Mary Jane Veloso saiu das Filipinas cinco anos atrás, feliz com a oportunidade de ganhar um pouco mais como trabalhadora doméstica e poder cuidar melhor dos dois filhos. O que ela não esperava é que chegando na Indonésia, funcionários do aeroporto cortariam sua mala e encontrariam 2,2 quilos de heroína.Mary Jane estava entre as nove pessoas que seriam executadas pelo pelotão de fuzilamento na Indonésia na noite de 28 de abril, por acusações relacionadas a tráfico de drogas. Oito delas foram mortas, mas a execução de Mary Jane foi impedida por um lobby intensivo do governo das Filipinas e de grupos de direitos humanos, que defendem que ela deve testemunhar num julgamento contra sua suposta recrutadora, Maria Christina Sergio, nas Filipinas.O caso do corredor da morte iniciou críticas globais contra a guerra às drogas na Indonésia; a Austrália, que teve dois cidadãos executados, retirou seu embaixador do país horas depois das execuções.Mas em meio à tristeza e indignação, o caso de Mary Jane pode mostrar uma guinada vital em como a Indonésia investiga, processa e pune crimes relacionados a drogas – deixando de executar peixes pequenos e começando a usá-los como informantes.O conceito, claro, não é exatamente novo. É comum que promotores ofereçam clemência se o acusado testemunhar contra outro suposto criminoso. Mas essa não é uma estratégia usada amplamente na Indonésia. Singapura – outro país que aplica a pena capital para traficantes de drogas em alguns casos – só em 2012 acrescentou cláusulas de assistência substâncias como base para exceções à pena de morte.Mas a Indonésia continua preferindo aplicar a punição mais pesada para tráfico de drogas. O país retomou as execuções em 2013 depois de uma pausa de cinco anos, a maioria sob o presidente Joko Widodo, que ironicamente foi eleito ano passado defendendo os direitos humanos. (Sua campanha costumava ridicularizar o histórico obscuro de direitos humanos do oponente, Prabowo Subianto.) Na Indonésia, a pena de morte por crimes relacionados a drogas tem apoio popular. E mesmo que não ofereça uma solução de longo prazo para o problema das drogas no país, isso vale pontos políticos para o novo presidente, ansioso para parecer severo contra as drogas.Mas o caso de Mary Jane é diferente.Diferente dos outros oito indivíduos marcados para morrer no mesmo dia, o sofrimento dela atraiu apoio dentro da Indonésia. Isso, em grande parte, porque a Indonésia também manda muitos trabalhadores para o exterior – mais de 400 mil apenas em 2014 – e alguns deles também estão no corredor da morte em países como a Arábia Saudita.Os simpatizantes de Mary Jane foram às ruas em Jacarta e Cilacap, a cidade portuária próxima à prisão na ilha Nusa Kambangan. Manifestantes também se mobilizaram em embaixadas e consulados da Indonésia no mundo todo, de Manila e Hong Kong a Washington. A internet estava alvoroçada com a hastag #SaveMaryJaneVeloso, um dos tópicos mais mencionados no Twitter na noite da execução, e uma petição arrecadou mais de 240 mil assinaturas.Mas Mary Jane ainda não está salva: oficiais do governo insistem que sua execução foi apenas adiada.As Filipinas e grupos pelos direitos humanos argumentam que ela é uma vítima – não uma criminosa – explorada por aqueles que a recrutaram.Numa narrativa pessoal publicada no site Rappler.com, Mary Jane relembra como foi abordada por "Christine", a mulher que prometeu um emprego a ela. Na Malásia, onde Mary Jane trabalhou inicialmente, ela disse que Christine deu a ela uma mala para usar na viagem para a Indonésia."Quando estávamos na sala, segurei a mala e perguntei a Christine por que ela era um pouco pesada, mas ela disse que era porque a mala era nova", disse Mary Jane. "Olhei em todos os zíperes e bolsos da mala… tudo vazio, então não pensei nada negativo."A Bureau Filipina de Investigação afirma que isso a torna "vítima de tráfico humano". (Sob as leis filipinas, tráfico humano inclui recrutamento através de promessas enganosas para o propósito de exploração.)O caso dela destaca a falha mais grave da política de drogas da Indonésia: não levar em conta a exploração de pessoas vulneráveis para o tráfico.O Escritório para Drogas e Crimes da ONU relata casos onde vítimas de tráfico humano são usadas para transportar drogas entre fronteiras internacionais.Dificuldades econômicas nascidas da pobreza, além do uso de ameaça e coerção, tornam certas populações vulneráveis à exploração.Pesquisas mostram um aumento do recrutamento especialmente de mulas mulheres por organizações criminosas transnacionais, principalmente nas Filipinas, mas se estendendo pela região do Sudeste Asiático e indo até a África Ocidental.Os simpatizantes de Mary Jane dizem que o governo indonésio precisa parar de punir mensageiros e começar a usá-los como testemunhas para alcançar redes maiores do tráfico.Relacionado: Interessado na Indonésia? Assista nosso documentário sobre Warias:A Indonésia aceita um pouco a ideia, usando o termo "colaborador da justiça", que tem sido aplicada em alguns casos de corrupção. O termo foi mencionado pela primeira vez no artigo 10 da lei de 2006 sobre proteção de testemunhas e vítimas. Para um suspeito que também é uma testemunha no mesmo caso: "seu testemunho pode ser um objeto de deliberação pelo juiz em punição reduzida", diz a lei.No entanto, a Sociedade de Monitoramento Judicial da Universidade da Indonésia afirma em um estudo que a lei continua vaga, o que a torna difícil de aplicar. "Em sua aplicação, essa cláusula continua problemática porque o artigo 10, linha 2, tem muitas fraquezas e é entendido de maneira diferente pela sociedade e oficiais da lei", conclui o estudo."A Indonésia ainda não regulamentou isso em sua legislação. A proteção de testemunha e vítima tem uma regulamentação muito limitada", disse Anugerah Rizki Akbari, coautor do estudo.E membros da comunidade de direitos humanos continuam céticos de que o caso de Mary Jane possa causar uma reforma real na lei."A aplicação da lei na Indonésia ainda tende a punir os pobres, mas raramente pune a classe alta e média, como oficiais corruptos", disse Sringatin, da Rede de Trabalhadores Migrantes da Indonésia. "O jeito como o governo aplica a lei é muito discriminador, especialmente para mulheres migrantes pobres como Mary Jane."O presidente das Filipinas, Benigno Aquino, implorou terça-feira passada que Mary Jane fosse entregue como testemunha contra seus recrutadores."Podemos desmontar a quadrilha de drogas que está por trás da condenação dela", ele disse ao Philippine Star. "Ela representa uma oportunidade para descobrir todos os participantes e começar um processo para trazê-los à justiça."Enquanto o número de vítimas da guerra às drogas na Indonésia sobe, uma comunidade internacional indignada assiste como Widodo vai agir.Siga a Aria no Twitter.Tradução: Marina Schnoor
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