O futuro de acordo com o PornHub
Gina Valentina e Kira Noir para o Pornhub Nation.

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Sexo

O futuro de acordo com o PornHub

Exposição de arte bancada pelo site pornô celebra a liberdade sexual, mas as intenções da empresa estão longe de uma utopia feminista.

O ano é 2069. Instituições políticas familiares já não existem mais; os países não são mais administrados por governos e sim por grandes corporações. Os EUA foram substituídos por um país pró-sexo em que parques são ornamentados com vegetação em forma de consolo e o Vale do Silício virou uma enorme piscina de bolinhas lotada de implantes mamários. Entre os manda-chuvas temos atrizes pornográficas como Abella Danger, Riley Reid, Joanna Angel e Asa Akira. Bem-vindo, cidadão, à Pornhub Nation — exposição interativa e especulativa em exibição na cidade de Los Angeles.

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“Se Trump foi eleito, tudo é possível”, afirma a artista Maggie West que, junto ao colega Ryder Ripps, recebeu financiamento do Pornhub para criar o conceito e colocar a exposição na prática. West e Ripps vieram com a ideia de uma sociedade utópica, criada pelo Pornhub, que “prioriza a liberação sexual, a busca hedonista pelo prazer e orgasmos em pé de igualdade para todos” através de versões sexualizadas da Galeria Nacional e da NASA – ou ASSA, neste caso. “A sala da ASSA tem paredes de fibra ótica e dois astronautas no teto transando”, disse West. “Trata-se de um programa especial dedicado ao sexo interestelar, a única missão é transar”.



O DMV, espécie de DETRAN norte-americano, já é conhecido por pelo sadismo de suas longas filas e atendentes malcriados, mas aqui ele ganha uma reforma safadinha e é re-batizado como “Domination Masochistic Vroom Vroom”: “Trata-se de uma câmara de tortura BDSM que toca música industrial a volumes altíssimos, decorada com pôsteres do tipo ‘Não chupe rola e dirija’”, explica West. Outras partes da Pornhub Nation incluem um cômodo cheio de “flora peniana”, 467 brinquedos sexuais que mudam de cor de forma semelhante a flores e um foguetão de 3,5 metros em forma de piroca.

A exposição destaca a importância – e urgência – da postura pró-sexo numa época em que constrangimento à mulheres por seu comportamento sexual e violência baseada em gênero podem muito bem ser ligadas à Casa Branca. Promover o livre arbítrio sexual é um aspecto necessário do combate à violência e assédio; “As pessoas deveriam ser livres para fazer o que quiserem com seus corpos”, afirma West. “Se querem fazer sexo de diferentes maneiras, ser ator ou atriz pornô ou se exibir via webcam; não acredito que a escolha deva vir de qualquer um que não o indivíduo”.

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Coleção Hood By Air primavera/verão 2017. Foto de Kate Warren o Washington Post cedida por Getty Images

Mas a ideia do Pornhub enquanto embaixador de políticas sexuais feministas compreensivelmente causou algum espanto. Ao longo dos últimos anos, o site adulto tem se promovido como uma organização promotora da igualdade, sendo assim um membro efetivo do zeitgeist cultural; bolsas de estudo, plataformas de educação sexual e agora o investimento na arte são só algumas das empreitadas filantrópicas da empresa, que também se meteu em diversas colaborações com o mundo da moda: a grife nova-iorquina Hood by Air firmou parceria com o Pornhub para a criação de sua coleção Primavera/Verão 2017, e neste mesmo ano de 2017, a Richardson contou com o infame logo do Pornhub em camisetas, jaquetas e roupas de banho. Há até mesmo uma loja de roupas online que vende camisetas, chapéus, toalhas e até meias, tudo da marca Pornhub.

Apesar destas iniciativas, é difícil deixar de lado o fato de que o Pornhub lucra em cima de indústria com histórico de péssimas práticas até mesmo na garantia do consentimento por parte de atrizes. “O sexismo é um problema relevante em todos os setores, não só na pornografia”, afirmou Giovanna Maina, co-editora de Porn After Porn, livro sobre uma pornografia não-normativa, e editora-conselheira de Porn Studies. “Mas como podemos falar sobre a empreitada filantropa do Pornhub? É justo sermos críticos, não podemos só aplaudir a empresa por celebrar a sexualidade feminina. Mas ao passo em que é importante ser meio cético, é importante também considerarmos que algo de bom pode vir daí”. Exposições como a Pornhub Nation podem ajudar a normalizar formatos alternativos de pornografia, de acordo com Maina, por mais que seja parte de uma estratégia de marketing.

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O Pornhub leva adiante o discurso feminista que prega? Os dados falam por si. Ao passo em que Pornhub Nation garante “orgasmos em pé de igualdade para todos”, esta é uma promessa que o Pornhub de hoje não consegue cumprir. Ao apoiar projetos como Pornhub Nation, a empresa de esquiva dos encontros sexuais desequilibrados e por vezes violentos que fazem parte do conteúdo disponibilizado no site. Um estudo publicado pelo The Journal of Sex Research em abril deste ano mostra que, apesar da postura contra violência sexual do Pornhub, agressões visíveis foram encontradas em pouco menos de 40% das 269 amostras hospedadas na plataforma da empresa, com 1 em cada 10 exibindo agressão não-consensual.

Não que não existam mulheres fortes e empreendedoras no setor, claro que existem. Atrizes como Stoya e Asa Akira são só dois exemplos de mulheres que argumentaram contra a ideia de que filmes adultos são inerentemente exploradores, além do que a produção de pornografia ética e feminista vem crescendo no setor. Por mais que a Pornhub Nation imagine atrizes pornográficas como presidentes, muitas grandes empresas do ramo, incluindo o próprio Pornhub, são comandadas por homens, ou são propriedade destes; Pornhub Nation “despreza hierarquias sociais”, ainda assim o Pornhub conta com vídeos que reproduzem estereótipos racistas.

Mas um país gerido pelo Pornhub seria mesmo parecido com o que rola na Pornhub Nation? Provável que não. É hora de falar o óbvio: o Pornhub é uma empresa que visa lucros e age assim. Não é um movimento social e enquanto estereótipos racistas continuam sendo perpetuados em sua plataforma, bem como a violência sexual de maneira normalizada, o Pornhub não tem nada a ver com qualquer utopia feminista. É ótimo ver a indústria bancando exposições pró-sexo, voltadas a mulheres que celebram igualdade e liberdade sexual, mas cabe dar um passinho para trás e questionar: quem ganha com isso?

Matéria originalmente publicada na VICE US.

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