Os Engenheiros Aeroespaciais que Constroem seus Próprios Aviões
No fim do dia, Seguin e Gillen se preparam para testar um avião experimental feito em casa. Crédito: Sarah Scoles

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Os Engenheiros Aeroespaciais que Constroem seus Próprios Aviões

Quando não estão construindo uma aeronave futurista no deserto, Elliot e Justin testam cada detalhe dos aviões feitos por eles mesmos.

São seis e meia da manhã em Mojave, na Califórnia, nos Estados Unidos. As centenas de moinhos que costumam mover o ar estão parados feito um público silencioso à espera dos pilotos Elliot Seguin e Justin Gillen. Em alguns minutos, com sorte, eles tirarão seus aviões experimentais dos hangares.

Hoje a dupla testará um novíssimo avião construído por um antigo veterano da Força Aérea. No nariz reluzente da aeronave, o dono usou canetinha hidrocor para desenhar a boca cheia de dentes de um tubarão, o único adorno em meio ao corpanzil branco do avião. É possível ver, nas costuras, pequenas irregularidades que ninguém deseja encontrar ao comprar um avião de um fabricante.

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Seguin e Gillen estão dispostos a saltar em qualquer avião nunca pilotado antes. Eles testam seu desempenho e consertam o que estiver errado. E as notícias sobre sua disposição estão se espalhando pela comunidade aeroespacial. "Sabemos de dois caras que vão voar em todo tipo de geringonça", Seguin diz, em referência ao falatório em torno dele e do amigo.

O nariz do tubarão. Crédito: Sarah Scoles

No avião tubarão, um circuito conectado ao alternador primário permanece ventilando por 30 minutos a cada voo e é trabalho deles descobrir por que isso acontece. Hoje de manhã, Gillen voará em sua máquina, e Seguin voará atrás dele em um exclusivo GT400 apelidado de "Snort". É uma aeronave com um "7" no estilo dos carros NASCAR e um cavalo assustado, cartunesco, pintado em um de seus lados.

Esse tipo de avião experimental, feito em casa, não está sujeito às regulamentações dos aviões padrões. Para ser certificado pela Administração Federal de Aviação norte-americana e poder levar passageiros, eles precisam voar por 40 horas e passar por testes referentes às "capacidades operacionais" ou uma série de condições que eles foram projetados para desempenhar. Em seguida, os aviões recebem uma certificação e uns adesivos assustadores que dizem "este avião foi construído por amadores e não cumpre com os requisitos federais de segurança de 'aviões padrão'" colocados na fuselagem. Seguin e Gilles querem que seu avião seja certificado.

"Todos querem ser o estereótipo do piloto de teste herói, aquele que usa jaqueta e fica encostado ao lado do avião, todo descolado"

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Gillen, de cabelo bagunçado, troca seus chinelos por sapatos de automobilismo à prova de fogo e fecha o zíper de um uniforme de peça única por cima de suas roupas normais. Ele caminha pela asa do avião do tubarão e começa a dobrar alguns papéis: cada um descreve um teste pelo qual o avião deve passar.

"Pijama legal", diz Seguin. "Está bem elegante, cara."

Gillen responde com um aceno de cabeça e continua a folhear os papéis. Conforme a hora de iniciar os testes se aproxima, ambos vão ficando silenciosos. Os dois estão tensos, concentrados, quando não absolutamente nervosos. Seguin é um piloto de testes melhor do que Gillen. Mas hoje é Gillen que vai testar e guiar o voo.

Eles trocaram de posição para aperfeiçoarem suas "capacidades pessoais". Esse tipo de situação nem sempre é confortável, sobretudo quando acontece a uma altura de 26.000 metros de altura e há uma mochila de paraquedas lembrando que, a qualquer momento, tudo pode dar errado. Ainda mais se, como eu, você não está totalmente certo se lembra de como encontrar o puxador que ejeta o vidro acima da cabeça ou quão forte você deve puxar a corda do paraquedas para abri-lo.

Enquanto os dois preparam seus aviões para a decolagem, eles me jogam uma das mochilas de paraquedas e me dizem para subir no banco do carona do Snort. O adesivo de advertência insiste em aparecer na minha visão periférica e implora para que eu o olhe e confronte minha própria mortalidade.

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– Está nervosa? – Seguin pergunta.

