Morto em 2002, depois de investigar casos de abuso sexual e tráfico de drogas em bailes funks do Rio de Janeiro, Tim Lopes foi personagem central de um dos episódios mais conhecidos de violência contra jornalistas no Brasil. No dia 2 de junho daquele ano, o repórter investigativo da Globo foi dado como desaparecido. Ele apurava sua matéria na Vila Cruzeiro, Penha, Zona Norte carioca. Somente uma semana depois, a polícia confirmou a morte do jornalista. Lopes teve o corpo carbonizado numa fogueira feita com pneus, o chamado “microondas”.
O caso Tim Lopes completou 15 anos em 2017, quando a Abraji — organização criada a partir do assassinato do repórter — lançou um programa que leva o nome do profissional na intenção de lançar luz sobre outros casos similares mas com menos repercussão no país. O Programa Tim Lopes, financiado pela Open Society Fundation, lançou quatro reportagens sobre jornalistas assassinados em quatro municípios do interior do Brasil.
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A série que recebe o título de Quem matou? Quem mandou matar? relembra a trajetória dos profissionais Gleydson Cardoso de Carvalho, Djalma Santos da Conceição, Rodrigo Neto de Faria, Walgney Assis de Carvalho, Paulo Roberto Cardoso Rodrigues e Luiz Henrique Rodrigues Georges.
Thiago Herdy, presidente da Abraji, diz que os jornalistas vítimas dos homicídios retratados nas reportagens e vídeos da série têm um perfil muito diferente dos profissionais das grandes cidades. “Muitas vezes esse jornalista do interior não só cumpre um papel assistencialista, como também ultrapassa questões das fronteiras do jornalismo”, pondera. Ainda assim, para Herdy, a associação não pretende julgar a atividade dos jornalistas. “Nas matérias tentamos mostrar a complexidade desse cenário e considerar um conceito do jornalista como alguém naquela comunidade reconhecido como tal”, diz ele. “Eles se expressavam, diziam o que pensavam, é o que pra nós tem que ser defendido.”
“A grande realidade do jornalismo brasileiro está no interior e não nos grandes centros” — João Wainer
O jornalista e documentarista João Wainer, que esteve na coordenação do programa, diz que “a grande realidade do jornalismo brasileiro está no interior e não nos grandes centros”. Para Wainer “o jornalista [dessas localidades] tem que fazer tudo”. O documentarista explica que atuar na profissão longe dos grandes centros deixa o jornalista exposto. “Negociar com político e lidar com publicidade, acaba deixando o jornalista numa posição muito vulnerável.”
O jornalista Bob Fernandes, responsável pelas quatro reportagens do programa Tim Lopes, diz que todas as histórias tiveram sua dificuldade de apuração. Isso porque, como exposto nas matérias, os casos costumam ter políticos e policiais envolvidos no mando ou na execução dos assassinatos. “Passado o primeiro momento, as pessoas não querem falar sobre isso mais”, diz ele. “Tem uma hora que as pessoas querem esquecer.”
Abaixo dá pra sacar as quatro vídeo-reportagens resultado do Programa Tim Lopes. Um documentário média metragem também intitulado de Quem matou? Quem mandou matar? que amplia o tema será exibido no sábado (28), na Caixa Belas Artes, em São Paulo.
Gleydson, 36 anos, morto dentro do estúdio da Rádio Liberdade FM, em Camocim, Ceará, em 2015. Três tiros.
Djalma, 54 anos, sequestrado, torturado e assassinado no meio do mato em Conceição da Feira, Bahia, em 2015. Quinze tiros.
Dois anos antes, em Ipatinga, Vale do Aço, Minas, em intervalo de 37 dias foram mortos Rodrigo e Walgney. Três tiros para cada.
Em 2012, em Ponta Porã, Mato Grosso do Sul, assassinados Paulo Roberto, o “Paulo Rocaro”, e Luiz Henrique Georges, o “Tulu”.
VIGILÂNCIA NO FUTURO
O Programa Tim Lopes terá uma segunda etapa. O presidente da entidade informa que em caso de assassinato de jornalistas no interior do país, a Abraji irá financiar a viagem de uma equipe para a localidade. A intenção é fazer uma reportagem sobre o caso e dar continuidade às investigações sobre uma eventual execução.
Wainer lembra que “quando um jornalista morre isso funciona como uma censura à liberdade de expressão”. Para o documentarista a única forma de coibir assassinatos a jornalistas é o acompanhamento da imprensa: “Sempre dou um exemplo do caso de um agente do DEA morto por agentes corruptos a mando de narcotraficantes, o Kiki Camarena, a resposta dos EUA e do DEA foi tão gigantesca que nunca mais um agente foi morto. Os caras do DEA ganharam uma proteção invisível. Acho que tinha que acontecer algo parecido no jornalismo. Depois da morte de um jornalista, por menor que seja o veículo em que ele trabalha, no dia seguinte Globo, Bandeirantes, Folha, Estado, a porra toda, estarão cobrando os caras até o culpado ser condenado. Está na mão dos próprios jornalistas o efeito Kiki Camarena.”