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Alcool

A ressaca moral está estragando minha experiência com o álcool

Quanto mais velha, mais ansiosa fico depois de uma noite bebendo.
Madalena Maltez
Traduzido por Madalena Maltez
MS
Traduzido por Marina Schnoor
Foto via Pexels.

Lembro uma das piores ressacas morais que já tive, quase uma década atrás. Eu tinha 21 anos e estava num festival de música. Eu e dois amigos acabamos com uma garrafa de vodca no estacionamento antes de entrar. Lembro de acordar algumas horas depois, deitada de cara na grama. Me levantei e olhei em volta, percebendo que nenhum dos meus amigos estava por perto. Então saí pra tentar encontrá-los, e quando achei o pessoal, comecei a beber de novo. Tenho uma vaga lembrança de tirar a camiseta, exibindo meu sutiã de renda vermelha.

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Quando aquele dia acabou, o amigo que era o motorista da vez nos levou embora e, chegando em casa, caí num sono suado. Sonhei que meus amigos faziam uma intervenção pra mim. Quando acordei, o sonho meio que virou realidade. Não foi uma grande intervenção, mas o amigo que tinha me levado pra casa de carro me ligou e basicamente disse “chega, né?”

Deixando claro, o problema não era que eu estava bebendo constantemente. Era mais uma falta de autocontrole quando eu bebia – que muitas vezes era até o ponto de ter um apagão. Quando eu apagava, valia tudo. Eu ainda estava “funcionando” – andando/tropeçando por aí, falando com as pessoas, dançando –, mas no dia seguinte eu não lembrava o que tinha feito, e muitas vezes tinha feito alguma merda. Naquele festival por exemplo, meus amigos disseram que fiquei andando de sutiã pelo local, roubei batata frita de um estranho e sentei no colo de caras aleatórios. Na verdade, durante aquele período dos meus 20 e poucos anos, essas eram marcas registradas minhas, além de roubar das pessoas e às vezes pedir carona. Mas meus amigos estavam de saco cheio. Eles cansaram de bancar minha babá e de quão imprevisível eu podia ser – jorrando alegria num minuto, inexplicavelmente irritada no outro.

Depois daquele festival, jurei que ia parar de beber até apagar e consegui na maior parte. Mas, com a idade, descobri que as ressacas morais persistem, e parecem estar piorando. Hoje em dia, se exagero, acordo com uma sensação de ansiedade, sentindo que fiz algo errado, mesmo se não for o caso.

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É um sentimento que Sarah Hepola conhece bem. A jornalista de Dallas escreveu um livro de memórias chamado Blackout: Remembering the Things I Drank to Forget, publicado em 2015. Nele ela conta seu vício em álcool, começando nos dias em que ela enchia a cara na faculdade, de um jeito brutalmente honesto, hilário e emocionante.

Hepola, hoje com 44 anos, há oito sem beber, compara ressacas morais à última chamada num bar, quando as luzes se acendem e tudo parece uma merda.

“Acho que o que torna esses momentos tão desafiadores é que você se vê sozinha… tendo que vasculhar esse conjunto de dados”, ela diz. “Como num filme de terror, onde vai ter uma revelação e você pensa 'Esqueci essa parte'. E tudo está acontecendo na sua mente.”

Um dos comportamentos bêbados estranhos de Hepola era mostrar a bunda para as pessoas.

“Se eu estava bêbada o suficiente, eu fazia isso”, contou. “Não era legal. Ninguém achava legal.”

Hepola tinha várias maneiras de lidar com a espiral de vergonha depois de uma bebedeira. Geralmente ela tentava usar uma tática discreta para saber quão ruim a cena tinha sido.

“Eu geralmente mandava mensagem para alguém dizendo 'a festa foi muito legal, né?' E a pessoa costumava responder 'Ah, foi muito legal você ter vindo'. Ou 'Ah, fiquei preocupada com você'.”