- Devo estar? – pergunto.

***

Seguin e Gillen trabalham durante o dia na Mojave Air & Space Port, onde empresas como a XCOR Aerospace e Virgin Galactic constroem naves espaciais e os aviões das próximas gerações. Eles são contratados pela empresa Scaled Composites, ganhadora do Ansari X-Prize (prêmio dado para quem lançar uma nave espacial tripulada reutilizável no espaço duas vezes no período de duas semanas) em 2004 pela SpaceShipOne, que está sendo aperfeiçoada para ser um veículo espacial suborbital.

Como parte de seu trabalho, Seguin, hoje com 32 anos, passou centenas de horas testando os aviões Proteus e White Knight que apresentaram variações diferentes às da SpaceShop a suas altitudes de lançamento, antes de lançá-las e subi-las rapidamente na vertical. Ele lidera a equipe de engenheiros que iniciaram a produção de espaçonaves na Spaceship Company, cofundada pela Scaled e Virgin, e contratou pessoalmente muitos dos engenheiros que trabalham lá.

Gillen, 35, foi o engenheiro projetista de peças do White Knight Two e, desde 2012, integra o projeto ARES. Hoje ele também coordena a equipe de engenheiros de fuselagem da Stratolaunch, a maior aeronave do mundo.

Com seu uniforme de voo, Gillen entra na cabine de piloto no dia do teste. Crédito: Sarah Scoles

Antes de Seguin e Gillen trabalharem na Scaled, eles dirigiram até a Flight Line Avenue, para seus hangares particulares localizados também no Mojave Air & Space Port. Lá dentro está a aeronave experimental que construíram manualmente em seu tempo livre. Esses aviões são tão pequenos e leves que voar num deles é como voar em uma libélula.

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A menina dos olhos de Gillen se chama Tango 2. O filho favorito de Seguin se chama Wasabi e é tão pequeno que parece feito para a boneca Polly Pocket. Quando ele projetou esse avião, ele o construiu, testou, depois o modificou novamente e, finalmente, voou ininterruptamente pelo país com Gillen e Tango 2 em sua companhia o tempo todo. Eles também pilotaram como parte de uma equipe extracurricular de Fórmula Um chamada Wasabi Air Racing, que Seguin e Jennifer Whaley Seguin – a coordenadora da equipe, diretora na Scaled e esposa de Seguin – fundaram e administram juntos.

Tanto Seguin quando Gillen iniciaram seus hobbies porque queriam se destacar em seus trabalhos. "O principal na Scaled é que lá é bem competitivo", afirmou Seguin, que já bateu seis recordes de velocidade em aviões experimentais. "Todo mundo quer ter boas oportunidades. Você vai fazer de tudo para se destacar." Então, mesmo que os dois passem o dia todo resolvendo problemas aeroespaciais, à noite eles criam dilemas novos e tentam resolvê-los também.

***

Enquanto a radiação solar tinge as nuvens da aurora de rosa, Gillen continua vestido com seu uniforme. Ele está com um capuz branco na cabeça e, em seguida, enfia um capacete de voo com máscara de oxigênio. Com a armadura completa, ele parece uma fotografia. Mas ele deixa claro que não é nada disso.

"Todos querem ser o estereótipo do piloto de teste herói, que usa jaqueta e fica encostado ao lado do avião, todo descolado", ele disse. "Mas o trabalho árduo não está só no voo. Está também em entender tudo o que aconteceu durante o voo."

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Seguin pula na asa do Snort, senta na cabine do piloto e ajusta os fones de ouvido nas orelhas. Ele olha para mim e faz um sinal de joinha (é uma pergunta: tudo certo?) antes de fechar a janela em forma de cúpula que nos cerca a partir dos ombros. Minutos mais tarde, nós, Snort e o avião de tubarão estamos taxiando pela pista de decolagem. No alvorecer de um sábado, não há ninguém na torre de controle. O aeroporto está vazio, exceto por um coiote, que fareja uma placa no canteiro.

"Glitter 1 para Sparkle", Seguin fala pelos fones. "Está vendo o cachorrinho na pista?"

