENATA (a ONG de direitos das mulheres que nos ajudou), uma das vítimas disse imediatamente que seria impossível. "Você pode fotografar o rosto ou os seios delas, não os dois. Elas nunca vão concordar com isso", ela frisou. Eu respondi que, se não fizesse assim, seria inútil. Uma mulher vestida não teria o mesmo impacto. Tivemos longas discussões sobre isso, e elas finalmente concordaram comigo. Elas entenderam o que eu estava fazendo – que meu ponto de vista não era sexual.

Você pediu que elas ficassem com os seios nus logo de cara, certo?
Sim, certamente. De outra maneira, não haveria uma confrontação direta com o público. Seios têm um impacto forte nas pessoas.

Que tipo de relação essas mulheres têm com seus corpos?
Elas sofrem diariamente. Elas não conseguem usar roupas de banho; então, não vão à praia. É difícil para elas se despirem na frente dos namorados – isso se elas estiverem num relacionamento. A dor física pode passar, mas o trauma psicológico, não. Muitas não querem que seus seios sejam tocados nunca.

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"Eles dizem: 'Não grite, é para o seu bem'. Não tive coragem de falar sobre isso com meus filhos ainda. Três dias atrás, meu filho perguntou: 'Mãe, por que você tem seios pequenos?'. Eu disse que não sabia. Também tenho uma filha de seis anos. Mas não estou pronta para falar sobre isso. Eu adoraria ter amamentado um futuro presidente." – Carole N., 28 anos.

O título do projeto é Plastic Dream. Por quê?
Essas mulheres são desesperadas por uma cirurgia plástica. Elas querem ganhar dinheiro suficiente para poder pagar por uma cirurgia de mamas. Elas gostariam de poder usar vestidos bonitos, se mostrarem. No entanto, agora, elas preferem se esconder. Isso é o mais terrível.

Quando cheguei lá, eu tinha muitas ideias preconcebidas: achei que essas mulheres teriam grandes cicatrizes no corpo. No final das contas, falamos mais sobre as feridas psicológicas. Foi algo muito pesado.

Alguma história em particular te emocionou?
Todas as histórias eram poderosas. Mesmo se as cicatrizes não fossem visíveis, elas estavam machucadas por dentro. Uma das mulheres sofreu muito: a família usou uma espátula e, em seguida, uma pedra para passar os seios dela; depois, ela foi estuprada e forçada a casar com um homem sem seu consentimento. Ela teve um filho com 14 anos. Em Camarões, se você não pode amamentar seu filho, as coisas podem ficar muito difíceis. Mamadeiras e leite especial não estão amplamente disponíveis. Como essa garota não conseguia amamentar, eles usaram formigas para picá-la numa tentativa de começar a produção de leite. É uma história horrível.

Aonde esse projeto vai agora?
No momento, estou procurando lugares para exibir os retratos. Estou negociando com uma galeria atualmente. Também quero muito voltar até Camarões e fotografar mais dessas mulheres.

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Veja mais do trabalho de Gildas no site dele e siga o Matthieu no Twitter. Mais fotos e histórias abaixo.

"Quando meus seios começaram a crescer, as pessoas da minha casa começaram a falar sobre isso. Vizinhos, as amigas da minha mãe, nossos parentes mais velhos. Comecei até a sentir vergonha, as pessoas não paravam de falar. Minha mãe acabou decidindo passar meus seios. 'Se não os passarmos, isso vai atrair homens. E sabemos que homens significam gravidez', ela afirmou. Precisávamos matar aqueles seios, ela dizia. Ela usou uma pedra quente no seio direito; depois, no esquerdo; depois, no direito novamente. Isso levou semanas. Acho que ela queria o melhor para mim. Mas seios são o que torna as mulheres bonitas. Hoje, os meus são caídos." - Carole B., 28 anos.

Sementes são usadas para achatar os seios. As mulheres aquecem as sementes e as esfregam no peito.

"Eu tinha oito anos quando a minha mãe me disse: 'Tire a blusa. Você já tem seios? Quando uma garota da sua idade tem seios, os homens olham para ela'. Eu não entendi o que ela estava fazendo. Todo dia, às vezes três vezes por dia, ela apertava meu peito com uma espátula quente. Ela dizia: 'É para o seu bem'. Era um pesadelo. Notei que, quanto mais ela massageava, mais meus seios cresciam. Quando ela percebeu que não estava funcionando, ela usou uma pedra. Foi um inferno. Era como se meu corpo estivesse queimando. Contei tudo para um conselheiro, que tentou falar com a minha mãe e fazê-la parar. Fiquei feliz porque achei que isso tinha acabado. Mas ela fez de novo – com sementes quentes dessa vez. Ela massageava e massageava. Peguei minhas coisas e fui morar com a minha tia. Às vezes, tento entender as ações da minha mãe. Dói tanto quando me olho no espelho." – Doriane, 19 anos.

