VICE entrevista: Vitor Belfort
Lenda das artes marciais mistas, Vitor Belfot deve se aposentar no próximo sábado, aos 41 anos. Foto: UFC

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VICE entrevista: Vitor Belfort

Aos 41 anos, o lutador se prepara para a última luta no UFC. Será que há vida depois do octógono?

É piada comum: na cerimônia de abertura das lutas, muitos dizem que Vitor Belfort dispensaria apresentações dos locutores. O nome e o rosto falariam por si só.

A brincadeira tem seu fundo de verdade. Belfort é um dos grandes caras das artes marciais mistas. Faixa preta de jiu-jitsu sob a tutela de Carlson Gracie, faixa preta de judô, faixa roxa de karatê e cabuloso no boxe, ele ganhou, na juventude, o singelo apelido de "Fenômeno".

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E de fato o cara é quase um Ronaldo do octógono: tem um cartel, só no MMA, de 40 lutas e 26 vitórias, e ostenta o cinturão dos meio pesados tanto no UFC (Ultimate Fighting Championship), em 2004, quanto do Cage Rage, em 2007.

Mas, como furacões, cataclismas e outros fenômenos naturais, uma hora a força destrutiva acaba. Por isso o carioca se prepara para sua última investida no UFC no sábado, 12 de maio, contra o baiano Lyoto Machida, outro grande nome da modalidade.

Às vésperas de sua última luta, Belfort conversou com VICE Sports sobre sua aposentadoria, os rumos que a modalidade pode seguir, a perda da sua irmã, o levante de violência pelo mundo e também sobre os auges de sua trajetória.

Foto: UFC

VICE Sports: Como está a preparação para sua próxima luta, a sua última?
Vitor Belfort: Ela tá ótima, cara. Eu tô feliz, tô contente. A preparação é algo que você faz no dia a dia e exige um processo. Eu sou um cara muito feliz no que estou fazendo.

E como será o futuro após os ringues?
A gente se prepara, mas às vezes as coisas acontecem. Tem tantas coisas que mudam neste processo e eu sou muito aberto a essas mudanças. Eu sou muito livre. Para mim é o melhor momento da minha vida, o melhor ainda está por vir. Meu octagon não tem grade e eu estou muito seguro não só como atleta, mas também como empreendedor, porque no final das contas o lutador é um empreendedor, mas muitos de nós não veem isso.

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Como assim empreendedor?
O grande problema do atleta é que se ele tá na quadra, no caso do vôlei, do basquete, do futebol, ele não consegue sair desse meio. Acho que eu consegui transcender o meu meio, principalmente no Brasil. Fui o cara que levou o esporte para a televisão aberta, fui o responsável de apresentar o UFC para a Globo. Não vejo como ponto final e sim como uma vírgula para a próxima jornada. E não vejo a hora dela chegar. Estou contente, animado, me preparando com muita alegria.

O nocaute mais emblemático de Belfort talvez seja em 1998 contra outro brasileiro. A chuva de socos que ele aplicou em Wanderlei Silva fez o adversário atravessar de um lado a outro do octógono. O relógio marcava 37 segundos de luta e, numa abertura breve de guarda do seu opositor, o carioca disparou uma sequência de dez cruzados e diretos até o encurralar na grade e acertar pelo menos mais quatro golpes na queda. O juiz encerrou o combate aos 44 segundos do primeiro round.

Você tem uma rotina de treino de preparação para as lutas e para se manter em forma que deve ser bem puxada. Você pensa em manter uma frequência de treinos?
A academia que eu abri, a Belfort Fitness Lifestyle, já era um projeto que eu vinha preparando há alguns anos. A gente acabou de lançar, estamos abrindo franquia e estamos trazendo para o Brasil no ano que vem. O conceito é poder dividir com as pessoas aquilo que eu vivi durante toda a minha carreira, o que eu aprendi, o que eu fiz de errado. Vou poder mostrar para pessoas comuns que a vida é um treinamento, é uma preparação diária.

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Você estreou na 12ª edição do UFC e vai se aposentar na 224ª . Todos concordam que você é um dos nomes importantes da modalidade. Como você vê tudo isso?
Eu olho com muita gratidão. Pelo que o esporte me proporcionou e pelo o que eu proporcionei ao esporte. Foi um relacionamento de utilidade muito bom, onde eu me doei e eles se doaram. Essa geração está colhendo os frutos do que a minha geração plantou, pagou o preço. Acho que a conscientização do esporte precisa ser mais inserida porque vejo hoje não muito como esporte e mais como entretenimento. Alguns valores estão sendo estabelecidos. As pessoas que ditam as regras que vão detectar quem tem mais valor e quem tem menos valor. Pra mim é um prazer estar vivendo este momento.