Vista frontal da autora, a partir do banco de trás do Snort. Crédito: Sarah Scoles

A maioria dos pilotos em Mojave tem nomes de guerra como "Viper" e "Esquadrão da Morte". Em resposta, Seguin e Gillen escolheram seus nomes a partir do desenho My Little Pony (embora eles nunca tenham ouvido falar na expressão "brony" dada aos caras que gostam de coisas fofinhas). Eles não fazem o estereótipo do piloto de teste macho-alfa. Seguin é magro e parece um garoto, é sincero e afiado enquanto fala, e você logo tem a impressão de que ele fala como se tivesse sob efeito daqueles cafés espresso que a gente bebe numa punhalada. Gillen é mais quieto, com um sorriso relaxado e tranquilo de surfista. Seu poder, ao que parece, não vem da dominação, mas do entusiasmo que rege os dois de acordo com o princípio de Bernoulli.

Snort acelera e em seguida decolamos, com um sobressalto veloz a algumas centenas de metros de altura. Fui instruída a somente observar o controle e os pedais de leme que se movem entre as penas e sob meus pés. Gillen segue bem próximo a nós; seu avião logo aparece através do vidro acima de nossas cabeças. Glitter e Sparkle vão subindo em seus aviões gradualmente, cada vez mais alto, voando em um padrão circular a alguns milhares de metros acima de Mojave.

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No painel de controle do banco de trás do Snort, mostradores analógicos se movem loucamente e me mostram o status daquilo que é essencial: a força da gravidade, a velocidade do ar e a pressão de óleo do avião. Não há muitas informações adicionais. Aviões como esses quase não têm instrumentos ou luzes. Enquanto fazemos a curva em mais um círculo, uma batida do tipo "uá uá uá uá" ondula no ar entre os aviões. Suas hélices estão tão próximas que uma harmônica se formou entre eles, como duas flautas tocando a mesma nota fora de tom.

"O freio disparou", Gillen logo avisa pelo rádio, informando que o alternador parou novamente. Ele parece calmo, mais do que qualquer pessoa no lugar dele.

Após testes iniciais, Seguin e Gillen elevam seus aviões acima da primeira camada de nuvens. Crédito: Sarah Scoles

Isso nem entra na lista de experiências assustadoras de Gillen. Uma vez, enquanto voava em meio a um temporal com raios, ele sentiu um tinido elétrico em seu ouvido por um segundo ou dois. Como ele estava concentrado em atravessar a tempestade e ultrapassar as montanhas de Sierra Nevada, ignorou o ocorrido. Entretanto, 20 segundos mais tarde, a sensação voltou com mais intensidade. E, novamente, 20 segundo depois, ele a sentiu novamente. A cada vez, o tinido se parecia menos como uma coceira e mais como um choque.

"Contanto que não piore", ele pensou "está tudo bem". Mas quando ele disparou para a parte mais carregada da nuvem, a sensação ficou muito pior. Ficou tão ruim que cada ocorrência o perturbava como em um experimento de Milgram. Ele estava perdendo altitude e caindo em direção às montanhas.

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"O próximo vai doer pra valer", Gillen pensou, e o impacto o jogou longe de sua trajetória de voo. Então, bem a tempo, ele percebeu que o problema estava no fone de ouvido: mais especificamente, com os componentes eletrônicos que deveriam anular os sons ambientes. Ele os desligou bem a tempo. "A melhor explicação que ouvi até agora é que houve estática na fibra de vidro do meu avião, criando um circuito elétrico causador de curto-circuito em meu ouvido", explicou.

"Ou nos fundilhos suados de nossas calças", Seguin complementou.

***

Outra tempestade proporcionou a Gillen um novo tipo de aventura. Não chove muito em Mojave, entretanto, em 15 de outubro de 2015, caíram aproximadamente 76 milímetros de chuva em meia hora. O Serviço de Climatologia Nacional dos Estados Unidos chamou de "um evento de chuvas em mil anos". Alguns poucos quilômetros da estrada do Air & Space Port, um deslizamento de terra jogou 1,2 metros de lama e escombros na Estrada Estadual 58. Centenas de pessoas estavam no lugar e no momento errados quando uma torrente marrom viscosa golpeou os carros de quem fazia o trajeto entre Mojave e Tehachapi, bem como os grandes veículos de transporte que viajavam para as partes populosas do sul da Califórnia.

