Edward Burtynsky mostra o iminente apocalipse ambiental em HD

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Edward Burtynsky mostra o iminente apocalipse ambiental em HD

Conversamos com um dos mais renomados fotógrafos canadenses sobre a queima de marfim no Quênia, incêndios florestais e como o 3D e o VR podem mudar a fotografia.

Todas as fotos por Edward Burtynsky, cortesia da Galeria Nicholas Metivier, Toronto.

Edward Burtynsky é um dos mais renomados fotógrafos canadenses contemporâneos. Pessoas de dentro e fora da indústria se maravilham com suas imagens, que mostram os impactos devastadores que os humanos deixaram na natureza. Seu trabalho é incrível e revoltante ao mesmo tempo. "Manufactured Landscapes", seu projeto documental sobre as consequências da industrialização na primeira metade dos anos 2000, foi um despertar para muitos: as marcas que deixamos no meio ambiente eram, são, colossais. Três anos atrás ele lançou "Watermark", que explora nossa relação com a água, relembrando sua importância para nós e toda a fauna e flora, e que não devemos considerá-la algo garantido.

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Agora ele está trabalhando no projeto "Anthropocene". Para mostrar como os humanos fizeram o planeta entrar em uma nova era geológica, ele abraçou novas tecnologias, de impressão 3D a realidade virtual. Enquanto ele contava sobre sua experiência filmando a maior queima de marfim do Quênia, de onde ele acabou de voltar, fui lembrado do papel dos narradores, jornalistas, fotógrafos, cineastas e artistas na conscientização e em provocar desconforto, para que não nos acostumemos com o status quo.

VICE: No final de abril, o presidente do Quênia incendiou 105 toneladas de marfim de elefante e mais de uma tonelada de chifres de rinoceronte apreendidos. O que te levou a registrar esse momento histórico?
Edward Burtynsky: Estou trabalhando num projeto multimídia que envolve um documentário, um livro e uma exposição, que além das imagens impressas exibidas nas paredes vai oferecer experiências com realidade virtual e 3D. Isso explora a ideia do "Antropoceno". A humanidade passou os últimos 11 mil anos num período estável chamado Holoceno. Mas os geólogos dizem que devemos pensar no presente como um tempo de mudança de estado para o planeta. Estamos entrando no "Atropoceno". O projeto tenta definir quais são as características desse evento, o que estamos fazendo para avançar esse período, e como esse evento está se revelando dos sedimentos até a atmosfera. Uma maneira de ver isso é observando a extinção. A última vez que o planeta teve uma extinção tão grande foi mais de 60 milhões de anos atrás, quando os dinossauros desapareceram. Um meteoro atingiu a terra e criou uma década de escuridão. Agora, em vez do impacto de um meteoro, a extinção está acontecendo por causa dos humanos. Os elefantes, por exemplo, estão sumindo numa taxa de aproximadamente 12% ao ano porque são caçados por suas presas. E é por isso que o Quênia queimou esse marfim, para tirar o produto do mercado.

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Ainda assim, muitos críticos disseram que destruir as presas apreendidas não vai realmente acabar com a caça de elefantes.
Não acho que vai; mas traz uma conscientização. Fazendo as pessoas perceberem que isso é um problema terrível acontecendo agora, você pode levar essa história para os compradores de marfim, para as pessoas que têm controle sobre as fronteiras e impedir o fluxo do produto. Você precisa chamar atenção para o problema ou nada vai mudar mesmo. É uma medida desesperada em tempos desesperados. Todo mundo que estava presente ali esperava nunca mais ter que fazer isso.

As autoridades estimam que cerca de 12 mil presas foram queimadas, ou seja, 6 mil elefantes. Considerando que por volta de 25 mil elefantes são mortos anualmente, isso representa apenas um quarto da destruição humana. Então as pessoas ali estavam entristecidas porque os humanos não conseguem deixar essas criaturas magníficas em paz porque elas valem muito dinheiro. As pilhas de marfim queimadas foram avaliadas em 150 milhões de dólares.

E como foi esse momento?
Foi muito tenso. Estava chuviscando naquela manhã e no dia anterior. Começamos a fotografar algo que seria memorável, mas naquela manhã, ainda não tínhamos recebido permissão para usar o drone que compramos, equipado com uma câmera 5K EPIC. Os drones são ilegais no Quênia. Como o presidente estaria presente, não tinha como disfarçar e sair filmando com o drone. Só conseguímos permissão uma hora depois que o presidente Uhuru Kenyatta deixou o local. Tínhamos uma hora e meia antes do pôr do sol. Levamos 40 minutos para colocá-lo no ar e fizemos três voos de sucesso enquanto ainda havia fogo.