Como lutador, você já passou ou está no seu auge?
Eu tive vários momentos, né? Estou feliz de poder estar lutando com alto rendimento.

Uma das suas principais características é a explosão. Aquele chute no Bisping, a sequência de socos no Wanderlei Silva. Hoje você conseguiria dar aquela sequência de socos como a do Wanderlei se tivesse oportunidade?
Com certeza. Luta é feita de momentos, eu sei bem quando ele aparece.

Qual foi o nocaute mais foda da sua carreira?
É difícil saber qual foi o melhor. Seria meio que escolher o seu filho predileto. Todos tiveram o seu valor, o seu momento. Agora vamos fazer acontecer o próximo.

E das lutas, qual foi aquela que você conseguiu executar o que planejou do início ao fim?
Com o Lucke Rockhold foi bem bacana.

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"Acho que o ser humano está contaminado pelo vírus da violência. Isso é um problema mundial."

E a pior derrota?
A mais amarga?

É.
Acho que foi a primeira derrota para o Randy Couture.

Outra vitória emblemática aconteceu 15 anos depois, em 2013, contra o norte-americano Lucke Rockhold. O adversário de Belfort fez provocações e deu aspas polêmicas como “adorar a cabeça de Belfort numa bandeja de prata” antes do combate. Eles se enfrentaram na cidade catarinense de Jaraguá do Sul e, com um chute giratórioseguido de alguns socos, o brasileiro liquidou a fatura em 2 minutos e 32 segundos. O nocaute rendeu dois prêmios, um do World MMA Awards e outro da Sports Science Newton Awards.

E fora do ringue?
A perda da minha irmã. Foi a mais dolorosa da minha vida.

Como você lida com isso hoje?
O desaparecimento não é crime. As coisas relacionadas ao desaparecimento são crimes e há tráfico de órgãos, prostituição, prostituição infantil e a própria maldade do sequestro com recursos de crueldade. A gente vive em uma sociedade em que as pessoas necessitam de proteção, cuidado e recursos humanos e as vítimas não têm isso. O mundo está com extrema dificuldade de entender isso e eu consegui entender isso, porque eu vivi.

Foto: UFC

Mas você enxerga isso como uma tendência mundial?
Infelizmente, sim. Nos Estados Unidos as escolas estão sofrendo atentados, alguns deles cometidos por crianças. Acho que o ser humano está contaminado pelo vírus da violência. Isso é um problema mundial.

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É interessante falar sobre isso porque muitas pessoas falam do UFC e de lutas em geral como um propagador da violência. Como você enxerga isso?
Eu não diria que a gente é um esporte, não. Somos mais um entretenimento. Se a gente fosse um esporte, seríamos tratados como atleta e não somos tratados como atletas. Vivemos mais do entretenimento, por isso tem essa busca por personalidades que estão aí e queimam o filme, como é o caso do Conor McGregor. É o limite disso.

Quais são os riscos reais?
Um pode morrer, acontecer alguma coisa mais grave. A gente chegou num momento de transição: ou a gente vira um circo com vários palhaços ou a gente vira um esporte.

E qual o caminho que você acha que está mais fácil de acontecer?
Eu não sei. Isso depende de quem está no controle da organização, das pessoas que formam as opiniões lá dentro, de quem toma as decisões, dos conselheiros. Elas que têm maturidade para tomar uma direção.

"A gente chegou num momento de transição: ou a gente vira um circo com vários palhaços ou a gente vira um esporte."

É muito difícil para um atleta, inclusive de lutas, se aposentar no auge. Como você avalia isso, já que disse que teve vários pontos altos?
A gente não sabe o dia de amanhã, não temos controle sobre as situações. Acho que temos que estar focados no que temos controle. A derrota ou as dificuldades passam por esse processo também. Transformo isso, aprendo a reescrever minha vida a partir dessas histórias. Essa é a maestria da vida, saber lidar com os nossos fracassos do dia a dia e transformá-las em coisas que possam trazer alegria ou pelo menos por outra perspectiva.

As derrotas ensinam também, né?
Sim. Alguns aprendem e outros não.

Tem alguma coisa que você não consegue fazer há muito tempo que pretende fazer quando se aposentar do octógono?
Acho que terei mais tempo para me dedicar aos negócios. Quero alavancar cada vez mais. O meu intuito é fazer com que as pessoas possam ter o controle de suas vidas e fazer um mundo melhor com as ferramentas que estão ao meu alcance na minha academia. Quero ensinar as pessoas a cuidarem do corpo e da mente.

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