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Louvor ao Pôquer Virtual

Esqueça os tornados, terremotos, revoluções, guerras civis e catástrofes nucleares que vêm destruindo a Terra. Para os jogadores de carta dos Estados Unidos, o maior desastre de 2011 aconteceu no dia 15 de abril, data em que o pôquer online morreu.

Esqueça os tornados, terremotos, revoluções, guerras civis e catástrofes nucleares que vêm destruindo a Terra. Para os jogadores de carta dos Estados Unidos, o maior desastre de 2011 aconteceu no dia 15 de abril, data em que o pôquer online morreu. O FBI prendeu os cabeças dos três maiores sites de pôquer numa enxurrada de processos que envolviam fraude e lavagem de dinheiro. Os domínios foram tomados e os jogadores dos EUA banidos. Há toda uma discussão [em inglês] no TwoPlusTwo, um fórum conhecido sobre o tema, na qual você pode ver o desdobramento da crise em tempo real. No começo as pessoas não acreditaram, depois ficaram confusas, depois bravas até que, aos poucos, perceberam que a era do dinheiro fácil acabou.

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A história do 'boom' do pôquer já foi contada várias vezes, e uma das versões diz o seguinte: em 2003, a ESPN televisionou a World Series of Poker, evento pouco conhecido fora do mundo da jogatina, e milhões de pessoas assistiram Chris Moneymaker -- um amador que cometeu alguns erros cretinos mas teve atrás de sorte -- vencer o torneio e levar US$ 2,5 milhões. Um monte de gente viu o Moneymaker e pensou "Ei, eu posso fazer isso!", aí os então legais sites de pôquer foram tomados por novos membros, sendo que a maioria deles mal sabia entender os símbolos em suas cartas eletrônicas. Como resultado, de repente se tornou possível -- até fácil -- para alguém, detentor de noções básicas de matemática e experiência mínima de carteado, se tornar um jogador profissional ou semi. Enquanto a vasta maioria dos novos jogadores era formada por perdedores no sentido mais literal da palavra (seus dias de vitória nunca superavam os de derrota), havia um substancial número de pessoas -- em sua maioria homens jovens -- que descobriram que se sentar em casa na frente de uma tela monitorando de nove a doze mesas ao mesmo tempo por várias horas do dia pagava melhor, além de ser mais recompensador, que qualquer outro emprego que pudessem conseguir.

Conheci muitos desses caras: meio nerds, 20 e poucos anos, geralmente universitários espertos, bons com números e focados o bastante pra prestar bastante atenção em detalhes por longos períodos de tempo: qualidades que provavelmente teriam os levado a uma boa carreira nos dias pré-recessão. Mas do jeito que o mercado de trabalho andava, eles decidiram, sabiamente, que havia mais dinheiro no pôquer. Nele você organizava seu próprio horário, trabalhava de onde bem entendesse e rolava uma emoção de tomar dinheiro de idiotas que não têm metade da sagacidade que você tem. Mesmo depois de o pôquer virtual se tornar tecnicamente ilegal em 2006 -- tanto quanto baixar música é ilegal -- e jogadores casuais começarem a cair fora, ainda tinha dinheiro a ser ganho. Era como uma corrida nerd do ouro.

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Bom, a corrida do ouro agora acabou. Imagino que os jogadores que se tornaram relativamente famosos e ganharam milhões de dólares no jogo não tenham ficaram tão magoados com a repressão do FBI. Se você é bem sucedido e dedicado o bastante ao jogo, sempre existe a opção de se mudar para a Europa, onde o pôquer online ainda é completamente legal. Mas os medianos, que ganhavam mas nunca chegaram a estourar ou serem patrocinados, têm poucas hipóteses.

Um dos meus amigos jogou pôquer profissionalmente desde que se formou na faculdade, em 2009. Ele pagou o aluguel de um apartamento de Nova York com seus prêmios (só tinha que explicar sua ocupação com calma para o proprietário), mas agora está tostando suas economias sem trabalho, sem direito a um fundo de garantia e quase nada pra por no currículo. "Não tenho nada rolando pra mim", me disse no bar outra noite. "Realmente vou ter que pensar na vida." Ele provavelmente vai ter que arrumar um trabalho alguma hora, mas a "ideia de um emprego só pra sobreviver me faz querer morrer".

Alguns jogadores estão migrando para sites menores, de menos reputação, que provavelmente serão fechados ou encerrarão suas atividades para os americanos nos próximos meses. Outros estão tentando sobreviver jogando ao vivo em cassinos, o que é mais difícil e requer habilidades diferentes. O resto simplesmente abandonou: um chegado que estava galgando seu caminho para o topo atualmente empilha caixas por um salário mínimo. Se eu ainda estivesse dependendo do pôquer como fonte de renda principal -- como fiz por alguns meses depois da universidade --, honestamente não teria ideia do que fazer. Jovens profissionais chegaram a pensar que tinham seu "ganha pão" mais ou menos garantido, e agora não têm mais.

Faz pouco tempo recebi um longo email de um amigo que foi sortudo o bastante pra ganhar no World Championship of Online Poker, e agora não corre mais o risco de viver na sarjeta. Chamou o fechamento de "fascista" e depois descreveu como o pôquer online salvou sua vida.

Ele estudou numa das escolas da Ivy League antes de sofrer uma crise nervosa e ser trancafiado numa hospício por algum tempo. Voltou para casa, na Costa Leste, pra viver com os pais. Lá ele jogou pôquer enquanto muito desestabilizado pra encontrar um emprego de verdade. Ganhou um grande torneio, faturou em alguns outros e encontrou o caminho rumo à sanidade mental através da matemática da jogatina. "Foi a terapia mais eficiente para uma alma doente e desesperada", disse. "Terapia a qual eu estava muito feliz em chamar de carreira por mais de um ano."

"Pôquer online é uma sobrevivência incrível porque você não precisa da ajuda de ninguém. Aprende a ser autoconfiante. A independência é emocionante, depende só de você traçar o caminho. Na minha vida e no meu trabalho havia uma conexão concreta entre esforço e recompensa, e essa é a coisa mais preciosa que o governo tirou de nós quando nos privou dos nossos meios de subsistência."

TEXTO POR HARRY CHEADLE VICE US
TRADUÇÃO POR EQUIPE VICE BR