Uma jornada ao centro da teoria da Terra oca

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Uma jornada ao centro da teoria da Terra oca

“Claro que os teóricos da Terra plana estão errados, o mundo é uma esfera e é oco.”

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE Canadá .

Teóricos da conspiração têm uma má reputação hoje em dia, e fizeram por merecer. Mas nem sempre foi assim. Lembro que não faz tanto tempo, quando eu trabalhava no turno da noite na indústria do petróleo, matávamos tempo assistindo Coast to Coast AM com George Noory. Se você nunca ouviu falar desse programa, ele pode transformar até a conversa de rádio mais chata em um mundo maravilhoso de fantasia — ele era inocente de um jeito que se perdeu para os maníacos do YouTube gritando sobre conspirações racistas ou que estão colocando coisas na água que estão deixando os sapos gays.

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Uma noite, um pouco mais de cinco anos atrás, enquanto eu procrastinava com meus colegas de trampo, lembro de ouvir algo que parecia absurdo até para o Coast to Coast – um teórico da Terra oca. O homem, cujo nome não me lembro, falava sobre outro mundo que existia dentro do nosso. Lá embaixo havia outro sol, lindos vales, uma ou duas tribos perdidas de Israel e dinossauros.

Dinossauros!

Duas das ilustrações originais de Edouard Riou para o livro de Júlio Verne Jornada ao Centro da Terra .

Sério, se tem outro mundo dentro do nosso, quem não ia querer sair dessa fossa que habitamos atualmente para viver num glorioso submundo? Então, numa tentativa desesperada de escapar do inferno que é nossa sociedade moderna, decidi mergulhar de cabeça na rica história da teoria da Terra oca e falar com algumas pessoas que acreditam nisso hoje.

Agora, essas teorias são numerosas e geralmente longas, significando que, sob ameaça de morte do meu editor, não posso cobrir todas aqui (felizmente, se você ficou com sede de mais teóricos da Terra oca, Will Storr escreveu um resumo longo pacas das histórias da teoria — incluindo mais da glória do Coast to Coast).

Então por que não começar com uma versão mais CliffNotes da Terra oca, né?

O padrinho do movimento é Edmund Halley, o cara que ficou famoso pelo Cometa Halley. O cientista do século 17 propôs que a Terra era oca e que a crosta externa (que eu e você chamamos de lar) tem cerca de 800 quilômetros de espessura e anéis dentro dela. A Terra, segundo Halley, parece tipo um alvo de dardos quando dissecada. Ele teve essa ideia pelas leituras irregulares de bússolas perto dos polos, então propôs que a existência desses mundos internos é o que estava bagunçando o magnetismo da Terra.

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A ideia inicial de Halley atualizada. Foto via Flickr.

A ideia ficou fermentando naquele estado por quase um século, recebendo apenas adições mínimas. A próxima grande atualização à teoria veio no começo dos anos 1800, quando o soldado e acadêmico John Cleves Symmes Jr. propôs que havia várias entradas para o centro da Terra.

"Declaro que a Terra é oca e seu interior é habitável; contendo várias esferas sólidas concêntricas, uma dentro da outra, e é aberta nos polos em 12 ou 16 graus; juro defender essa verdade com a minha vida, e estou pronto para explorar o interior se o mundo me apoiar e ajudar nessa empreitada", escreveu Symmes em 1818.

Avançando a fita para o século 20, a ideia perdeu um pouco do gás quando foi basicamente derrubada (pela primeira vez) por cientistas intrometidos. Mas como acontece com muitas teorias, a Terra oca conseguiu sobreviver a tudo isso. A teoria continuou, claro, mas foi apropriada essencialmente pela comunidade de ficção científica — pense em Jornada ao Centro da Terra de Júlio Verne e coisas do tipo. Autores como Verne e William R. Bradshaw colocaram a visão de um mundo interno habitável no consciente do público. Essa ideia coagulou com as propostas de Halley e Symmes num híbrido que continua até hoje.

Uma foto tirada pelo satélite ESSA-7, que os teóricos da Terra oca acreditam provar a abertura no polo.

As teorias variam, mas uma descrição típica do que os simpatizantes modernos da Terra oca defendem é que o interior do planeta consiste de vários meios ambientes, pontuados por animais exóticos e extintos, e, às vezes, alienígenas. Em muitas dessas teorias, os habitantes desse mundo interno são superavançados ou alcançaram um tipo de utopia. Outros dizem que o mundo interno foi colonizado por exploradores perdidos — em quase todas as teorias, os mundos internos são apresentados como muito superiores ao nosso.

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Não é surpresa que alguns ainda se agarrem à teoria da Terra oca porque, para muitos, as teorias modernas têm uma abordagem religiosa. Essas teorias, tipicamente, dizem que as Tribos Perdidas de Israel habitam o interior da Terra. Um autor chamado Rodney Cluff escreveu em seu livro de 2008, Our Living Hollow Earth, que as tribos foram trazidas para o interior da Terra que é onde, apropriadamente, ficam o céu e o inferno.

Para entender essa ideia um pouco melhor, liguei para Cluff para bater um papo. Ele me disse que chegou à teoria quando jovem, depois de ser introduzido a um livro de Raymond Bernard chamado The Hollow Earth. Isso colocou Cluff numa jornada para analisar "evidências científicas, espirituais e históricas" que ele acredita que provam que a Terra e os outros corpos celestes são ocos. Cluff acredita, sem sombra de dúvida, que há outro sol no centro da Terra e que há pessoas habitando o interior do nosso planeta.

