Semana passada a Supreme lançou “BLESSED”, seu segundo longa de skate por William Strobeck. O vídeo é a sequência de “cherry”, de 2014, e o espaçoso Village Easte Cinema na Second Avenue estava lotado. A multidão no cinema, formada pelos skatistas locais de Nova York, profissionais, artistas e amigos da marca, tinha uma energia palpável. Strobeck é conhecido por manter suas filmagens em segredo até o lançamento de um vídeo (ele diz que queria criar uma vibe de receber uma fita VHS pelo correio), e só algumas pessoas, fora os skatistas no vídeo, tinham visto no que ele estava trabalhando nos últimos dois anos e meio. Depois de subir ao palco na frente do cinema e mencionar a importância e a memória de Dylan Rieder, um skatista lendário e parte da família Supreme que faleceu em 2016, as luzes se apagaram. Aí, pela próxima uma hora e meia, a multidão perdeu coletivamente a cabeça.
Supreme é uma marca que recebeu o prêmio Menswear Designer of the Year de 2018 do Council of Fashion Designers of America, já colaborou com grandes casas de moda e artistas como Louis Vuitton e Damien Hirst, vendeu parte de seu negócio para uma multinacional de capital privado e, no ano passado, foi avaliada em um bilhão de dólares. É difícil imaginar outra marca numa posição similar com a capacidade ou o desejo de fazer um vídeo realmente bom de skate. Mas a Supreme é diferente de qualquer outra marca e, apesar de seu sucesso generalizado, o skate continua sendo central na sua identidade.
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A loja é uma versão loucamente exagerada da sua skate shop local. É uma galeria de arte mascarada de loja de skate, ou talvez uma loja de skate mascarada de galeria de arte, com instalações rotativas e aquela televisão icônica passando skate sem parar de uma forma ou outra, como uma chama eterna, por quase um quarto de século agora. Mas sua forma mais básica é simplesmente “uma empresa de skate que começou como uma loja de skate em Nova York”, como me disse o ex-skatista profissional Todd Jordan, que atualmente gerencia as coisas relacionadas a skate da marca.
O primeiro vídeo da Supreme era um curta em preto e branco de 16 minutos do artista Thomas Campbell chamado A Love Supreme, com trilha sonora da música de mesmo nome de John Coltrane. O vídeo apresentava Peter Bici, Gio Estevez, Jones Keefe, Mike Hernandez, Quim Cardona e outros andando de skate pelas ruas da cidade, misturado com filmagens granuladas dos garotos se divertindo e vivendo a vida em Nova York. É um filme muito bonito que parece um vídeo caseiro projetado na parede de um PS1 ou dentro duma loja de skate. Apesar dos vídeos terem 20 anos de diferença, A Love Supreme, “cherry” e agora “BLESSED” se complementam muito bem, e essa linha ininterrupta do começo até hoje pode ser vista na empresa como um todo.
Quando a loja abriu na Lafayette Street em 1994 no que era um antigo escritório, a Supreme se tornou um ponto de encontro dos skatistas, graças em parte ao primeiro funcionário, Gio Estevez, muito conhecido na cena de skate unida de Nova York. O fundador, James Jebbia, que teve uma loja chamada Union antes de trabalhar para a Stüssy, tinha uma apreciação profunda pela estética e vibe geral do skate, mas não conhecia os mecanismos internos de uma indústria notoriamente desconfiada, quando não hostil, com forasteiros. Assumindo um papel de fundo e deixando Estevez comandar o balcão, ele deu à loja espaço pra ganhar uma vida própria, animada pelos jovens skatistas e desajustados que tratavam a Supreme como um segundo lar. “A coisa que realmente legitimava a loja, acho, eram as pessoas que trabalhavam ali, não eu. A loja estava sempre cheia de skatistas por causa da equipe que trabalhava ali”, Jebbia disse numa entrevista de 2010 para o livro da Rizzoli Supreme.
Os dias “clássicos” da Supreme com Harold Hunter, Jefferson Pang, Ryan Hickey e outros foram bem documentados e aquele período ganhou seu lugar na história do skate. Mas, nos anos desde aqueles primeiros dias, as filas se tornaram mais longas e o logo vermelho se tornou um símbolo de status, então era fácil imaginar se o hype cercando o lado streetwear do negócio tinha substituído a dedicação da marca ao skate. Quando me encontrei com Jordan, Kyle Demers e o artista Weirdo Dave, os três principais caras da Supreme (“ninguém tem títulos aqui”, me disse Jordan) num bar em West Village, perguntei a eles sobre essa percepção.
