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Opinião

A extemporânea requisição civil e uma repetida "selvajaria" que prejudica os portugueses

A greve dos enfermeiros choca com uma medida excessiva e desnorteada do Executivo que continua, como é hábito, a ser um "queriducho" para os "coitadinhos" da banca.
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Além dos enfermeiros, a qualidade do Serviço Nacional de Saúde é contestada por médicos, pelos técnicos de diagnóstico e terapêutica e pelos assistentes operacionais. (Imagem da série Nurse Jackie. Cortesia Showtime)

A actual luta dos enfermeiros portugueses tem o condão de redimensionar a forma como vemos as greves. Dá um novo élan à união entre os seus profissionais, servindo de exemplo para futuros combates de outros trabalhadores do funcionalismo público cujas progressões nas carreiras pararam há muito. As suas reivindicações podem ter várias leituras, só que é imerecido criticá-las para denegrir a imagem da classe e, em última análise, arranjar um bode expiatório para a decadência do Serviço Nacional de Saúde (SNS). E é isso que o governo socialista anda aparentemente a fazer.

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Nas últimas três semanas, vários representantes do Executivo e os seus spin doctors espalhados nos media, começaram a dar a entender que, se os serviços mínimos não fossem cumpridos, a solução passaria pela requisição civil. Entretanto, a medida aprovada em Conselho de Ministros e já em andamento, pode ainda ser bloqueada judicialmente (o jurista Garcia Pereira é quem representa os sindicatos dos enfermeiros neste diferendo).

Quanto à requisição, urge questionar. Porquê esta tomada de posição inflexível, que obriga o mínimo de trabalhadores a apresentarem-se para salvaguardar o interesse nacional e, caso não o façam, podem sofrer sanções que, no limite, chegam ao despedimento? Há provas evidentes de que os serviços mínimos não foram respeitados em alguns centros hospitalares? Tem havido motins dos utentes às portas dos mesmos? A greve cirúrgica tem sido a forma de protesto que os enfermeiros encontraram para que a sua voz fosse ouvida. Um género de greve que não põe em causa o regular funcionamento dos hospitais e centros de saúde, relativamente a casos de vida e morte. É verdade que os blocos operatórios são os principais afectados, o que não quer dizer que os adiamentos não sejam já uma habitual falha no SNS. Basta ver as longas listas de espera a que muitos doentes têm que se sujeitar.

Quando a Lei de Bases da Saúde não ata nem desata - estando há seis meses a marinar - e o orçamento para esta área é paupérrimo (o ministro Centeno "Cativações Superstar" lá saberá os motivos), meter o ónus da culpa nos enfermeiros é disparatado. Além de que, dentro do SNS, a contestação é também feita por médicos, pelos técnicos de diagnóstico e terapêutica e pelos assistentes operacionais.

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Os inexplicáveis milhões que acodem aos suspeitos do costume

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Desculpa, mas não dá para rir com as toneladas de euros injectados na banca portuguesa… (Imagem da série "La Casa de Papel". Cortesia Netflix)

Desgostoso com uma possível greve que poderá se estender para além do final de Fevereiro (até às legislativas?) e fazendo os possíveis para passar a imagem de sair por cima, o governo cortou abruptamente o diálogo com os vários sindicatos e aponta baterias para a Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, como se ela fosse o “diabo” e os seus colegas seres sem cérebro. Com poucos meses no cargo e ainda a apalpar terreno, a ministra da Saúde, Marta Temido, "ajuda à festa" ao mostrar-se incapaz de fazer pontes com os diversos agentes (o último exemplo prende-se com o dossier ADSE versus grupos privados).

A cereja em cima do bolo deste ataque ao direito à greve, é a dúvida que os membros do governo deixam no ar sobre o crowdfunding, que angariou mais de setecentos mil euros em donativos (agora, pelos vistos, as duas iniciativas criadas por um grupo de enfermeiros, estão a ser passadas a pente fino pela ASAE. Uma investigação a pedido?). O anedótico é que António Costa, na última vez que se candidatou à Câmara Municipal de Lisboa, usou a mesma plataforma para financiar a campanha. O ridículo continua ao termos o primeiro-ministro a considerar a greve “absolutamente ilegal”. O que dizer quando, em 2016, enviou um amigo sem cargo oficial para representar o Estado numa negociação com a TAP? Escusado será dizer que, no ano seguinte, teve o desplante de o nomear para o Conselho de Administração da companhia aérea. Amizades e tiques "lateiros" que fazem lembrar "o outro"…

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Como qualquer português com o mínimo de sensibilidade patriótica, os enfermeiros estão fartos de injustiças cruéis, entre as quais a esbatida e factual realidade de “não haver dinheiro para reembolsar uma década de cortes, mas para salvar os bancos e os compinchas banqueiros os cordões abrem-se infinitamente" (nesta situação, a ASAE népia?). O imberbe 2019 não tem sido diferente.

Enquanto o espectáculo degradante continua em torno da auditoria às alegadas mega-falcatruas na Caixa Geral de Depósitos (com as responsabilidades a serem assacadas à elite política, ao Banco de Portugal e a todos os membros que passaram pela administração da instituição pública, entre 2002 e 2015), na passada semana fomos brindados com uma nova contribuição para a pobreza perene dos portugueses. Não é que o Novo Banco vai pedir mais mil milhões ao fundo de resolução este ano? Por favor, alguém diga ao sr. Costa e à sra. Temido que isto é que é “selvagem” por, inexplicavelmente, “despejar dinheiro” novamente a favor dos beneficiados de sempre. Até quando?

Nota final – Por causa da luta aguerrida dos enfermeiros, fala-se da possibilidade da mudança da lei da greve. Quando as regras não lhes serve, há gente que faz questão em demonstrar que o país é a sua coutada privada…


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