Entendendo o escândalo de corrupção que derrubou a presidente sul-coreana
Depois de um gigantesco escândalo, Park Geun-hye anunciou que renunciaria para ganhar tempo e não ver o desenrolar do processo de impeachment que deve ser movido contra ela.
A presidente sul-coreana Park Geun-hye faz uma reverência durante seu discurso para a nação. Ela anunciou na terça-feira que está preparada para renunciar. (Kyodo via AP Images)
Esta matéria foi originalmente publicada na VICE UK.Na última terça-feira (29), a presidente sul-coreana Park Geun-hye anunciou que estaria disposta a renunciar de seu cargo — a última nova de um escândalo de corrupção extraordinário que vem consumindo o país há semanas e causou tamanho ultraje que 1,5 milhão de sul-coreanos saíram às ruas de Seul no sábado (26).O escândalo se centra na confidente de Park, Choi Soon-sil, que foi indiciada por extorsão e abuso de poder. Outras figuras poderosas caíram por meio de renúncias, prisões e demissões, incluindo assessores presidenciais, o ministro das finanças, o presidente emérito de uma das maiores universidades da nação e um diretor de clipes de K-pop. E indicação de renúncia de Park não significa o final do drama, já que alguns políticos de oposição querem seguir com o processo de impeachment.
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"O que estamos vendo é um desmoronamento completo dos processos políticos", disse Se-Woong Koo, editor da Korea Exposé, uma revista online fundada em 2014. Ativista e acadêmico com PhD na Universidade de Stanford, Koo também oferece comentários e análises sobre a Coreia do Sul para o New York Times e a BBC Radio. Numa entrevista por telefone, ele comentou os postos-chave do escândalo, desmistificando a "política bizantina da Coreia" e explicando como a metástase da crise revela uma corrupção endêmica no coração da política e do sistema econômico nacional.O cerne do escândalo é que a presidente Park teria permitido que sua amiga Choi Soon-sil, uma companhia íntima dela há 40 anos que não tinha um título ou papel oficial, servisse como sua "presidente sombra". A acusação é que Choi — às vezes descrita como uma "dona de casa de meia idade de Gangnam" — tinha acesso, influência e poder de tomar decisões sem precedentes atrás de portas fechadas na Casa Azul, a residência presidencial coreana. Além de editar os discursos de Park, escolher suas roupas e tentar fazer com que grandes companhias doassem dinheiro para suas fundações, ela estaria envolvida em questões-chave como segurança nacional e indicações políticas."Ela tinha um dedo em muita coisa", disse Koo. "Seus amigos aparentemente estavam determinando quem recebia apoio do governo, como no caso de atletas, quem assinava contratos com o governo para projetos culturais e quem recebia sinal verde para representar a Coreia em eventos internacionais."
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As acusações estão sendo investigadas, e a presidente foi apontada como suspeita e cúmplice. (Park se recusou a cooperar com as investigações.) Choi Soon-sil, sob prisão preventiva desde 31 de outubro, é acusada de "extorquir" cerca de $70 milhões de poderosos conglomerados familiares coreanos (os chamados chaebol), como a Samsung, através de doações para as duas fundações que ela controlava.Mas Koo diz que "suborno" é uma caracterização mais precisa da transação. "Sabemos que a Samsung estava pagando Choi Soon-sil, que eles deram dinheiro para uma das empresas fantasmas de Choi na Alemanha como taxa de consultoria. O dinheiro então foi usado para pagar o treinamento de equitação da filha de Choi", ele disse. "A pergunta é: o que a Samsung queria em troca? Tudo isso aconteceu enquanto a Samsung estava embarcando numa fusão muito delicada e importante a que muitos acionistas se opunham. Se houve essa expectativa clara de esperar algo em troca, isso constitui suborno."As chaebol recebem subsídios do governo e muitas vezes mantêm canais por baixo dos panos com oficiais — por causa disso, segundo Koo, essas companhias "têm uma incrível dominância sobre a economia nacional".