Dave, que trabalha com a equipe de design e tem várias colaborações com a loja sob o apelido Fuck This Life, disse que a loja de LA é a prova de que a Supreme continua sendo uma loja de skate no cerne. “Nada mudou”, ele disse. “Você vai até o posto de gasolina, compra um fardinho, anda até a loja, fica por ali, bebendo cerveja… É sempre um estande de tiro de pessoas loucas que pensam igual… E essa é, tipo, a verdadeira tradição de qualquer loja de skate.”
E é assim há bastante tempo. Na mesma entrevista da Rizzoli, Jebbia falava sobre a atmosfera da loja durante os primórdios. “A loja estava sempre cheia de skatistas […] Eu estava acostumado com a Stüssy e a Union, onde as pessoas estavam ali para comprar alguma coisa. Mas na Supreme as pessoas só ficavam na loja conversando.”
E mesmo sendo verdade que a Supreme expandiu sua base de clientes desde aquele tempo, também é verdade que, olhando para as linhas de produtos durante os anos, eles mantiveram uma estética precisa e sem concessões que continua até hoje. O interior das lojas também não mudou com as décadas. Imaculado, brilhante, ângulos certos e toques de cor e uma seleção com curadoria de shapes de skate pendurados na parede. “Vejo eles como a loja de skate de maior sucesso da história”, disse Chris Nieratiko, dono da NJ Skateshop e colaborador da VICE, quando perguntei como ele via a marca. “Eles agem como um dono de loja de skate elitista agiria. Eles dizem: ‘ei, você não está carregando nossa linha inteira, você está carregando só o shape do Jerry Hsu’.” O skate se metamorfoseou e seguiu (às vezes infelizmente) modinhas com os anos, mas tem algo reconfortante na consistência da Supreme.
“Sempre tivemos um time de skate”, me disse Demers, que cuida de boa parte do gerenciamento de marca da Supreme. “Mas agora é realmente um time pensado com vídeos e agora temos skatistas se tornando profissionais. Sempre fizemos roupas. Mas agora, em vez de algumas camisetas e moletons, temos uma linha completa. Não é necessariamente uma mudança, estamos apenas fazendo mais coisas.”
Num dia chuvoso do começo de novembro, fui até o apartamento de William Strobeck em East Village para conversar sobre “BLESSED” e “cherry”. Apesar de filmar o skate por mais de 20 anos e ter capturado os primórdios do Love Park na Filadélfia nos anos 90, “cherry” foi seu primeiro longa. Quando o vídeo saiu em 2014, ele colocou fim em qualquer dúvida que pairava em alguns cantos da skatesfera sobre a Supreme. Filmado todo em preto e branco e apresentando um grupo de ratos de skate quase desconhecidos junto com grandes nomes da Supreme, como Jason Dill e Mark Gonzales, esmerilhando pelas ruas de Nova York e LA, era como se Strobeck tivesse pegado as coisas mais emocionantes do skate, jogado num liquidificador e cuspido na tela.
O vídeo surgiu depois que Demers, que era amigo de Strobeck desde a adolescência, viu um curta de Strobeck apresentando alguns skatistas da Supreme. “Fiz um vídeo para a Transworld com todos eles e, no último minuto, acompanhei o Dylan [Rieder] para filmar com ele, Alex [Olson] e [Jason] Dill porque eles estavam em LA. Quando o clipe saiu, Kyle me deu um toque e disse: ‘Eei, quer tentar fazer esse comercial? Temos esse garoto Tyshawn Jones e o Dill na cidade. Quer filmar eles andando no final de semana?’ E eu disse claro.” O vídeo que eles filmaram foi transformado num curta de 51 segundos chamado “Buddy” que serviu como conceito para “cherry”. “Por alguma razão, senti aquela vibe tipo… o vídeo realmente impressionou o dono”, me disse Strobeck. “Senti que ele se encaixava perfeitamente no que era a Supreme.”
Na época, Tyshawn Jones – que este mês foi capa da bíblia do skate Thrasher – era só um dos moleques que frequentavam a loja da Supreme e Strobeck, como muita gente da cena, não sabia quem ele era. “Foi perfeito eles proporem Tyshawn pra mim porque eu não conhecia ele, mas obviamente conhecia o Dill, e senti que a dinâmica deles funcionava perfeitamente. Então desse ponto foi tipo: ‘vamos tentar fazer um longa’.”
