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Jorge Quintela: O homem que está a gravar as memórias da CEC 2012

O realizador que tanto está no Tasco do Júlio a beber uns canecos, como aí pela cidade agarrado a câmaras e cabos.

Basta sentar na Praça da Oliveira, aguentar estoicamente o badalar dos sinos, de 15 em 15 minutos e, com sorte, apanhar um dia de gravações. Se correr mesmo muito bem, até apareces como figurante. Isto porque a programação de Cinema e Audiovisual da CEC 2012 achou por bem criar documentos cinematográficos que fiquem como memória futura. E achou muito bem. Toda a gente sabe que o cinema imortaliza. Basta pensar na Sharon Stone e no seu cruzar de pernas. Ou no De Niro a gritar para o espelho. Se com A Praia, o Danny Boyle conseguiu fazer com que o cenário onde foi gravado o filme fosse totalmente invadido por turistas sedentos de sol e praias paradisíacas, por que não fazemos o mesmo com Guimarães? O que é que Phi Phi Ley, na Tailândia, tem que Guimarães não tenha? Praias paradisíacas, ok. Mas nós temos muito mais. Parece que já estou a ver os turistas, em magote, sedentos de uma bela torta da cidade-berço ou de uma fotografia no varandim dourado do Toural, a dizer uns para os outros: “Teremos sempre Guimarães”. Jorge Quintela está acabadinho de ganhar o prémio de melhor curta no FEST 2012,  com o filme O Amor é a Solução para a Falta de Argumento. Tem tido alguns dos seus filmes em meio mundo, mas, este ano, uma parte do seu mundo tem sido Guimarães, a saltar de produção em produção. São às dezenas. Sim, porque a cidade tem servido de cenário para realizadores como Manoel de Oliveira, Erice, Kaurismaki, Canijo ou João Botelho, entre muitos outros. VICE: Tanto estás no Tasco do Júlio a beber uns canecos, como aí pela cidade agarrado a câmaras e cabos. Apesar de não viveres cá, tens passado cá muito tempo.
Jorge Quintela: Percebo o que me dizes, mas a minha relação com a cidade é anterior a 2012. Tenho cá muitos amigos e tenho uma relação muito familiar com Guimarães, há muitos anos. Não é de agora. Guimarães tem sido cenário de várias produções cinematográficas. Tu que tens trabalhado em algumas delas, com realizadores que são referências, como tem sido a experiência?
Tem sido óptima. É sempre um processo de aprendizagem, aonde acontecem muitas peripécias. Curiosamente, uma das que mais me marcou ocorreu nas gravações com o Manoel de Oliveira. Durante todo o tempo em que estive com ele, apercebi-me de que ele é um verdadeiro monumento, mais do que o Castelo ou o Paços dos Duques, cá em Guimarães. As pessoas estão sempre à volta dele a tentar fotografá-lo e duvido que muitas delas tenham visto algum dos seus filmes. Estando no meio cinematográfico, existe algum sítio melhor para se estar neste momento do que Guimarães?
Em Portugal, não. Tanto pelos nomes que por cá têm estado, como pela quantidade de produção que existe, incomum nesta área no nosso país.     E sobre Guimarães tens algum trabalho previsto?
Previsto não tenho nada. Mas, se tivesse de fazer algo neste momento sera muito complicado, porque me sinto demasiado contaminado e viciado pelas visões do pessoal com quem tenho trabalhado, que estão a trabalhar nas encomendas da CEC.
Convivo com tantas abordagens à cidade que acho que a própria localidade está saturada. Se fosse antes de tudo isto, seria muito mais fácil. Porém, sem dúvida, se qualquer dia fizer alguma coisa, abordarei a relação das pessoas com a cidade. Mais do que Guimarães em si. Essa relação é única. Nunca vi nada assim em mais lado nenhum. Acabas de ganhar o prémio de melhor curta portuguesa no FEST 2012 com O Amor é a Solução para a Falta de Argumento. É mesmo uma desculpa?
Não sei muito bem. Vais ter de perguntar ao Pedro Bastos. Foi ele que escreveu o argumento [risos]. Eu diria que não, visto que um filme é um conjunto de elementos e o argumento é um deles. És director de fotografia, mas também realizador e vais dando um pézinho como actor ou produtor. Em que papel estás mais confortável?
Sou, acima de tudo, director de fotografia. É o meu ganha-pão. Na realização, meto-me quando tem mesmo que ser, ou seja, quando me aparece um projecto que sinto que tenho que realizar. Por exemplo, On the Road to Femina, que é um documentário sobre o Paulo Furtado e o trabalho dele, que acabou por surgir quase de forma natural. Ou a última encomenda de Serralves, Contra- Campos, que fiz com o Tiago Afonso. Isto, apesar de ser encomenda, exige-me sempre um ponto de vista. Tudo o resto é colaborações que vou fazendo, porque me pedem, porque não há orçamentos: situações pontuais e de desenrasque que acorrem muitas vezes no cinema. Uma boa fotografia distrai de um mau filme?
A fotografia é uma parte do filme. É impossível ser uma boa fotografia se o filme é mau. Como a música, a direcção de arte, ou o som, a fotografia tem de servir o filme e estar de acordo com ele. Se assim não for, torna-se má e não funciona. Por vezes, um plano bem conseguido demais, quando se destaca demasiado, é mau. Sobrepõe-se ao filme e não é suposto a fotografia ter um protagonismo especial. No filme Estrada de Palha, um western à portuguesa do vimaranense Rodrigo Areias, o teu trabalho como director de fotografia é irrepreensível. Como é que se cria o ambiente desses, visto que a nossa tradição no género é escassa?
Trabalho com o Rodrigo há muitos anos e já nos conhecemos bem. Por isso, só tive de perceber o que ele queria para o filme e trabalhar nesse sentido. Creio que o resultado nasce também desta relação de confiança que temos. Eu percebo o que ele quer e ele confia no meu trabalho. Foi algo estudado, claro, mas também uma criação cheia de improvisações. E por falar em director de fotografia, é inevitável mencionar o Eduardo Serra, por ser um nome português de referência em Hollywood, que é a Meca do cinema… ou não?
Não é, de todo, a minha Meca. A minha é sobreviver do cinema, o que já é uma grande coisa. É uma Meca, isso sim, se pensarmos em termos de indústria produtiva, como mercado instalado. Respeito o trabalho do Eduardo Serra, mas se tiver que mencionar o trabalho de um profissional português é, sem dúvida, o do Acácio de Almeida. Por ser alguém que está inserido numa realidade que eu conheço, que é a do cinema português, onde existem muitas dificuldades. E, nesse sentido, ele é uma inspiração.