Pilotos da Mojave Air & Spaceport, incluindo Gillen, decidiram fazer salvamentos por conta própria. Do dia para a noite, espalhou-se a seguinte notícia entre aqueles que estavam ilhados nos capôs dos carros: se conseguissem chegar ao restaurante Voyager (batizado em homenagem ao voo ininterrupto de Dick Rutan ao redor do mundo em 1986 em um avião projetado por seu irmão Burt Rutan) da Mojave Air & Space Port alguém chegaria até lá em um avião particular e os levaria para casa em Tehachapi. Os passageiros olharam para a lama ao redor deles. Vista do céu, a lama se tornou um problema que poderia ser ultrapassada a pé, não parecia haver risco de atolamento.

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Em um post do Facebook escrito por Seguin para a Scaled, ele chamou a situação de a "Grande Ponte Aérea de Mojave".

Pilotar esse avião, com a visão de tudo, incluindo o firmamento, não é a mesma coisa que viajar de avião comum.

Um dos piores momentos de Seguin aconteceu durante um voo preparatório para uma tentativa de quebra de recorde mundial. Ele mudou o combustível de "frio" (normal) para o gás quente – que os pilotos utilizam para voar mais rápido. Ele levou o motor a 100% de sua força, curvou o avião em marcha acelerada, verificou que todos os sistemas estavam aproximados e então começou a recuar. Assim que conseguiu suspender a 500 cavalos de potência, fez a mudança de volta para o gás frio.

"E o motor simplesmente parou", ele recorda. "Tipo, morto."

Mas ele não entrou em pânico. "Estávamos forçando tanto o motor que, em situações como essa, não é difícil que ele pare de funcionar", afirmou. "Você não surta o suficiente quando está fazendo algo esquisito."

Outra vez, um selador "à prova de combustível" não funcionou como o anunciado e ele acabou com líquido inflamável vazando em seus pés em pleno voo. "Havia uma ilustração de um cara de um lado da lata", Seguin disse, "uma vítima de incêndio. Pensei muito nele".

***

Gillen aciona o rádio para informar que reiniciou o disjuntor do tubarão, e o alternador primário está conectado novamente. Ele está pronto para subir acima das nuvens e flutuar a cerca de 26.000 metros. Coloca o avião na horizontal e a boca de tubarão feita de canetinha colide com o estrato. O fuso da hélice vermelha do avião branco, o amarelo da asa do Snort e o azul do céu são as cores primárias perfeitas.

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Com esses elementos, muito acima de tudo e totalmente sob controle, é fácil sentir que é possível fazer qualquer coisa lá em cima. Pilotar em seu avião, com a visão de tudo, incluindo o firmamento, não é a mesma coisa que viajar de avião comum. É como fazer parte do céu. Enquanto fazíamos outro círculo, uma camada de nuvens mais altas apareceu, subindo aos céus em direção ao sol como uma Torre de Babel que tenha dado certo.

"Caralho", Seguin falou pelos fones. "Caralho. Uau."

Ao circular por Mojave, o avião tubarão parece voar em direção ao sol. Crédito: Sarah Scoles

O senso comum diz que quanto mais você se expõe a uma experiência, menos incrível ela fica. As pessoas que vivem em ilhas tropicais belíssimas não ficam sentadas lá o dia todo pensando em quão belo é o lugar onde vivem da forma como os turistas fazem. Os cirurgiões que abrem crânios se tornam progressivamente mais firmes – oh, lá vem mais um cérebro. Mas o entusiasmo de Seguin é como se ele estivesse começando a vor hoje.

"Venho de uma família de pilotos", Seguin disse. Seu pai fora um piloto que usava um Cessna 172 para viagens em família. Na época em que Seguin estava pensando em carros velozes, seu pai, talvez em uma crise de meia-idade por ter um filho adolescente, decidiu modificar o Cessna para ser "absurdamente rápido". Quando terminou o projeto, ele quebrou um recorde mundial. "Ele saiu de um avião muito legal no aeroporto para ter o avião mais legal do aeroporto", contou Seguin.

Logo em seguida, ele e seu pai compraram um Cessna 150 quebrado de um fazendeiro na vizinhança. Seguin trabalhou nele por dois anos antes de deixá-lo pronto para a inspeção. E logo que ficou pronto para voar, ele usava sua licença de piloto para voar até a faculdade. Seus colegas pagavam pela gasolina e ele os levava para dar umas voltas.