Park, a primeira presidente mulher da Coreia do Sul, é filha de Park Chung-hee, um general que organizou um golpe em 1961 e comandou o país como presidente eleito de 1963 a 1979, quando foi assassinado. (Sua esposa foi morta por outro assassino em 1974.)"É impossível falar da Coreia sem falar do pai dela", disse Koo. "Muitos argumentam que suas políticas econômicas transformaram a Coreia do Sul numa potência econômica. Outros dizem que essas políticas são a razão de muitos problemas da Coreia hoje. Ele sentia que era necessário regular diferentes setores da indústria, e que um pequeno número de empresas deveriam liderar a economia nacional."
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Ainda assim os manifestantes não foram às ruas apenas por causa da corrupção. Koo aponta para uma falta de oportunidades econômicas — o que levou a uma alta taxa de desemprego entre os jovens no país, a terceira mais alta do mundo desenvolvido, e numa sensação de armação na economia."Essa é uma sociedade dividida", disse Koo. "Na Coreia há um ditado que diz que a pessoa pode ser uma colher de ouro, uma colher de prata ou uma colher de barro. Sua capacidade de ter sucesso depende inteiramente do seu nascimento: colheres de ouro estão no topo. Colheres de prata são medianas. E as colheres de barro são os zé-ninguém."
Os jovens competem pelos mesmos empregos seguros nos setores privado e público. "A diferença dos salários numa grande empresa e empresas pequenas ou médias é enorme", disse Koo. "Então o sentimento é que se você não vai conseguir um bom emprego, é melhor nem trabalhar."O resultado e uma estratificação profunda e uma desconfiança com as "elites". Segundo Koo: "Todas as colheres de barro estão contra a corrupção. Elas acham que é assim que as elites perpetuam seu poder e riqueza". Koo diz que o escândalo, além de se tornar um ponto focal de uma insatisfação maior com a maneira como o país é comandado, "mina ainda mais a credibilidade da presidente e do governo. É como assistir a uma novela. Eles fazem o que querem. Eles são corruptos. E acharam que iriam se safar dessa — e é por isso que as pessoas estão com tanta raiva agora".
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Na manhã de terça (29), a Assembleia Nacional coreana conseguiu apoio suficiente para o impeachment — de 30 a 40 legisladores do partido da presidente concordaram em se unir à oposição para votar pelo impeachment, talvez até na sexta-feira — mas o discurso em rede nacional anunciando a disposição dela em renunciar parece ter esfriado esses esforços.Para Koo, o discurso "muito bem trabalhado" de cinco minutos de Park serviu para duas coisas: "É um movimento estratégico, pensado para dar cobertura aos legisladores do partido da situação para que eles não precisem apoiar o impeachment. E também serviu para acalmar as pessoas que exigiam sua renúncia imediata. Agora os legisladores do partido no poder parecem estar recuando, dizendo 'bom, ela disse que vai renunciar mesmo'."A renúncia e o impeachment são vistos como "opções desonrosas" na Coreia do Sul, disse Koo, acrescentando que o discurso de Park parecia ser um pedido de uma terceira opção: "Ela está pedindo que os legisladores pensem numa maneira de ela se afastar de maneira honrosa — o que pode significar aprovar uma nova lei ou mudar a constituição"."Ela ganhou muito tempo aqui", continuou Koo. "Agora ela pode sentar e relaxar enquanto os debates se desenrolam na Assembleia. E as pessoas vão prestar mais atenção nos legisladores e esquecer um pouco dela."Há uma manifestação marcada para todos os sábados até que Park renuncie ou seja impichada, e os políticos estarão observando o comparecimento do próximo sábado para ter uma ideia do clima na nação. "No momento, tenho visto muito descontentamento nas redes sociais", me disse Koo. "Mas precisamos assistir a manifestação de sábado para ver quantas pessoas aparecem e realmente expressam esse descontentamento."Independentemente do que acontecer agora, se livrar apenas de Park não vai resolver os problemas profundos da Coreia. "A pergunta de como resolver toda a extensão da corrupção na Coreia do Sul não tem uma resposta fácil", disse Koo. "É uma questão cultural. É assim que as coisas são feitas há décadas. Você não pode chegar e dizer: 'Ei, você sabe que isso é errado'. As pessoas sabem que é errado, mas fazem mesmo assim."Shahirah Majumbar é uma escritora que vive em Chicago.Tradução: Marina Schnoor.Siga a VICE Brasil noFacebook,TwittereInstagram.