Linn da Quebrada e As Bahias são as musas de mural no Minhocão
Fotos por Caroline Lima/VICE .

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Linn da Quebrada e As Bahias são as musas de mural no Minhocão

As cantoras foram retratadas pelos artistas Patrick Rigon e Renan Santos, que juntaram seus pincéis para apoiar a luta pela igualdade e liberdade de todxs. Vem com a gente pra saber mais sobre esse projeto “bapho”.

Agora a paisagem paulistana vai incluir três mulheres trans poderosíssimas carregando, literalmente, a bandeira "A Arte Resiste". O mural, um presente da Absolut para São Paulo, fica em uma empena junto ao Minhocão e traz as cantoras Linn da Quebrada e As Bahias - Assucena Assucena e Raquel Virgínia - resistindo por meio da manifestação artística.

Estampada na lateral de um prédio próximo ao metrô Santa Cecília, centro da metrópole, a imagem imponente vem tomando forma e se soma à luta da comunidade LGBTQIA+ pela igualdade e liberdade. Um movimento com cada vez mais representantes na indústria da música a exemplo de Pabllo Vittar, Johnny Hooker e Liniker, entre outrxs. O painel traz a união dos traços do pintor Patrick Rigon, detalhista e adepto de representações hiper-realistas, e do grafiteiro Renan Santos, cujas inspirações francesas do século 19, bem ao gosto das histórias de Lewis Carroll, misturam figuras humanas e animais.

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Pra mergulhar nas discussões sobre identidade de gênero, lugar de fala, representatividade e resistência artística, a VICE bateu um papo com os artistas e concluiu que somar é muito mais poderoso do que excluir. #partiu?

Um dos esboços feitos pelos artistas Patrick Rigon e Renan Santos para o mural Resistir & Existir que retrata Linn da Quebrada, Assucena Assucena e Raquel Virgínia, as duas últimas, do grupo As Bahias e a Cozinha Mineira

VICE - Qual é a proposta do mural? Como nasceu essa parceria?
Patrick Rigon - A Absolut tem a proposta de apoiar a resistência artística e a diversidade, então buscou um artista que já fosse engajado à causa pra executar o mural. São três mulheres trans [na obra], com interseções que só fazem o cenário ser mais difícil: ser periférica [a Linn] ou nordestina [as Bahias]. A coisa vai criando uma bolha de preconceitos e tu bota elas ali, no Minhocão, mostrando que elas são poderosas. Tem esse monte de gente emergindo, artistas que desconstroem a questão do gênero, acho incrível esse movimento e o mural que estamos desenvolvendo se alinha, vai nessa vibe. Meu trabalho com arte hiper-realista é bem diferente do muralismo, de como está aqui. Se eu fosse fazer tudo, usando a minha técnica, ia gastar 8 meses, seria quase inviável. Aí vem o Renan pra fazer essa parceria, essa mistura.

Renan Santos - Meu trabalho tem cara de ilustração de livros infantis do século 19, época em que o J.J. Grandville e o Gustave Doré usavam os animais pra mostrar a atitude e o temperamento dos indivíduos e da política. Casou super bem nesse caso, porque no mural há um grupo de pessoas que são contra o movimento LGBT. A ideia original era só ter personagens humanos e eu sugeri colocar os bichos e dar uma cara bem mais tropical.

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Patrick - O processo aconteceu separadamente. A gente fez umas misturas virtualmente pra ter uma ideia de como ia ficar no muro. Mas, de fato, a arte só vai acontecer aqui.

Como a arte pode ser um instrumento de resistência?
Patrick - Acho meio triste ter que repetir algumas coisas assim em 2017, falar o be-a-bá de novo. Achei que a gente tinha ultrapassado essa fase. Mas partindo do princípio de que todos esses movimentos de retrocesso têm acontecido, acho que uma arte como essa que tá sendo desenvolvida pode ser entendida como uma afronta. Existe sempre esse receio de passar a mensagem errada, já que todo mundo hoje em dia cata cabelo em ovo.

Renan - É como a coisa tá sendo refletida na arte. Se a gente for ver, na época do Renascimento tinha gente pelada em quadros e todo mundo aceitava super bem. E agora que a gente tá super na frente…

Os artista Patrick Rigon (à frente) e Renan Santos trabalham em andaimes junto a uma empena no centro de São Paulo, a obra está em processo de pintura. Foto: Caroline Lima/VICE.

E por isso mesmo vocês acham que é importante a arte resistir?
Patrick - Mais do que nunca. Antes você podia fazer, agora você deve.

