J Hus ae Koj Funds
J Hus (esq.) and Kojo Funds. Fotos: Olivia Rose/Divulgação e Rankin/Divulgação

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Música

O Afroswing é muito mais do que uma moda passageira

O aglomerado de sonoridades do oeste africano e da diáspora caribenha no Reino Unido merecem mais que 15 minutos de fama.

É precisar o momento em que os afrobeats ganharam o mainstream no Reino Unido — mas é fato que o nigeriano D’banj ajudou a colocar tal sonoridade em evidência. Seu hit “Oliver Twist” serviu de trilha pras 250.000 pessoas que ali estavam durante a queima de fogos da virada do ano de 2011. Passados quase oito anos, encerra-se um ano em que a sonoridade pop de Gana e Nigéria, com elementos de grime, rap, hip-hop e até R&B dominaram casas noturnas, festas, playlists no Uber e chegaram às paradas de sucesso. Então seja lá como for a forma como você chama este apanhado de gêneros — afro-bashment, afropop, afroswing, todos com suas características únicas — não dá pra negar que foi um ano e tanto para eles. O simples fato de que familiares seus podem muito bem estar familiarizados com nomes como J Hus, Kojo Funds, prova isso.

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Sendo assim, é claro que podemos perder um tempinho tentando entender como o afrobeats acabou tendo um impacto tão grande na cena britânica, mas há mais o que se pensar agora, ainda mais se levarmos em conta o tanto de artistas alinhados com esse tipo de som que surgiram ao longo de 2018. O que aconteceria se de repente os sons da África ocidental não estivessem mais na moda? Vimos o que aconteceu com o tal tropical house quando surgiu em 2010 — foi anunciado como grande sucesso de 2015, recebendo ampla cobertura em 2016 e então jogado pra escanteio em propagandas e faixas de artistas que você nunca ouviu falar lá meio das listas de 100 melhores. Enquanto a negritude aos poucos se torna um padrão estético cobiçado (como no caso do blackfishing e da pletora de mulheres negras estampando capas de revistas de moda no Reino Unido), uma mudança pode atrasar o lado de um grupo de gêneros que acabou de receber o devido reconhecimento. Ao conversar com especialistas da indústria, do Spotify e de uma grande gravadora, fico com a impressão de que não há um consenso sobre o que tudo isso quer dizer. Mas considerando seu alcance global, a capacidade de viralizar na rede e seus refrões absurdamente contagiantes, com sorte, o gênero veio pra ficar.

Para Parris O’Loughlin-Hoste, responsável pelo cast de artistas urbanos da Sony, o ano de destaque do afrobeats tem uma significância ainda maior. “Há um grupo de jovens africanos e caribenhos de primeira ou segunda geração que cresceram em Londres e outras grandes capitais ouvindo afrobeats ou dancehall, reggae ou o que for durante todas suas vidas”, comenta. “O afroswing, afrobashment ou afropop é só uma amálgama e influência natural do caldeirão cultural de grandes cidades como Londres e Birmingham. Descartar um gênero inteiro como ‘passageiro’ é errado.”

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“J Hus é, possivelmente, um artista definidor do gênero, pioneiro de tudo isso. Ninguém soa como ele, que se mostra claramente influenciado por afrobeats/dancehall e bashment em suas melodias. NSG, Belly Squad, MoStack, Lotto Boyzz, Tion Wayne, Yxng Bane, Maleek Berry, Juls todos são nomes de sucesso da diáspora no Reino Unido e a lista é imensa, relevando uma solidificação na cena, um fenômeno global de artistas que desafiam categorização, mostrando o quão bem-sucedidos podemos ser ao representar a influência da cultura britânica em nossas culturas ‘nativas’.”

Os nomes mencionados por Parris servem como alerta para um dos obstáculos à compreensão da profundidade do impacto do afrobeats na cena britânica: repare no tanto de subgêneros. Um dos maiores desafios durante esta ascensão deriva da tentativa de fazer com que os selos ou mídia não definam estes gêneros híbridos por completo. “Como esperar que gravadoras e rádios respeitem nossa diversidade de sons se nós mesmos não conseguimos classificá-los para consumo global?” questiona Tunde Ogundipe, responsável por Música e Cultura Africana do Spotify, via email. “Quando estes questionamentos puderem ser respondidos por quem lidera o movimento, entre artistas e gravadoras, creio que estaremos em um lugar melhor para discutir tudo isso.”

