A tua pornografia vigia-te
Imagem principal: ilustração por Stephen Maurice Graham

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Sexo

A tua pornografia vigia-te

Os consumidores de porno online são constantemente monitorizados a uma escala global.

Este artigo foi originalmente publicado na nossa plataforma Motherboard.

Segundo o Wall Street Journal, 40 milhões de norte-americanos vêem pornografia online com frequência. Estes números são superiores aos das pessoas que estão dispostas a admitir que vêem, mesmo que lhes seja perguntado em entrevistas anónimas. Em 2013, apenas 12 por cento dos entrevistados neste género de inquéritos admita assistir a pornografia online.

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Actualmente, graças às omnipresentes técnicas de monitorização e às pegadas deixadas pelos navegadores, nenhum destes desavergonhados consegue esconder os seus hábitos secretos. Os consumidores de pornografia do Mundo inteiro são constantemente monitorizados e, se o engenheiro de software, Brett Thomas, tiver razão, perece que é bastante fácil identificá-los e publicar uma lista de todos os vídeos a que assistem.

Thomas, residente em São Francisco, teve um dia uma conversa casual num bar com um trabalhador da indústria porno gráfica e, como é natural, falaram de economia. Embora o tal trabalhador tenha insistido em que recolher e vender os dados pessoais dos utilizadores de sites eróticos não faz parte do modelo de negócio da indústria, T homas não ficou convencido. "Se nos tempos que vivemos vires pornografia na Internet (mesmo que uses um navegador anónimo), deves ter em consideração que é possível tornar o teu historial público e ligá-lo ao teu nome", explica Thomas, depois do último post publicado no seu blog.

"Quase todas as páginas tradicionais que visitamos guardam dados com os quais se pode estabelecer uma relação entre a tua conta de utilizador e as pegadas do teu navegador, seja directamente, ou através de terceiros".

A explicação do engenheiro é a seguinte: o teu navegador (Chrome, Safari, seja qual for) tem uma configuração única. Quando navegas pela rede envia todo o tipo de informação, que pode ser usada para te identificar. Basicamente, estás a deixar "impressões digitais" nas páginas que visitas. E depois é só relacionar umas impressões com as outras. Um perito pode identificar as mesmas impressões, quer seja no Facebook, na página do New York Times, no Pornhub, ou no Xvideos.

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Thomas assegura que "quase todas as páginas tradicionais que visitamos guardam dados com os quais se pode estabelecer uma relação entre a tua conta de utilizador e as pegadas do teu navegador, seja directamente, ou através de terceiros". Ele está convencido de que "quase todos os sites que visitamos enviam os nossos dados a outras empresas. Provavelmente sem que o saibamos. Muitas, por exemplo, usam o Google Analytics. Outras têm instalados botões para "partilhar" em redes sociais e redes de publicidade de terceiros".

Por isso, por muito que navegues em modo anónimo, quando clicas em "Fetiche de couro #3" no XNXX, não estás a aceder unicamente ao site pornográfico, mas também a terceiros, como o Google, a companhia de monitorização online AddThis, ou a Pornvertising. Além disso, estás a enviar outros dados, como o teu endereço IP, que pode ser usado para identificar o teu computador.

"Se acreditas que ao apagares o teu histórico de navegação estás a apagar todas as pegadas dos vídeos que viste, estás enganado".

Se a tudo isto somarmos a actividade dos hackers, significa que, a qualquer momento, os teus hábitos de consumo de pornografia podem tornar-se públicos. Thomas acredita que não só é possível, como bastante provável, que algum hacker acabe por compilar uma base de dados, dedicada a partilhar na rede o nosso historial de visitas a sites porno.

Obviamente, isto pode ter graves consequências. Se acreditas que ao apagares o teu histórico de navegação estás a apagar todas as pegadas dos vídeos que viste, estás enganado. Em certos países, tornar público que fulano ou beltrano assistiu a pornografia gay pode pô-lo em maus lençóis. O Pornhub foi o único site que aceitou falar sobre o assunto. Num comunicado público classificou as conclusões de Thomas como sendo "falsas e altamente enganosas".

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Numa extensa nota de refutação, o Pornhub mencionava a imensa capacidade de armazenamento que seria necessária para memorizar o historial dos seus utilizadores. Recebendo 300 milhões de visitas por dia, calculam que para armazenar toda essa informação precisariam de 3.600 terabytes. Isto sem falar do quão difícil seria manipular estes dados. "Os registos dos servidores do Pornhub guardam o IP do utilizador durante um tempo limitado e nunca a sua impressão digital", disse-me, por escrito, um porta-voz da empresa digital.

Ainda assim, o certo é que todos os investigadores e peritos em segurança online com quem falei estavam de acordo em como os hábitos de consumo de pornografia não são, nem de perto nem de longe, tão privados como pensamos, embora não partilhassem completamente a teoria de Thomas.

"Parece-me uma preocupação legítima", disse-me Justin Brookman, perito em privacidade do Centro para a Democracia e Tecnologia. "A navegação em modo anónimo não inibe os mecanismos de seguimento". Por outras palavras, navegar em modo anónimo e apagar o histórico não impede as companhias de pornografia de saberem o que andas a fazer.

"Todas estas páginas têm elementos de seguimento instalados, que enviam dados a outras empresas, entre elas o Google ou o Tumblr, assim como outras especializadas na indústria pornográfica, como os serviços de publicidade Pornvertising e DoublePimp".