Uma carta de um soldado de um U-boat alemão que, segundo Cluff, teria alcançado o interior da Terra.

"Os alemães são algumas das pessoas que moram no centro da Terra — refugiados da Segunda Guerra Mundial — e os colonos vikings da Groelândia", disse Cluff à VICE. "Claro, também deve ter alguns inuítes lá embaixo, porque sempre que perguntam de onde eles vieram, eles apontam para o norte e dizem que são da terra onde o sol nunca se põe."

Mas não é fácil ser um teórico da Terra oca — segundo Cluff, o número de pessoas que realmente acredita na teoria está caindo lentamente. Isso provavelmente porque teorias da conspiração se tornaram abundantes nos últimos tempos. Apesar de a Terra oca ter uma vibe old school — poucas teorias superam sua longevidade — ela não é tão sexy e atual quanto o que você encontra, por exemplo, no Infowars. Quem quer procurar por um mundo interno quando pode se revoltar com o presidente Trump criando campos de concentração FEMA em estacionamentos, ou tentar expor um cartel de exploração sexual infantil comandado do porão de um pizzaria em Washington?

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Parece que essa é a alternativa mais descolada à teoria da Terra oca. Foto via screenshot.

E não existe um lugar onde os teóricos da Terra oca podem se organizar e recrutar, já que eles não possuem grandes fóruns sobre o tema atualmente — eles foram abandonados algum tempo atrás. Cluff me disse que o grupo costuma se comunicar por e-mail e que eles têm uma presença no YouTube. Mas quando o grupo entra em fóruns como o godlikeproductions ou outros sites de teorias de conspiração, eles podem ter problemas em se dar bem com os outros. Eles geralmente são zoados por caras de teorias mais da moda (sim, se você estava imaginando, tem uma hierarquia entre teorias da conspiração). Para resumir, há rusgas com o pessoal da teoria da Terra plana, que está bombando recentemente, porque uma teoria torna a outra redundante. "Os teóricos da Terra plana obviamente estão errados, o mundo é uma esfera e é oco", disse Cluff. "Acho que os caras da Terra plana não têm base nenhuma, mas respeito as opiniões deles. Não gosto de zombar dos outros."

Apesar de estar perdendo impulso, a velha guarda de teóricos da conspiração resiste. Cluff me disse que viu provas ou falou com mais de dez pessoas que chegaram ao interior da Terra — incluindo um operador de U-boat alemão e um almirante que entrou com seu avião na abertura polar da Terra. Cluff nunca esteve no interior, mas não por falta de tentativas. Há séculos, intrépidos teóricos da Terra oca procuram entradas para o centro — e alguns dizem que encontraram. E a busca que continua até hoje.

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Foto via screenshot.

A tentativa mais famosa da era moderna foi a proposta da Viagem à Terra Oca, que devia acontecer em 2007. Cluff e outros teóricos estavam tão certos do sucesso da expedição que até fizeram um itinerário para a viagem. Custava cerca de US$20 mil [cerca de R$ 60 mil] para participar da jornada, que deveria acontecer entre 26 de junho e 19 de julho de 2007, partindo de Moscou no terceiro dia (os dois primeiros dias estavam reservados para passeios e visitas a pontos turísticos). No quarto dia eles voariam para Murmansk, Rússia, onde embarcariam num navio quebra-gelo russo e fariam a viagem até o Polo Norte. Chegando lá, eles passariam três dias procurando pela abertura.

A coisa fica, bom, um pouco excêntrica depois disso. Da abertura eles "viajariam pelo Rio Hiddekel até a Cidade de Jehu", depois pegariam "um monotrilho para a Cidade do Éden para visitar o Palácio do Rei do Mundo Interno". Depois de passar algum tempo no Éden, eles fariam a viagem de volta. Se — Deus que me perdoe — eles não encontrassem a entrada, eles tinham um Plano B.

"Se não pudermos achar a abertura polar, retornaremos através das Ilhas da Nova Sibéria para visitar esqueletos de animais exóticos originários da Terra Interna", diz uma nota no final do itinerário.

Infelizmente, o plano da expedição nunca se concretizou. Um dos líderes, Steve Currey, morreu de câncer no cérebro, explicou Cluff. E a má sorte continuou: segundo Cluff, outro líder morreu depois que seu avião bateu numa montanha, e um terceiro teve que se retirar do projeto, porque seu principal investidor ameaçou tirar dinheiro da empresa dele se ele não abandonasse suas crenças na Terra oca. O grupo tentou mais algumas viagens, mas os planos não deslancharam. Dito isso, Cluff não se opõe a outra tentativa — eles só precisam de um líder, que não eu msmo, me disse Cluff, porque ele é um escritor, não um aventureiro.

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"Há muita gente por aí. Muita gente mostrou interesse na nossa expedição se conseguissem decolar", disse Cluff. "Sei que tem muita gente interessada, claro que não milhões de pessoas, mas talvez milhares."

Bom, pode me incluir na próxima expedição, seu Cluff — porque eu seria louco em não trocar nosso mundo moderno por tribos perdidas, vikings e dinossauros. Com toda essa merda partidária voando por aí hoje, é difícil lembrar a última vez em que essas teorias eram populares porque falavam diretamente com sua criança interior, não com seu babaca interior.

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Tradução: Marina Schnoor

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