Considerando estes fatores, é válido afirmar que alguns artistas deixaram já sua marca no gênero. Burna Boy teve um 2018 incrível, especialmente com o lançamento de Outside. J Hus lançou o sucessor de Common Sense, que fora aclamado pela crítica, um EP intitulado Big Spang, por mais que agora esteja na prisão, condenado a oito meses por uma acusação envolvendo facas. WizKid foi headliner do AfroRepublik no O2 em maio, atraindo um público de 20.000 pessoas e esgotando ingressos. Em entrevista para o The Guardian, Yomi Adegoke falou sobre como a essência da música negra britânica consiste na mistura de sons ao longo das mais variadas classes e culturas, o que explica porque artistas como Kojo Funds e Burna Boy podem lançar sons que se encaixam como bashment ou afrobeats um na esteira do outro, sem que isso pareça esquisito.

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Agora, vamos focar nas qualidades virais do gênero, mais especificamente o caso de “Ye”, de Burna, que virou queridinha do Twitter nas mãos do londrino Osh com sua versão intitulada “My Yé is Different To Your Yé”. Por um lado, o sucesso viral é um reflexo de como visibilidade e redes sociais andam juntas, em que lançamentos únicos ajudam gente como Osh a tirar o máximo da popularidade em redes como Twitter e Instagram — neste caso, Sony/Columbia cuidaram do lançamento digital de “My Yé”. Mas o sucesso viral tem um lado ruim, considerando que mensurar seu impacto é complicado — quanto um meme vale para uma gravadora? De qualquer forma, a capacidade de um artista de criar ligações com milhares de pessoas na internet ainda é indicativa da verdadeira renascença pela qual passa a música negra britânica. Tunde, porém, acredita que os fãs não dão a mínima pra esse tipo de coisa, ao seu ver, a abordagem viral bem-humorada pode ter curta duração. “Por mais que muitos artistas de “afroswing/bashment/wave e pop me intriguem agora, o tempo dirá quem sairá por cima em 2019. Acredito que muitos que prosperaram na base do hype no último ano terão que provar sua relevância.”

A natureza do afropop recente, por sua vez, se volta mais a singles, remixes e quem sabe EPs. O Not3s, por exemplo, ainda não lançou um álbum, apesar de já ter duas mixtapes disponibilizadas. “Addison Lee” e “My Lover” abriram o caminho, com esta última chegando ao 14º lugar nas paradas britânicas. O problema da falta de discos de afropop é que, com o tempo, quando pararmos para analisar este momento, talvez não tenhamos um cânone que sirva de referência; se Common Sense de J Hus é o padrão, o que veio depois é quase como uma playlist de singles lançados por vários artistas em vez de uma série de álbuns seminais.

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O trabalho de produtores como JAE5 e Juls também tem relevância. Críticos do emaranhado de subgêneros muitas vezes dizem que “tudo soa parecido”, fazendo referência ao sample de xilofone que surge na maioria das melodias, mas contanto que os produtores sigam inovando, isto não precisa ser um sinal de futuros desastres. Diferente do UK funky da década passada — misto de grime e house funkeado que não se deu lá muito bem, com exceção de sucessos como “Migraine Skank” — o afropop encontrou seu lugar ao sol nas paradas britânicas, atingindo um público que compõe menos de 10% da população do país.

Pode-se argumentar que artistas puramente pop como Lily Allen, que participou em “Heaven’s Gate” de Burna Boy e também brincou com sonoridades afroswing, podem encarar estes subgêneros como algo de momento. Mas para os artistas negros que cresceram ouvindo D’banj ou Fuse ODG, é algo mais duradouro. “Nomes como Afro B ganharam o mundo. Você não tem como aparecer num show do Wizkid em Nova York em que rola o remix do seu som, o maior sucesso do verão, sem que ninguém reconheça a força do gênero”, afirma Parris. “Só tende a crescer — o elemento pop é o que me empolga mais, por conta de como é fácil para toda uma geração de pessoas se identificar com isso.”

Tunde é mais reticente em suas declarações, comentando como seria fácil para o afrobeats se perder caso os artistas esqueçam da especificidade e nuances de suas raízes. “Não há quase nenhuma ligação entre o afrobeats e a enorme variedade de discos de pop e dancehall africanos sendo lançados hoje — fora gente como Burna Boy, que regularmente utiliza elementos desta sonoridade em suas músicas”, comenta. “A falta de educação musical ou mesmo veneração da história musical africana por parte dos criadores leva à confusão generalizada, especialmente no ocidente. Agora que muitos artistas assinaram com grandes gravadoras, estes terão excelentes oportunidades e possivelmente terão que abrir mão do controle criativo. 2019 certamente será um grande ano para a cena afrobeats britânica, porém. E sabe-se lá qual será o ‘Oliver Twist’ de 2019.”

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Matéria originalmente publicada no Noisey UK.

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