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Doclisboa: Apocalypse América, Apocalypse Cascais

Dai-nos música, senhor.

Apocalypse: a Bill Callahan Tour Filme

Genesis Encore Cascais 75

. São esses os títulos dos dois documentários vistos no sexto dia de Doclisboa e a importância dos dois obriga-me a ir directo ao assunto.

APOCALYPSE: A BILL CALLAHAN TOUR FILM

Não há nada que una mais os americanos do que a ameaça de um apocalipse. Já vimos tal realidade muitas vezes reproduzida na cultura: quando um meteorito está em rota de colisão com a Terra, as pessoas esquecem as diferenças e colaboram na defesa dessa causa maior que são os Estados Unidos. Quase sempre camuflado pelo labirinto de si mesmo, Bill Callahan não será certamente um dos

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songwriters

americanos mais reconhecidos pelo seu patriotismo. Mas foi ele que garantiu que só voltaria a recuperar o pseudónimo Smog se o presidente Obama lhe pedisse expressamente tal coisa. A verdade é que à medida que fica mais velho, Bill Callahan parece também ficar mais americano.

Quebrando um jejum de eloquência, que até aqui lhe era caraterístico, o Callahan de

Apocalypse

invoca uma armada de figurões ianques (Kristofferson e Cash são referidos em “America!”) e sentimentos típicos do país (o viajar pelo viajar, em “Riding for the Feeling”), como se algo de muito importante dependesse dessa chamada. Podemos apenas conspirar sobre o que terá levado

Apocalypse

a merecer tal título, mas as pistas são muitas e cada vez mais próximas da noção de que Bill Callahan decidiu fortificar-se (tal como as pessoas perante o meteorito) reunindo todos os seus múltiplos num só.

Constantemente metida em apuros, a América provavelmente precisava deste Super-Bill Callahan e ele próprio terá entendido que a melhor maneira de servir o país era simplificando o seu discurso. Talvez por isso,

Apocalypse

é, até à data, o disco de Callahan aparentemente mais capaz de chegar às rádios norte-americanas pela via do seu

country-rock

feito para meter a chave na ignição e as mãos ao trabalho. A América adora esse

feeling

como gosta da Coca-Cola.

O Callahan complexo e disforme deu portanto lugar a um homem renovado, mais lúcido e absolutamente comprometido com as suas canções. É este último que surge ao longo dos 61 minutos de

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Apocalypse: a Bill Callahan Tour Film,

o documentário de Hanly Banks

,

que não só serve de complemento ao disco, como também refresca as perspectivas sobre o mesmo. Durante os pedaços de entrevista, que surgem intercalados com as performances em território americano, Bill Callahan fala sobre a sua música com uma transparência que não tem nada a ver com a figura esquiva de há uns anos atrás. Fala do concerto como a circunstância que melhor demonstra o seu expoente máximo. Fala da América e de como conhecê-la oferece uma visão mais consensual sobre as coisas. Quando termina “Say Valley Maker”, a única canção extra-

Apocalyps

e incluída no documentário (mas que faz todo o sentido), ressoam aqueles aqueles últimos versos da natureza a renascer e ficam resolvidas todas as dúvidas: Bill Callahan não vai desistir assim tão facilmente perante a adversidade. Depois do apocalipse, já não há nada a temer.

GENESIS ENCORE CASCAIS 75

Incapazes de desistir estavam também aqueles que foram ao mítico concerto de Genesis, nos dias 6 e 7 de Março, de 1975, quando Portugal ainda se estava a habituar à sensação de liberdade e a tudo o que isso trazia de novo.

Genesis Encore Cascais 75

é um documentário sobre a lembrança colectiva desse evento, que aos olhos do público português parecia quase um primeiro contacto com Deus ou os extra-terrestres na Terra.

Elaborar muito sobre o que vimos era estragar a surpresa, que é decisiva neste retrato geracional, mas podemos assegurar que está aqui um das mais hilariantes produções nacionais dos últimos tempos. Gostar ou não dos Genesis é basicamente irrelevante, porque o filme trata tanto da banda britânica como das consequências da euforia ou de como os portugueses são excelentes contadores de histórias. Faltou um aplauso mais quente para

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Genesis Encore Cascais 75

, que venceu pela simpatia e pela total falta de pretensão (ainda que aquele epílogo dos três faladores, no jardim, fosse completamente desnecessário).

Apocalypse: a Bill Callahan Tour Film

e

Genesis Encore Cascais 75

repetem no dia 28 de Outubro, o último do Doclisboa, e ambos são imperdíveis.