Na faculdade, ela e suas colegas de apartamento riam das cenas dela lá pelo meio-dia do dia seguinte. Mas com o tempo, ela foi recebendo mais a resposta “preocupada”, especialmente de pessoas que não bebiam tanto.

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“Acho que talvez a espiral de vergonha acontecia porque eu sabia que tinha alguma coisa errada com o jeito como eu bebia.”

Nem todas as ressacas morais são justificadas. Parte disso é só uma reação psicológica do álcool, um depressor.

“Isso pode ser os resquícios dos efeitos do álcool no seu sistema nervoso”, disse Charlie Glickman, um educador sexual de Seattle, à VICE. “Seu corpo não sabe a diferença entre 'Estou me sentindo deprimido porque algo ruim aconteceu' e 'Estou deprimido porque meu sistema nervoso está exaurido'.”

Glickman também diz que intimidade, seja um encontro casual ou só uma conversa reveladora com um colega que talvez não fosse muito apropriada em retrospecto, pode contribuir para uma ressaca moral. Em se tratando de pegação bêbada em particular, ele disse que mulheres podem se culpar por ter que fazer um “walk of shame", ou "saída da vergonha", em português, expressão que remete ao momento em que você vai embora da casa do crush com as roupas da noite anterior.

“Parte disso tem a ver com slut shaming”, mencionou.

Ele recomenda coisas simples como dormir, se hidratar e comer proteína para ajudar a passar pelo momento ruim, mas também se lembrar que você não é uma má pessoa por se divertir e transar.

Apesar dele achar que a saída da vergonha deveria ser rebatizada de “saída da vitória”, Glickman diz que se você tem ressaca moral toda vez que fica com alguém, “talvez seja hora de repensar suas escolhas”.

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Richard Stephens, um professor de psicologia da Universidade de Keele no Reino Unido, pesquisa ressacas.

Ele disse que a quantidade de álcool que uma pessoa bebe só prevê de 20 a 30% de quanta ressaca a pessoa vai ter, e que coisas como ansiedade e culpa em beber também têm um papel.

“Acho que há probabilidade com base científica dessa ideia de ressaca moral”, ele diz, mas que isso não foi muito estudado. Ele também pontua que não está claro como as ressacas mudam durante a vida, apesar do mito urbano que elas pioram com a idade.

Um estudo de autoria dele, uma pesquisa com 50 mil pessoas, descobriu que jovens têm ressaca com muito mais frequência que pessoas mais velhas, provavelmente por não saberem se controlar, falou o especialista. Mas o estudo não diz para que demografia as ressacas são mais difíceis.

“Pode ser dos dois jeitos. Pode ser que sim, de fato, as ressacas pioram com a idade por causa do declínio do corpo e porque pessoas mais velhas têm mais inflamações crônicas que os jovens.” Mas que também pode ser que ressacas não parecem tão ruins quando você é jovem, porque você não tem muitas responsabilidades. Ou pessoas mais velhas podem simplesmente não lembrar direito quão ruins eram suas ressacas no passado.

Stephens diz que ele está interessado em descobrir em que extensão as pessoas aprendem a moderar seu consumo da álcool através das ressacas.

“Quando a ressaca é uma fonte social útil…? Ressacas são essa quebra natural no consumo de álcool porque todo mundo sabe que exagerou quando se sente péssimo na manhã seguinte.”

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Hepola bebeu por 15 anos. Ela levou dois anos para parar, e acredita que as ressacas morais foram uma motivação.

“Parte disso é que você não consegue mais tolerar viver nessa espiral de vergonha. Ela se torna insuportável”, falou.

Enquanto terminávamos nossa conversa de uma hora, ela me disse que se um dia eu quisesse parar, eu podia ligar para ela. “Muitas pessoas superam isso com a idade, mas você não sabe se vai ser uma delas até que um certo tempo passa."

“Se um dia você sentir que quer parar de beber e precisa falar com alguém sobre isso, pode me ligar. Mas se esse dia não chegar, não se sinta mal com isso.”

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