Com algumas exceções notáveis, como P.J. Ladd’s Wonderful Horrible Life da Coliseum, vídeos de skates feitos por lojas, em vez de empresas, geralmente eram vistos como algo menor. Os grandes profissionais gostam de poupar seus melhores clipes para seus patrocinadores de shape ou tênis, deixando as sobras para os vídeos de lojas. Mas, com “cherry”, Strobeck e sua equipe entregaram um vídeo de loja completo com um poder cru, que não parecia com nada que feito antes. Os garotos no vídeo são realmente jovens, no começo da adolescência, e andavam de skate com um tipo de urgência que lembrava clássicos das décadas passadas como Eastern Exposure 3 de Dan Wolfe ou Photosynthesis da Alien Workshop (que também tem participação de Strobeck).
Tanto em “cherry” como em “BLESSED”, a vibe é de uma tribo de caras se divertindo pra caralho. O mundo do skate notou, e “cherry” catapultou Tyshawn e os outros garotos do time, como Ben Kadow, Sean Pablo, Aiden Mackey, Sage Elsesser e Nakel Smith, para o radar da cena de skate. O grupo de garotos no vídeo teve tal impacto no skate que depois do lançamento, lojas de skate do país inteiro registraram um pico na venda de Converse, o tênis escolhido por alguns dos garotos em “cherry”, segundo uma matéria da Jenkem.
Mas sem dúvida a coisa que tornou “cherry”, e agora “BLESSED”, tão especial era o alinhamento de todas essas pessoas existindo ao mesmo tempo e estando na mesma cena, pulando entre as lojas de Nova York e LA.
“Eles eram naturais nessa coisa toda”, Strobeck diz sobre os garotos. “Parecia destino, porque o Sage [Elsesser], o Aiden [Mackey], esses caras, Nakel [Smith] e o KB [Kevin Bradley] estavam frequentando a loja [em LA]. Por alguma razão eles encontraram essa loja, sabe? Era tipo: ‘ei, esses skatistas são demais. Por que você não aparece na loja?’ Cheguei lá e esses garotos estavam fumando maconha, andando de skate na rua e só escolhendo um shape da parede, sabe?”
“Tivemos umas três gerações de skate importantes frequentando a loja e a usando a marca na época, e senti que tínhamos que fazer um vídeo”, disse Demers. “Tipo, a gente não queria necessariamente, tipo ter que documentar isso. Mas por causa de caras como o Dylan e o Alex, que estavam no auge, e aí esses moleques mais novos, parecia que se não fizéssemos o vídeo agora, ninguém ia saber o que estava realmente acontecendo.”
Se “cherry” foi uma introdução da cena atual na Supreme, “BLESSED” é uma atualização, quatro anos depois. Os garotos cresceram literal e figurativamente. Eles estão fisicamente maiores, menos constrangidos, e sua seleção de manobras é criativa e de alto nível. E apesar de ter jurado guardar segredo sobre o conteúdo real do vídeo até ele ser lançado, posso dizer que ele é muito bom e vai te fazer querer andar de skate com os amigos. E esse é, no final das contas, o objetivo final de qualquer vídeo de skate.
Em 2018, pode ser tentador pensar na Supreme como definida por linhas e uma clientela afastada do skate. Mas a questão é que a marca tem feito a mesma coisa há quase 25 anos. Eles são uma loja com senso ultradefinido de identidade, e você tem a sensação de que eles tiveram muita sorte que o que eles estavam fazendo tenha colado porque, se o gosto deles fosse ruim, a relutância em fazer concessões teria continuado, e eles teriam descarrilhado. E isso é tão verdade para o cuidado e qualidade de seus vídeos de skate como com as roupas nas suas lojas.
“É uma questão de se manter fiel a voz que começou tudo”, Jordam me disse no bar. “Não é preciso um gênio para saber o que é bom… Quando você tem um entendimento do que é bom e sabe o que faz, e encontras pessoas que pensam como você que sabem o que é bom, então você só continua fazendo isso. E acho que esse fato é algo que a Supreme entendeu desde o começo.”
No final do meu papo com Demers, Jordan e Dave, perguntei se eles se incomodavam com a percepção de que a Supreme se afastou do skate e que “cherry” foi uma tentativa de se reconectar com a comunidade. “Acho que, para a maioria de nós, isso está mais fora do radar”, me disse Jordan. “Porque vamos para o escritório todo dia e falamos com um monte de gente sobre o último vídeo da Thrasher. Tipo, literalmente todo mundo com quem trabalhamos, falamos principalmente sobre skate. Às vezes é até estranho. Eu estava meio desligado do skate antes de trabalhar na Supreme. Mas skate é o que faz nosso mundo girar. É o que assistimos, do que falamos, do que lembramos. Sim, é onde nosso coração está, com certeza.”
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