No game do skate, quem ganha e quem perde com a modalidade olímpica?
Luan Oliveira, aposta brasileira para as Olimpíadas, prestes a encaixar um switch frontside flip sobre o cano em etapa do Street League at X-Games em Foz do Iguaçú. Foto: Matriz Skate

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No game do skate, quem ganha e quem perde com a modalidade olímpica?

Pessoas que competem e cobrem o esporte debatem os prós e contras da estreia nos Jogos de Tóquio 2020.

A notícia sobre a estreia do skate nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 vem gerando vários debates na comunidade amante da prática. Alguns sustentam que, por sua raiz na contracultura, o esporte não deveria ser absorvido mecanicamente pelo espetáculo. De outro lado, atletas se vêem na chance inédita de gerar dinheiro, alcançar o estrelato e representar o seu país fazendo aquilo que gostam.

No meio disso, surge a preocupação com os critérios de julgamento dos campeonatos – o que conta mais: técnica ou estilo? – e o embate comercial entre marcas especializadas e os big players que recentemente apostam no setor. Será que estão tentando domar o skate?

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São debates que refletem as preocupações atuais do cenário. Lá na gringa, os caras até fizeram petição solicitando que o skate não seja considerado esporte olímpico. “Skate não é um ‘esporte’ e nós não desejamos que ele seja explorado e transformado para se enquadrar no programa olímpico”, escrevem em parte do texto. Tony Alva, lenda máxima do skate old school, endossou sua posição similar em depoimento ao site Highsnobiety: “Eu sempre disse que a Olimpíada precisa de nós muito mais do que precisamos dela. O skate, enquanto forma de arte criativa, não pode estar associado à corrupção política e os lucros buscados pelo Comitê Olímpico Internacional.”

Alva bate lá embaixo: “Os Jogos Olímpicos em geral são sobre os ricos ficando mais ricos. Os países pobres e subdesenvolvidos são vítimas deste pretenso progresso. A lista é longa, Grécia, China, Rússia e, recentemente, o Brasil. É um longo maldito rastro de violações dos direitos humanos e da justiça. Fodam-se os cuzões corporativos do Comitê Olímpico. Os atletas são as únicas pessoas com alguma alma naquilo. E eles também são explorados por todos os motivos errados. Seja verdadeiro, boicote a Olimpíada.”

O investimento de gigantes do esporte no skate inclui a formação de equipes próprias que já absorvem boa parcela dos atletas de alto desempenho no rol dos campeonatos. Uma das discussões é sobre como isso impacta as marcas nascidas e crescidas com o esporte e suas equipes. “Sempre existiu quem tentou surfar no momento do skate”, opina o skatista e jornalista Filipe Maia, colunista da revista Cemporcento Skate e dono do site Trocando Manobras. “No final dos anos 1980, a Pepsi tinha um time de skate, por exemplo. E quem não se lembra do time da Nescau, indo nas escolas, nos anos 90?”.

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“Precisamos enxergar o lado do skatista também quando uma Nike chega pagando 30 mil dólares pra ele andar de skate enquanto recebia 500 dólares, e olhe lá, da marca core” - Filipe Maia

Na visão de Filipe, as corporações fazem um trampo muito bom. "Muito bom mesmo. Tão bom que até mesmo os caras core da cultura são das marcas, usam seus produtos. Mark Gonzales é da Adidas, e o Lance Mountain é da Nike. Eles são menos skatistas por isso? Hell no.”

Os investidores vindos de fora, no entanto, afetam um mercado tradicionalmente de nicho e especializado. As marcas chamadas core, que durante muito tempo só concorreram entre si, agora se encontram na necessidade de repensar velhas táticas.

Os peixes-grandes não começaram a voltar seus olhares para o skate à toa. Edições dos últimos anos dos campeonatos mundiais Street League e X-Games, por exemplo, contam com uma infraestrutura ímpar e nível atlético impressionante. No skate, que está num de seus melhores momentos nesse aspecto, não dá pra ser ídolo só fazendo pose. Tem que andar pra caralho mesmo. Torneios como tais se tornaram um verdadeiro show de talentos.

Leticia Bufoni, atleta da Nike e integrante da Seleção Brasileira, na final do SLS Women's Super Crown.

O Luan Oliveira é ídolo da nova geração porque anda num nível que extrapola parâmetros, assim como o seu frequente rival Nyjah Huston, também da Nike. Na categoria feminina, a Leticia Bufoni não ganhou fama por acaso ou aparência. A mina destrói de verdade. “Precisamos enxergar o lado do skatista também quando uma Nike chega pagando 30 mil dólares pra ele andar de skate enquanto recebia 500 dólares, e olhe lá, da marca core”, acrescenta Filipe Maia. “Isso a gente tem que levar em conta. E aqui no Brasa, então? Skatista ganha patrocínio só em peça, aí chega uma Oi da vida querendo colocar 15 mil na mão dele. Eu acho que tem mais é que aceitar mesmo.”