Para entender melhor como se vigiam os utilizadores dos sites pornográficos usei o Ghostery, uma aplicação de privacidade que identifica e bloqueia as ferramentas de seguimento instaladas nas páginas e com ela analisei os cinco portais de pornografia mais visitados: XVídeos, XHamster, Porhub, XXNX e Redtube. XVídeos ocupa o 43º lugar na geral do número de visitas em todo o Mundo. Para que entendam melhor, o Gmail ocupa o número 66 e o Netflix a posição 53.

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A Ghostery demonstrou que todas estas páginas têm elementos de seguimento instalados, que enviam dados a outras empresas, entre elas o Google ou o Tumblr, assim como outras especializadas na indústria pornográfica, como os serviços de publicidade Pornvertising e DoublePimp. A acrescentar a isto, a maioria das principais páginas de pornografia especificavam na própria URL o conteúdo dos vídeos. "A URL é um dos elementos básicos de informação de todas as solicitações HTTP", explicou-me o perito em privacidade Tim Libert".

As empresas que vigiam os códigos destas páginas (isto é: Google e Tumblr), conseguem facilmente esta informação. As sequências numéricas (por exemplo 'id=123') não dão informação sobre as preferências sexuais do utilizador, mas as páginas URL descritivas revelam exactamente o que cada um vê e, por isso, deixa de ser segredo".

Outro aspecto importante é que a navegação anónima não faz virtualmente nada para impedir o seguimento. Não faço a menor ideia do que fazem com esta informação. No entanto, esta fica guardada nalgum sítio. "Não é nada que deva surpreender-nos. É sabido que, na Internet de hoje, todos os nossos passos são monitorizados. Quem constrói os sites depende destas ferramentas de terceiros para aumentar a funcionalidade e a capacidade de partilha das suas páginas.

Um estudo recente revelou que 91 por cento dos sites do sector da saúde, que supostamente seriam os mais privados e seguros da rede, enviam os dados de busca dos seus utilizadores a outras empresas. Claro que os sites pornográficos também o fazem. Libert verificou que 88 por cento das 500 páginas pornográficas mais conhecidas tinham elementos de terceiros. Pode ser que estas páginas não tenham qualquer interesse em armazenar nem processar os teus dados.

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A política de privacidade do XVídeos assegura que "o XVídeos não guarda os endereços de IP, ou a actividade dos seus utilizadores não registados". Ainda assim, continuam a enviar essa informação, juntamente com URL's escandalosamente explícitas, a terceiros. Não é possível saber o que fazem esses terceiros – Google, AddThis, ou Pornvertising – com esses dados. Quando questionei a AddThis sobre este tema disseram-me que "não processamos ou identificamos qualquer informação pessoal das páginas que utilizam as ferramentas da nossa empresa" e que as suas condições de serviço "proíbem o uso das suas ferramentas em páginas com conteúdo de adultos".

"As empresas de pornografia usam software gratuito e ferramentas de seguimento às quais expões os teus dados de utilizador".

No entanto a Ghostery tinha demonstrado que o AddThis está instalado em algumas das principais páginas pornográficas. "De um ponto de vista técnico, é extremamente difícil impedir a 100 por cento este seguimento", disse-me Brookman. Ao fim e ao cabo, estamos vinculados a um endereço IP que pode identificar-se através dos registos ISP. "Acho que é assim que os governos encontram aqueles que consomem e distribuem pornografia infantil", acrescentou Brookman. Também é provável que a NSA tenha espiado os gostos pornográficos dos homens muçulmanos desta maneira. Esta agência governamental elaborou um plano, um pouco maquiavélico, para ridicularizar possíveis "terroristas" tornando públicas as suas preferências de pornografia e, assim, arruinar a sua credibilidade como fiéis seguidores do Islão.

Porém, nem todos estão convencidos de que este cenário tão funesto se converta em realidade. Cooper Quintin, perito em tecnologia da Electronic Frontier Foundation, crê que Thomas confunde "o armazenamento de dados" que realizam seguimentos dos nossos dados de navegação, com a ameaça de que publiquem informações sobre os internautas que são membros assinantes de páginas pornográficas. Ambas as situações podem, certamente, verificar-se.

No entanto, acredita que a possibilidade de alguém tornar públicos os teus dados sobre o consumo de pornografia é alarmista. "É muito mais provável que ataquem uma empresa pornográfica e roubem informações referentes a cartões de crédito. Neste caso, estou convencido que os ladrões prefeririam vender as informações dos cartões", opina Quintin. "Torna-se mais preocupante que usem o teu IP para relacionar dados sobre os sites pornográficos que visitas com perfis de tráfego que já tenhas, mesmo que navegues em modo incógnito".

As empresas de pornografia usam software gratuito e ferramentas de seguimento às quais expões os teus dados de utilizador. "Acho que, por lei, deveriam estabelecer-se requisitos mais estritos de segurança, para evitar que se filtre informação que possa servir a terceiros, para relacionar dados, que, de outra forma, não poderiam ser identificados", salienta Brookman. Esta situação não preocupa Thomas, embora seja verdade que um hacker poderia utilizar os teus hábitos pornográficos para te prejudicar. No entanto, ele pensa que a nova realidade imposta pela Internet supõe a morte do anonimato. "O anonimato é, por definição, incompatível com o Javascript e a web aberta", considera. E conclui: "Se as preferências pornográficas do mundo inteiro fossem tornadas públicas, as minhas deixariam de envergonhar-me".