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"Os Maydays costumavam ser sexys"

Ao se aproximar do fim de seu curso de engenharia, ele conseguiu um emprego construindo aviões da época da Segunda Guerra, e começou a pensar em uma carreira depois da faculdade que poderia combinar seu interesse em aviões com a engenharia. "Fiz uma lista das empresas que faziam isso", ele contou, "tinha mais delas ali em Mojave do que em qualquer outro lugar do país".

Então ele saltou no 150 e voou até Mojave para ver quem poderia contratá-lo durante o verão. Ele acabou fazendo estágio na XCOR Aerospace e na Nemesis Air Racing. Entretanto, mais importante do que isso, ele teve contato com a Scaled Composites, a empresa de seus sonhos. Quando Seguin voltou para a faculdade, ligava para o escritório da empresa todas as segundas-feiras pela manhã.

"Oi, eu sou o Elliot. Lembra de mim?", ele perguntou. "Ainda quero trabalhar na Scaled."

Quando eles se recusaram a recebê-lo para uma entrevista, porque ele ainda estava na faculdade, ele tomou a iniciativa: "Esperei no estacionamento até que eles me entrevistassem", ele disse. Então ele voltou para a faculdade e passou a ligar toda a sexta-feira.

A Scaled mandou para ele uma oferta de emprego no dia em que se formou. Isso foi há quase 10 anos. E o dia do deslizamento de lama foi, na verdade, seu último trabalho na Scaled. Seu hobby de planejar, construir e testar aviões se tornou sua verdadeira paixão. Na semana seguinte, esse seria seu novo emprego. "Sou um piloto de testes agora", ele afirma, com um sorriso do tamanho da boca do tubarão

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"Você sabe quando encontra a coisa, aquela coisa, aquela mesma que mantém você vivo?", ele diz. "Você tem que se prender a ela."

Ele fecha os punhos no ar.

***

Apesar daquele detalhe do alternador, o avião tubarão passou em todos os testes, e Gillen terminou de trabalhar nos cartões dobrados. Snort está ficando com pouco combustível, apesar de que "pouco", para eles, é relativo. Seguin tem muitos galões, mas é cauteloso. Ou mais cuidadoso do que costumava ser, especialmente depois do acidente do ano passado. Em outubro de 2014, a SpaceShipTwo explodiu no ar, matando o copiloto Michael Alsbury. Mais tarde, os investigadores descobriram que Alsbury cometera um erro fatal em pleno voo.

"Os Maydays costumavam ser sexys", Seguin contou. Mas o acidente fez as pessoas em Mojave repensarem no que elas estavam fazendo, nos riscos que estavam correndo. Alsbury era um piloto experiente, mas não infalível. Ninguém é. No que ele estava pensando? Os demais pilotos se perguntaram. Poderia ter acontecido comigo? A resposta é: sim, poderia ter acontecido com qualquer um deles.

"Tenho uns cinco minutos para acertar", diz Seguin.

"Entendido", diz Gillen.

"Câmbio."

Nós nos movemos em um arco para ficarmos perpendiculares à Estrada 58, ainda fechada e coberta de lama acima da pista de aterrissagem. Meus mostradores de gravidade, tanto o biológico quanto aquele na minha frente, me devolveram à realidade. Carros e prédios parecem bem próximos da gente. Parece que sou um gigante e que poderia descer a mão e tirar os moradores de suas casas. Logo, porém, as rodas tocam o solo. Retomamos para nossa estatura de sempre e ambos os aviões taxiam em direção aos hangares.

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Quando os pilotos saltaram de cima das asas de volta à Terra, Seguin corre até Gillen e os dois trocam um high-five.

"Esse é o meu garoto", ele disse. "Vamos procurar um adimoc. É 'comida' ao contrário."

***

Alguns minutos mais tarde, eu e os dois pilotos sentamos em uma mesa no restaurante Voyager para uma avaliação. Um mapa ilustrando a quebra de recorde do Voyager está pendurado em uma parede, e há uma fotografia dos irmãos Rutan com seu avião na parede em frente. É a mesma fotografia autografada que Gillen ganhou em 1986, quando seu pai o levou a um evento de arrecadação de fundos estrelando Dick Rutan, pouco antes da grande viagem de Dick. O próprio Rutan está sentado em uma mesa logo atrás de nós, uma figura importante em Mojave, como pude perceber quando os dois chegaram até o velho, deram tapas em seu ombro e disseram "Hey, Dick".