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Por que levar novas tecnologias de captura para cobrir um evento como a queima do marfim?
Graças às câmeras de alta resolução, pudemos fotografar ao redor das pilhas e capturar mais de 2 mil imagens. Aí usamos um software para juntar tudo isso e renderizar cada presa, incluindo o texto que a identificava, a textura e a cor. O resultado pode ser impresso em um objeto 3D, experimentado online ou em realidade virtual. Em algum ponto, você vai poder ver as pilhas em chamas em escala real e andar entre elas.

Vejo isso como uma extensão de capturar e experienciar o mundo através do processo fotográfico. Por muito tempo, tivemos o X e o Y, as duas dimensões; mas agora podemos acrescentar a terceira dimensão, o Z. Chamo isso de "Fotografia 3.0". Gosto de explorar novas ferramentas e trazê-las para outros artistas. Fiz isso 30 anos atrás com impressão colorida na Toronto Image Works. Agora estamos trazendo artistas para cá [o Think2Thing, seu estúdio] para usarem essas novas ferramentas e começarem a pensar diferente, a fazer coisas que eram impossíveis até ontem.

Foto por Jim Panou / Edward Burtynsky Studio.

Na sua carreira, você vem documentando o impacto devastador que os humanos têm tido no meio ambiente. Que mudanças você notou no nosso relacionamento com a natureza durante esse período?
Meu interesse é na escala e na velocidade em que os humanos afetam o mundo natural. Seja na vida marinha, alagados ou florestas, estamos envolvidos na transformação de muitas paisagens. Todas as criaturas vivas vão para a natureza para encontrar a fonte do que precisam para sobreviver. O que tenho observado nos meus projetos nos últimos 35, 40 anos foi a velocidade e a escala da mudança trazida pela tecnologia, que nos permitiu ir de 2,5 bilhões de humanos quando nasci para 7,5 bilhões agora. Essa aceleração tem um forte impacto no ambiente: oceanos estão ficando sem peixes, se tornando mais quentes e ácidos; os corais estão quase perdidos; as florestas estão sob pressão constante. Criamos áreas devastadas onde antes era uma paisagem natural exuberante. É assustador pensar em quais seriam as soluções. Ter visto essas terras devastadas me deu um senso de urgência. O tempo de discutir acabou, é hora de agir. A queimada das presas, quer as pessoas concordem ou não, é algo que chama a atenção mundial e diz: "temos que fazer algo agora, não amanhã".

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Que impacto os canadenses têm no meio ambiente?
Como canadenses, somos responsáveis por uma das florestas mais importantes do mundo, a floresta boreal. Biólogos e cientistas gostam de dizer que esse é o segundo pulmão do mundo, o primeiro sendo a Amazônia. Nossas florestas estão em risco por causa do aquecimento global, da epidemia de besouro-do-pinheiro, secas e assim por diante. Também temos os Grandes Lagos, que representam 22% da água doce disponível no mundo. Acrescente isso aos dois milhões de lagos ao norte do paralelo 49 e temos 32% da água doce conhecida no mundo. Em comparação, a China, com 1,5 bilhão de pessoas, tem apenas 8%. Somos os guardiões de uma propriedade incrível e importante. Portanto temos uma grande responsabilidade.

Me sinto encorajado pelo governo atual porque essa discussão foi colocada na mesa, e eles estão montando um plano de ação. Ainda temos coisas a resolver: como lidar com as areias betuminosas, as emissões adicionais de CO2 que resultam desse tipo de extração e como podemos nos tornar um exemplo para o mundo. A principal coisa que o mundo ocidental precisa fazer é evitar o aumento do número de usinas de carvão na Índia, Indonésia, África e China. Se as usinas de carvão atualmente planejadas forem realmente construídas, acho que é game over. Então precisamos pensar em como pular a energia vinda do carvão.

Podemos dizer que os incêndios florestais acontecendo em Fort McMurray lembraram os canadenses do impacto de seu comportamento?
Estamos vendo esses eventos enormes acontecendo agora: a perda dos recifes de coral, o Furacão Katrina os incêndios florestais em Fort McMurray — tudo isso pode ser atribuído à queima de combustível fóssil, à redução das copas das florestas ou do plâncton nos oceanos, e assim por diante. Estamos perdendo nossos mecanismos naturais de defesa contra o CO2 e acrescentando mais dele ao sistema. Todos os problemas vieram diretamente das nossas mãos.

