FYI.

This story is over 5 years old.

Música

Não Esqueça os Óculos Escuros

O ano de 1994 tem sido cheio de novidades na cena eletrônica e não estou falando do onipresente e irritante hit eurodance "The Rhythm of The Night".

por claudia assef

O ano de 1994 tem sido cheio de novidades na cena eletrônica e não estou falando do onipresente e irritante hit eurodance “The Rhythm of The Night”, do pseudogringo Corona (a cantora é uma brasileira), o hino dance esse ano. Em São Paulo, DJs como Mau Mau, Gil Barbara e Renato Lopes investem num som mais hipnótico e refinado, o techno, que saiu de Detroit para fazer a trilha sonora de casas noturnas como o Columbia, com seu recém-inaugurado—e já badalado—Hell’s Club, o primeiro after-hours da cidade que funciona no porão da antiga casa Velvet Underground. Agora ninguém mais precisa ir pra casa ou pra loja de conveniência esperar a “bola baixar” antes de ir dormir. O lugar só começa a funcionar depois que todas as casas estão prestes a fechar, e o som não pára até o meio-dia.  E o que pode haver de tão especial num porão enfumaçado? Muita música, é claro! “Tocamos vários estilos diferentes, mas tudo tem em comum o fato de ser bem melódico. Então acabamos chamando de techno vertentes da música eletrônica diversas, até um som mais progressivo”, ensina o guru do Hell’s, Mau Mau. Entre os sons que ele toca e adora estão CJ Bolland, Hardfloor e Laurent Garnier, que, na opinião dele, é o DJ do momento.  Pouco antes de o Hell’s abrir as portas, Mau Mau esteve pela primeira vez na Europa. Em Londres, conheceu a festa Ministry of Sound e a noite do Final Frontier. “Vi Dave Angel, Hardfloor e Christian Voguel ao vivo e pirei”, diz.

Gil Barbara, também DJ do Hell’s, explica o porquê do techno estar tão em evidência este ano: “A house está na lama, tem coisas muito ruins sendo feitas, um som farofa, comercial mesmo. Não tem comparação com o que está rolando no techno atual”, diz Gil. É só ligar o rádio pra constatar esse fenômeno…

Outro sinal de que a cena está se profissionalizando é a passagem cada vez mais intensa de gringos tocando por aqui. Ano passado, por exemplo, o Columbia investiu numa noite com três super tops: Sasha, Dave Seaman e Paul Daley!  A rave indoor L&M Music também fez a sua parte, trazendo o barulhento Moby, o DJ Mark Kamins (favorito da Madonna), e o grupo de hardcore Altern 8 a São Paulo, Porto Alegre e Curitiba. “A vinda de DJs gringos ao país é muito importante para o desenvolvimento da cena eletrônica local”, acredita o Mau Mau.  Aliás, rave é uma palavra que a gente tem ouvido cada vez mais. Na Copa deste ano, o DJ Dmitri resolveu fazer sua primeira rave indoor. A festa “A Tenda o Além” foi um sucesso, a galera dançou (literalmente até não poder mais) ao som de Mau Mau, Renato Lopes, Zé Gonzáles e do baterista Gigante Brasil. A festa ainda reuniu artistas de dança do ventre e acrobatas, num estilo eclético e libertário que bem poderia virar marca registrada das raves. A festa só acabou porque a polícia chegou pra acabar com a alegria do povo. A gente espera que essa pegação do pé dos tiras com a música eletrônica se encerre por aqui, tá? Animado com o que viu no período em que viveu na Europa, Dmitri deve voltar a fazer raves por aqui, nos moldes das que viu lá na gringa (que aliás vão muito além do meio-dia]. Com a natureza exuberante e o clima quente do nosso Brasilzão, não deverá causar espanto se ele enfim conseguir emplacar essa moda. Moda, aliás, estabelecida na Europa desde a virada dos anos 80, as raves (com sua vertente trance) chegaram ao Brasil pelas praias do Nordeste, mais especificamente a de Arraial D’Ajuda, trazidas pelo italiano Max Lafranconi e o inglês Simon Macara, ambos DJs. Mas nem só de house, trance e techno vive a cena eletrônica brasileira. Há um bom tempo, clubões da periferia de São Paulo ensinam legiões de dançarinos a abrir a cabeça para a música eletrônica. Quando começou a tocar na Toco, há dois anos, o DJ Marky Mark misturava um pouco de tudo nos sets: house, hardcore, techno e, como tocava na pista grande, às vezes tinha de jogar uma ou outra baba comercial. O DJ só pôde se concentrar nas experimentações com o jungle quando foi transferido para uma pista menor. Na pistinha, ele se enveredou pelo gênero que vem ganhando cada vez mais adeptos em clubes da Zona Leste, como a Overnight e a Sound Factory—quem quiser provar um pouco do som da Sound Factory, aliás, deve comprar as coletâneas The Essencial Trip 1 e 2, mixadas pelo DJ Julião (aka Juju Telefunken), que traz faixas de artistas desconhecidos, mas promissores, como Green Velvet, Prodigy e Funk D’Void.  E como nem todo mundo agüenta essa maratona de cara limpa, junto com essa sonzera eletrônica, importado da Inglaterra e da Alemanha, veio o ecstasy, ou só “e” (pronuncia-se “i”) para os íntimos, um combustível clubber que se popularizou na Europa no Verão do Amor, em 88, mas que só agora, em 94, começa a se espalhar por aqui. Todo sábado no Hell’s é a mesma coisa: tem o povo que chega cheirosinho de casa—a turma que vem cheia de energia, pra aproveitar o som do Mau Mau, dançar e tomar um “e” no lugar do café da manhã—e tem uma galera (diria que a maior parte) que vem de outros clubes ali mesmo dos Jardins (Cha Cha Cha, Ursa Maior, Massivo) ou da Zona Leste (tipo a Sound Factory) para dar uma esticada na ferveção. O povo que toma “e” normalmente não ingere bebidas alcoólicas, prefere ficar na água ou no Gatorade, e aproveita os picos de excitação que vêm quando a pastilha bate para dançar muito, de qualquer jeito, sem se importar com coreôs nem com quem está olhando. Quando o efeito começa a baixar, é normal ver quem tomou uma pastilha se “aninhando” com um amigo, dando ou recebendo massagens nos ombros ou simplesmente distribuindo abracinhos. A pessoa fica molinha, carinhosa e com a temperatura do corpo elevada. Fica, como dizem nos clubes, “derretendo”.  Com certeza, esse ano as vertentes de música eletrônica se ampliaram e a cena se oxigenou. Será que daqui a uns 15 anos esses DJs ainda estarão fazendo sucesso? Ainda é cedo pra dizer…