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Fábio Bitão, skatista e fotógrafo do skate há mais de 25 anos, não vê negativamente a ideia em si do skate olímpico. No entanto, fica preocupado com o rumo que a operação envolvida pode tomar. “A minha questão é o que isso vai trazer pro skate, de verdade, pra todo mundo que vive dele. Eu fotografo skate faz tempo, cara, e não recebi um ‘oi’ de ninguém, sabe? Esse tipo de coisa”, critica. “Queria saber se o Daniel Kim, por exemplo, será chamado pra ser o preparador físico da Seleção Brasileira de Skate, saca?”. E conclui: “Estou vendo que, das pessoas que fizeram o skate acontecer aqui nos últimos anos, ou décadas, ninguém vai ser chamado ou vai tirar proveito dessa situação. Poucos vão participar da parada. Mas a cultura do skate nunca vai ser prejudicada, acho que isso jamais aconteceria.”

Para o skatista profissional Léo Fagundes, a entrada do skate na Olimpíada pode fazer parte de um plano maior das marcas altas para controlar o mercado e o passe dos atletas. O que acontece é que como essas marcas têm muito poder, elas conseguem chegar dominando o mercado e, consequentemente, isso vai detonando as marcas mais underground. As verdadeiras marcas de skate, aquelas que estão só no mundo do skate”, argumenta ele. “Todo skatista sempre quis ganhar dinheiro andando de skate, e nunca foi uma parada muito fácil. O problema é que o domínio das grandes marcas pode deixar o skate muito artificial.”

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"O problema é que o domínio das grandes marcas pode deixar o skate muito artificial" - Léo Fagundes

E o estilo, como fica?

Com a notável evolução técnica dos campeonatos, coisa que certamente veremos nos Jogos Olímpicos de Tóquio, o skate assumiu uma plasticidade única, em que a precisão, velocidade, extensão percorrida ou transposta, criatividade das sequências, aproveitamento da pista, quantidade de manobras e altura dos saltos de certo serão julgados hermeticamente. O lance do estilo, tão louvado pelos skatistas, também deverá contar, mas talvez não mais enquanto nota de corte, como em décadas passadas. “O estilo nunca vai morrer no skate”, contesta Fagundes. “No skate core é o que conta. Não sei se os juízes realmente esqueceram desse ponto do estilo. Acho que pode ter se perdido um pouco dessa essência. Mas o cara que conseguir ser técnico, dentro do nível absurdo que temos hoje, e ao mesmo tempo ter estilo, vai acabar se destacando”.

“Eu me sinto incomodado”, diz o skatista profissional Alexandre Cotinz a respeito dos atletas das seleções de nível olímpico vincularem-se a times de origem exterior à cultura skate. “Para mim, autenticidade e personalidade são algumas das características mais importantes no skate, e a entrada dessas marcas deixou tudo muito estéril”, crava ele. “Você encontra desde o normie-atleta-exemplar até o tiozão-cervejeiro-só-ando-em-DIY na mesma equipe. E aí eu questiono: quem é essa equipe? Para quem é essa marca? O que eles representam? Tudo? Ou nada?”. Mais além, Cotinz considera “sorrateiro” aquilo que chama de “normalização” do estilo. Ele compara o modo como os atletas de grandes marcas se vestem nos campeonatos com os uniformes de time de futebol. E torce para que os competidores olímpicos não precisem usar uniforme algum. “Às vezes a mesma camiseta é usada pela equipe inteira. É um exemplo de como essas marcas prejudicam a originalidade”, alfineta.

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"Do julgamento olímpico eu não espero nada além de falta de sensibilidade" - Alexandre Cotinz

Cotinz é uma das vozes descrentes no lado positivo da Olimpíada para o skate. Ele torce o nariz tanto para as políticas comerciais das big corps, que em sua análise prejudicam negócios que sempre foram parte essencial da manutenção da cultura skater, e levanta: “A aura de competitividade que essas marcas agregam é a antítese de grande parte da cultura do skate de não conformismo e resistência sócio-política.”

Na conduta dos juízes, bota menos fé ainda: “Sempre achei julgamento de campeonato meio metódico. Se fosse ter qualquer sensibilidade, vários dos supercampeões nunca nem passariam pra final. Do julgamento olímpico eu não espero nada além de falta de sensibilidade.”

O que serve de conforto, pensa, é que o underground sobrevive e se renova independente do que rola no mainstream. E é para lá que vão olhar sempre que precisarem de uma nova tendência pra fazer a roda girar. “Quem gosta de skate pelos motivos mais nobres não se incomoda com quem está nessa por motivos egocêntricos ou gananciosos. Então pode pôr na TV, pode criar sex symbol, pode financiar a pista mais cabulosa, sempre vai ter alguém dando slide no pé da tiazinha, destruindo o banco do prédio chique, tretando com segurança e dando manobra que não vale ponto nenhum. Sempre vão existir os loucos”, decreta Cotinz.

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