Alguns meses atrás, Mandalay, a segunda maior cidade de Mianmar, foi palco de um concurso de beleza beneficente em prol de pessoas com HIV. A arrecadação de fundos para pessoas que sofrem com uma das doenças mais mortais do mundo, que contou com a presença de líderes da comunidade LGBT, pode não parecer notícia. Entretanto, considerando que Mandalay foi a cidade birmanesa com a maior taxa de discriminação contra gays em 2013, esse foi um momento importante para a comunidade no ano passado.
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Esses eventos foram numerosos, mas um deles se destacou pelo que aconteceu na sequência. Na noite de 6 de julho, um grupo de 12 homens gays foi detido pela polícia local. De acordo com Win Min,* um garoto de 19 anos presente naquela noite, os homens foram presos pelo crime de “se vestir como mulher”. Depois de serem espancados e humilhados por horas, uma tentativa de “corrigir seu comportamento”, eles foram libertados sem acusações.Em vez de ficarem calados sobre o incidente, como a polícia “sugeriu” que eles fizessem, o grupo fez algo inédito na história de Mianmar: realizou uma entrevista coletiva para denunciar o abuso sofrido nas mãos das autoridades.Ataques como esse não são novidade em Mianmar, onde a homossexualidade ainda é ilegal. Uma lei foi aprovada pelas autoridades britânicas, ainda no período colonial, proibindo “atos sexuais não naturais” e, desde a independência em 1948, nenhum governo birmanês se mexeu para abolir isso.
“Harry”, vestida com um longyi masculino – a vestimenta tradicional birmanesa – num evento organizado pela comunidade LGBT de Mandalay. Desde de que era criança, Harry sempre “se sentiu ridícula” vestida como menina e “livre” quando vestia roupas masculinas.Nos últimos dois anos, Mianmar tem passado por um processo turbulento de transição política para a chamada “democracia disciplinada”. Os notórios generais autoritários, que comandaram o país com punho de ferro por quase cinco décadas, decidiram abdicar de um pouco de seu poder em 2011 e formar um governo quase totalmente civil. Essa mudança trouxe um relaxamento na censura da mídia, a libertação de centenas de prisioneiros políticos e a proliferação de organizações da sociedade civil, antes proibidas pela lei. As comunidades LGBT se tornaram organizações assim e, como resultado, Mianmar está presenciando a emergência de um movimento pequeno, porém próspero, pelos direitos dos gays.
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Infelizmente, a comunidade LGBT birmanesa tem mais com o que se preocupar do que somente com as autoridades. O país é predominantemente budista e a religião tem um papel importante na vida diária. A forte tradição budista, juntamente com décadas de isolamento social imposto pela ditadura militar, reforçaram as atitudes conservadoras em relação a temas como homossexualidade, o que representa um grande obstáculo na derrubada dos códigos legais ultrapassados.De acordo com Aung Myo, fundador do Equality Myanmar – a primeira organização birmanesa fundada para defender os direitos LGBT – muitos budistas desprezam as pessoas LGBT como “criaturas estranhas”, gente que está pagando por pecados cometidos em reencarnações anteriores. Por causa do estigma ao redor do grupo, muitos membros da comunidade passam a vida negociando suas próprias identidades num ambiente em que modelos e apoio são escassos. Numa sociedade que lentamente se abre para o mundo, essas pessoas lutam para achar seu lugar nessa nova Mianmar.O fotógrafo Vincenzo Floramo fez uma série de imagens durante sua estadia entre os membros da comunidade LGBT de Mandalay. Veja mais na galeria acima.