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Foto por Jim Panou / Edward Burtynsky Studio.

Nesse contexto, que impacto narradores visuais como você esperam causar?
Como fotógrafos, capturamos esses mundos com que a maioria não se envolve mais, como as terras devastadas, as minas, as áreas de exploração madeireira e de pesca. Não há mais razões para irmos até esses lugares. Vamos ao shopping. Mostrar esses lugares em filmes ou fotos nos permite reconhecer que há outro mundo experimentando mudanças. Enquanto nossas cidades crescem, outras áreas diminuem. Há um yin e um yang. Acredito no poder das imagens para conscientizar o mundo do que acontece ao nosso redor e que não temos oportunidade de ver por nós mesmos.

O que o 3D acrescenta a essa discussão?
O 3D está permitindo que artistas tenham acesso a ferramentas para criar outras maneiras de narrar histórias. Artistas são uma consciência. Eles geralmente são os pesquisadores do laboratório desenvolvimento da experiência humana, entendendo para onde nós, nossas psiques e nossos desejos estão indo. Os artistas estão sempre na vanguarda da expansão da consciência humana. O 3D, seja num computador ou em RV, ou como objeto físico, terá impactos profundos no futuro. Estou interessado em colocar isso na mão de criadores para construir mundos melhores.

Por exemplo, estamos tentando replicar o casco de uma espécie de tartaruga que está sendo ameaçada por corvos de maneira não natural. Com ajuda de cientistas, esperamos criar uma cópia realista do casco, que assim que for bicada vai liberar um cheiro ou uma resposta que impede o corvo de tentar de novo. Estamos interferindo na natureza para criar um movimento que ajude essas tartarugas a sobreviver. Para ter sucesso, isso precisa ser o mais realista possível.

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Você também está trabalhando com realidade virtual, por que investir em duas tecnologias novas ao mesmo tempo?
Elas se encaixam naturalmente. Se estou trabalhando em capturar algo em toda a sua cor em três dimensões, para imprimir depois, então isso já existe num arquivo de computador e poder ser facilmente experimentado num headset de realidade virtual. Quando você entra na terceira dimensão, todas essas ferramentas começam a fazer sentido. São apenas extensões de como experimentamos o mundo.

Muita gente acredita que a RV cria mais empatia; você compartilha essa visão?
Ela cria mais empatia no usuário se usada corretamente. No momento, a realidade virtual ainda é um instrumento tosco. As pessoas não a usam em todo seu potencial. Fico realmente curioso em como alguém conduz uma pessoa por uma experiência em 360º e realmente guia a visão dela, mantendo a atenção no lugar certo. Quando a RV é bem feita, você consegue sentir como se realmente estivesse em outro espaço experimentando aquele momento, o que é um tanto bizarro.

Te ouvindo falar assim, parece que te chamar de fotógrafo é redutivo. Ou ser fotógrafo é mais do que tirar fotos?
Nunca fui só um fotógrafo porque minha curiosidade é profunda. Agora estou trabalhando em equipe. Sou mais um diretor, seja comandando meus negócios, fazendo filmes ou fotografando. Estou usando equipes para alcançar o que quero. Eu não poderia fazer isso sem essas pessoas incríveis ao meu redor.

Qual foram os momentos mais memoráveis da sua carreira?
Um dos primeiros lugares que me chocaram completamente: os naufrágios em Bangladesh nos anos 2000. Foi como ser Dickens e voltar para o começo da revolução industrial, em que as condições eram tão precárias que as pessoas estavam morrendo. Era difícil acreditar que isso está acontecendo hoje. Por volta da mesma época, fui para a Índia. Sendo do Canadá, eu nunca tinha visto tanta pobreza, pessoas nascendo e morrendo nas ruas, o ciclo da vida inteiro na sua frente. Foi um despertar no entendimento da escala da humanidade e seus impactos.

Como essas experiências moldaram a maneira como você vive?
Tento viver o mais sustentavelmente possível. Tenho uma propriedade mais ao norte onde plantei mais de 2 mil árvores. Quando viajo, tento compensar isso da melhor maneira. Tive um carro híbrido por anos e só o usava quando absolutamente necessário. Prefiro a bicicleta. Tento comer de maneira consciente. E no meu trabalho, sempre defendo um mundo mais sustentável.

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Tradução: Marina Schnoor

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