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"Meus seios finalmente começaram a crescer quando eu tinha 18 anos. Antes disso, os garotos não se sentiam atraídos por mim. Eu me sentia mal com isso. Minha avó começou a destruir meus seios quando eu tinha 12 anos. Eu tentava fugir dela toda manhã, porém ela sempre me pegava. Outras crianças estavam indo para a escola, e eu estava sendo massageada com uma pedra quente. Ela fez isso duas vezes por dia durante um ano. Ter seios é natural, é humano. Quando eu não tinha seios, me sentia como um menino." – Agnès, 32 anos.

"Pilões me lembram minhas dores de infância. Aquele pedaço de pedra que as pessoas usam para triturar temperos foi usado para esmagar a beleza das mulheres e marcar a pele de adolescentes. Meus seios começaram a crescer quando eu tinha 10 anos, e minha família achou que massageá-los seria a solução. Quando fiz 16 anos e fiquei grávida, eles também escureceram. Um fluido preto sempre saía quando eu tentava amamentar. É difícil me lembrar de tudo isso. Decidi esquecer e lutar contra a violência feita às mulheres." – Cathy, 27 anos.

"Toda manhã, antes de ir à escola, minha mãe me faz levantar minha blusa para ter certeza de que não tirei minha faixa. Já faz dois anos, mas ela ainda verifica todo dia. É humilhante. Queria que ela parasse. Quando crescer, quero ser advogada ou tocar piano. Espero que usar a faixa me ajude a continuar meus estudos." – Cindy, 14 anos.

Faixa elástica usada para impedir o crescimento dos seios.

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Formigas usadas para estimular a produção de leite.

"Ela era minha mãe; logo, eu tinha de obedecer quando ela me chamava. Mesmo quando eu corria, ela conseguia me pegar; quando eu ia dormir, ela me agarrava; quando eu estava tomando banho, ela me segurava e começava a massagear. Ela sempre achava um jeito, não importava o que eu fizesse. Eu podia chorar o quanto quisesse, ela não deixava de fazer isso. Era como se ela estivesse me esfaqueando no peito. Ela morreu algum tempo atrás. Nunca entendi o que ela estava pensando – se ela achava que estava me ajudando ou me castigando. Meu primo me estuprou quando eu tinha 13 anos, e acabei tendo o filho dele. Eu precisava produzir leite, mas não tinha mais seios. Tentamos usar formigas. Quando elas te picam, seus seios inflam – e isso deveria encorajar a produção de leite. Tive três filhos, porém, apesar das formigas, não consegui amamentar nenhum deles." – Emmanuelle, 23 anos.

"Durante a noite, minha mãe me fazia usar uma faixa elástica muito apertada no peito. Durante o dia, ela fazia massagem com uma espátula, um pilão, um pau ou uma pedra. Isso dói muito. Pedi para ela parar, e ela acabou parando. No entanto, depois disso, meus seios cresceram muito rápido. Muito, muito rápido. Fiquei com tanta vergonha. Queria escondê-los. As pessoas gritavam coisas sobre meus seios na rua. Quando estava com 20 e poucos anos, meus seios começaram a cair como os de uma mulher de 50 anos. Fico relutante em tirar a roupa na frente de outras pessoas. Às vezes, fico de blusa quando faço sexo com meu namorado. Fiquei muito ressentida com a minha mãe." – Gaëlle, 26 anos.

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Faixa elástica caseira.

"Às vezes, não consigo respirar porque a faixa é muito apertada. Isso me assusta. Uso isso há anos. É muito, muito quente; então, tenho coceira embaixo dela. Não entendo por que minha mãe faz isso." – Manuella, 9 anos.

Pilão.

"Minha mãe disse que meus seios iam atrair homens. Assim, ela me levou até um curandeiro. Ele pegou uma faca e cortou meus seios, um depois do outro, e tirou o que tinha dentro com um tubo. Ele me falou: 'Se você não fizer isso, as pessoas vão achar que você é uma prostituta'. Desmaiei por causa da dor. Levei dias para sarar. Seios são presentes de Deus." - Lisette, 34 anos.

Pedra.

Uma curandeira.

Tradução do inglês por Marina Schnoor.