Depois de pedir café da manhã, Seguin e Gillen partem para uma discussão sobre o que deu certo, o que poderia ter sido melhor e como os dois se sentiram a respeito a troca de papéis do dia. Em certo momento, Gillen se referiu a um momento em que ele não conseguia entender as manobras de Seguin. Seguin ficou bravo e na defensiva.

Gillen larga seu chá. "Não me interrompa", ele afirma.

Seguin olha para a mesa e segurou sua própria mão. "Tudo bem", ele diz, "Tudo bem".

Os dois colocam os egos de lado, pelo bem do bromance e do trabalho deles. Porque é parte – a parte de compreender e fazer funcionar – que os atraiu para esse universo em primeiro lugar.

Durante o café da manhã no restaurante Voyager, uma representante do Museu de Transportes de Mojave passou por nossa mesa para mostrar esboços de aviões de arquivos que foram doados ao museu. Crédito: Sarah Scoles

Quando pergunto por que ele gosta tanto de projetar, construir e testar aviões, Seguin diz, "Acho que é porque o problema do trabalho está bem definido. Os aviões devem ser leves, poderosos, fortes, flexíveis e rígidos ao mesmo tempo. É um desafio ininterrupto. Há sempre um ou outro ponto que você precisa aprender". Então ele para e olha pela janela, na pista onde outros pilotos, finalmente despertos, estão estacionando seus próprios aviões. "Mas essa é a pior resposta de todas", ele diz.

Ele pega meu gravador e aproxima da boca. "Aqui é Elliot Seguin", ele diz. "E é disso que estou falando." Ele coloca o gravador na mesa, depois espalma as mãos. "Hoje?", ele diz. "Aquela merda com as nuvens?" E naquele dia em abril quando ele e Gillen organizaram o Mojave Experimental Fly-In, um encontro de pilotos de aviões experimentais de diversos lugares. Durante o dia, Seguin correu entre o trabalho e o evento, esperando que a temperatura chegasse ao máximo. Ele planejou tentar um novo recorde – três quilômetros mais rápido – e o ar quente estava rarefeito, permitindo que os aviões voassem mais rapidamente. "Esse [recorde] foi meu objetivo", ele diz, e para. "Não, nem era um objetivo, porque eu nem achei que fosse possível. Só pensei que era foda pra caralho. Só o fato de que eu ia tentar já era bem foda."

Então, em meio ao calorão, Glitter decolou da Pista Oito. Seguin levantou voo direção à pista de corrida, abriu fogo com o motor e voou através da linha de partida. "Eu tenho um avião com o triplo de força de cavalo nominal voando a 630 quilômetros por hora", ele disse. "É a coisa mais sensacional que já fiz na vida, o resultado de um ano e meio de trabalho tentando descobrir como fazer esses motores gerar tanto poder." Ele voou direta e rapidamente por 17 segundos somente, enquanto o motor, no limite máximo, "passou o tempo todo tentando explodir". Ele atingiu a marcação de três quilômetros de uma vez.

Foi um recorde.

Ao colocar seu avião fora do curso, ele retornou o motor para níveis normais. "Voltou a ser um avião de novo", ele disse, maravilhado com a transformação. Abaixo dele, os aviões de voo lento zuniram, largando "bombas de farinha" em direção a alvos dispostos no solo. Outros aviões mais rápidos estavam retornando de suas viagens para outros aeroportos próximos a eles. A Administração Aeronáutica Nacional estava assistindo, e puderam certificar, seu retorno de um voo recordista. Eles conversavam na mesma frequência. Havia tantas vozes em sua cabeça. Todas aquelas pessoas, unidas pelo amor aos aviões. Além de toda a adrenalina, e, é claro, um recorde mundial.

"Tudo", ele começa, e faz um barulho de explosão "fez sentido nesse momento".

Seguin está surpreso e quase sem ar por ter falado com tanta empolgação, e você começa a pensar que também deveria largar tudo para dedicar sua vida a voar muito e em altas velocidades.

Tradução: Amanda Guizzo Zampieri