Opinião

Foste tu que pediste a maioria absoluta para o Partido da Bancarrota?

O folhetim dos professores trouxe à luz do dia uma vítima ridícula, a revolta de dois “cornos mansos” e a direita a recuar para evitar um desastre eleitoral.
notas de euro
São euros, Senhor, são euros... Ou a falta deles. Foto por Christian Dubovan no Unsplash.

As Eleições Europeias estão à porta – já no próximo dia 26 -, mas tudo se conjuga para que os problemas do Velho Continente fiquem cada vez mais para segundo plano. Até chegou a haver um cheirinho a Bruxelas no debate da semana passada, na SIC, só que isso foi atropelado pelo dossier dos professores e uma possível queda do Executivo de António Costa. No cerne da questão, está um diploma elaborado pela Comissão Parlamentar de Educação e Ciência, que estabelece a contagem integral do tempo de serviço dos docentes.

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Vamos ao filme dos acontecimentos em formato curta-metragem. Na noite de 2 de Maio (quinta-feira), os representantes do Bloco, PCP, PSD e CDS, comunicam que estão de acordo para que a restituição seja completa… Os sinos começam a soar no Largo do Rato e, no dia seguinte, depois da reunião com o núcleo duro do Governo e da brevíssima audiência em Belém, Costa acena com a demissão numa lógica de “drama queen”. Será que teve razão em abrir a crise e criar as condições para Marcelo antecipar as Legislativas? Não me parece…


Vê: "Um Homem Insignificante"


Do lado da oposição à direita que gosta de mostrar a carta do rigor orçamental, Rui Rio e Assunção Cristas pareceram inicialmente mal informados e representados na discussão. Nas primeiras vinte e quatro horas, a ideia de irem ao sabor do clima eleitoral começava a ganhar um contorno gigantesco. Durante o fim-de-semana, ambos recuaram ao adicionarem cláusulas na negociação (que não terá o apoio de bloquistas e comunistas; por isso, a medida deve cair), com o ex-autarca do Porto a dar um valente raspanete ao primeiro-ministro por ter tido outras situações em que devia ter apresentado a sua saída, entre as quais, o flagelo que representaram os dois grandes incêndios de 2017.

À esquerda, viu-se o que se esperava. Não só a defender a merecida reposição total dos salários, mas a atacar São Bento por não usar o mesmo dramatismo em relação aos milhões escandalosos concedidos à banca (tal e qual como em governos compostos por sociais-democratas e centristas). Com tanta decisão mal acolhida desde o início do mandato socialista (veja-se a Lei de Bases da Saúde ou as rendas excessivas da EDP), os “cornos mansos” da Geringonça tinham que se revoltar um dia. Esta aliança a três está comprometida? A resposta chega daqui a uns meses.

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PARTIDO SOCIALISTA. A vítima ridícula com estrategas que vivem de baixa política e esperteza saloia

Só pode ser mesmo uma piada de mau gosto. Ver a instituição que está no início do pecado original a encarnar o papel de vítima - devido à malograda pré-bancarrota de 2011 (aconselho vivamente a reportagem A Crise das Nossas Vidas, da TVI) -, é de rebolar no chão por um “humor” que tanto mal faz aos bolsos dos portugueses. A factura soa a eterna…

Quando na actual legislatura, no meio do discurso de facilitismo por parte dos membros do Governo, foi passada a mensagem que a austeridade já passou - tendo sido aberta a porta para a devolução dos salários a várias classes profissionais (como o projecto de resolução de 2017, em que o PS vota a favor da contagem de todo o tempo de serviço dos professores) -, é risível ver António Costa ser tratado como protagonista das “contas certas” e do palavrão “responsabilidade”. Lembras-te quando aqui falamos do seu “circo infantil”?

No actual diferendo com os outros quatro partidos, não se percebe a tempestade criada devido a um diploma que nem estava finalizado à hora da comunicação ao País (acima, podes o ver vídeo do jornal online Observador). Aliás, não é o primeiro-ministro conhecido por ser habilidoso em criar pontes para entendimentos? Porque não o fez agora a mais de 10 dias da votação ir a plenário - à partida a 15 - e preferiu lançar o fantasma da demissão? Outra questão pertinente: porque motivo o PS na Comissão Parlamentar votou contra as propostas do PSD e do CDS de “salvaguarda financeira” (onde defendem uma contagem integral dependente, entre outros pormenores, do crescimento económico - as tais cláusulas)? Estranho…

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Como a escolha de Pedro Marques para encabeçar a corrida ao Parlamento Europeu estava a correr terrivelmente mal, há a sensação que esta tentativa de mudar o jogo é uma forma de minimizar os danos de uma campanha pouco expressiva e, quem sabe, piscar o olho a uma futura maioria absoluta (dava jeito que o Presidente convocasse as Legislativas para Julho, não é assim “malta rosa”?). Sabendo que o Partido tem Carlos César como um dos principais estrategas, já pouco surpreende se estiver em causa a baixa política e a esperteza saloia. Agora, esse rumo em ziguezague e com birras para distrair tolos, vê a luta dos professores endurecer. Já corre nas redes sociais um manifesto de doze blogues de Educação a responder à propaganda do Governo (o chamado contraditório) e, a 6 de Junho, deve acontecer a greve às avaliações.

E o que dizer dos números apresentados à pressa em redor do ultimato de Costa, sobre o impacto no Orçamento se o diploma inicial fosse aprovado? A disparidade diferencial foi tanta entre a semântica catastrofista do PM, do ministro das Finanças, Mário Centeno e do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, que era menos anedótico ver Guterres a fazer contas (ver vídeo acima).

Um país falido tem mais encanto na hora da comédia.

Nota finais:

1) A Sábado noticia esta semana que a Câmara Municipal de Lisboa contratou o filho do alegado blogger de Sócrates como assessor, num ajuste directo de mais de 120 mil euros. Há botas difíceis de descalçar…

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2) Onde está o princípio da equidade? Todos os trabalhadores da Função Pública que viram os salários cortados devem ser compensados, mesmo que não seja possível restituir o bolo inteiro. E os do privado? Não merecem ter semelhante benefício?

Se a luta dos professores não for atendida pela Assembleia da República (a tal que recupere 9 anos, 4 meses e 2 dias e não se fique pelos 2 anos, 9 meses e 18 dias), porque razão os seus colegas nos Açores e na Madeira devem ver a totalidade do "tempo perdido" descongelado? Desconfio que o Tribunal Constitucional vai acabar por entrar em cena.


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