Renan - Com certeza. De certa forma meu trabalho não chega a ser contestador, é autobiográfico. Mas ter a oportunidade de participar de algo assim tá sendo muito bom, tô super feliz de poder fazer frente e não ficar quieto e aceitar. Como artista, a melhor coisa é a gente poder se posicionar.

Como é o sentimento do artista sobre não ter controle das interpretações, especialmente nesse contexto?
Renan - As pessoas vão interpretar de tudo quanto é forma. Tem gente que vai achar o máximo, outros não vão gostar. O que eu faço é como um livro aberto, só que sem texto. Cada um interpreta da forma que quer. Eu gosto disso. O que não acho certo é o que tá acontecendo, tá rolando um extremismo gigante. As pessoas têm passado do ponto do "gostei/ não gostei". Eu gosto quando [a discussão] não ultrapassa o limite, não gera essa violência.

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Patrick - Na hora que a obra sai pra rua, vai pra exposição, pra internet, a coisa ganha vida e as pessoas começam a interagir com aquilo. As pessoas interpretam meu trabalho, mas nada muito deturpado, maluco ou extremista. Nada agressivo. Até gosto de ouvir o que as pessoas sensatas têm a dizer, o que o minha obra passou pra elas, que não sabem do contexto da criação. Acho super interessante tentar entender o olhar do outro e ver como, às vezes, tu passa uma mensagem através de algum símbolo e o espectador olha aquilo e entende outra coisa. É curioso.

A obra Resistir & Existir é um presente da Absolut para São Paulo e está sendo executada pelos artistas Parick Rigon e Renan Santos junto ao Minhocão, no centro de São Paulo. Foto: Caroline Lima/VICE.

Como o trabalho de vocês conversa com o mural?
Patrick - Gosto de botar no meu trabalho o que as pessoas sequer reparam, coisas que meu olho acha bonito, mas que costumam passar batidas pra muita gente. E, assim, consigo fazer algo macro e hiper-realista refletir os detalhes do que era pequeno, fazer daquilo algo gigantesco e mostrar toda aquela beleza. Minha obra também é bastante autobiográfica. Por eu já ter na minha vida essas questões de gênero, ela também fala disso de uma maneira bem mais poética e subjetiva. Uso umas alegorias que pra mim fazem todo o sentido, mas não tão explicadas abertamente, porque não quero que seja como se eu pegasse um nude e postasse em um outdoor. Para o mural, o pessoal da Absolut queria, além de trazer a estética do meu trabalho, aproveitar um artista com esse background. Vários textos vão estar espalhados pela obra e uma das questões do Renan era o lugar de fala. Porque, por exemplo, um gay ou uma trans se chamarem de "viada" é bem diferente de um hétero, no futebol, gritar "viado" pro outro. Na pintura não tem tom, qualquer pessoa interpreta como quiser.

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Como vocês veem essa questão do lugar de fala e da participação do Renan no trabalho?
Renan - Tem palavras [no mural] que eu jamais usaria, acho pesado.

Patrick - A questão foi dele, por um receio de como as pessoas iriam interpretar. Porque, ele pode ser super de boa, não ter preconceito, mas são palavras fortes. Uma “trava” chamar outra de “trava”, num tom de linguajar empoderado, é uma coisa. Outra coisa é o hétero falar: "ó as trava". Foi mais uma questão que o Renan colocou, mas eu nunca cogitei que ele não poderia [fazer esse trabalho].

Renan - Eu sendo hétero… você acha errado eu defender a causa?

Patrick - É bem o contrário, acho ótimo. Qualquer um pode pintar e defender o movimento LGBT. Se um bando de hétero pegar uma bandeira trans e sair bem feliz pelo Minhocão exaltando aquele símbolo, sem fazer escárnio, vou achar ótimo. Se a pessoa não tá objetificando ou se apropriando, se ela respeita e tá fazendo uma espécie de reverência à exuberância de um grupo, não consigo ver como ofensa.

Patrick Rigon (à esq.) e Renan Santos juntaram a arte hiper-realista e o grafite para compor uma obra em favor da diversidade e da igualdade. Os artistas trabalham em um mural no centro de SP. Foto: Caroline Lima/VICE.

E como foi essa união de alguém que tá envolvido com o assunto e alguém que tá dentro do padrão heteronormativo?
Patrick - Eu nunca tinha feito trabalhos de arte em parceria com outras pessoas. Mas já conhecia o Renan, acho o trabalho dele super incrível e daí quando surgiu essa oportunidade, questionaram se era possível trazê-lo. Achei ótimo. E não tenho questão alguma com ser alguém que não esteja dentro do movimento a ajudar a levantar uma bandeira. Acho um pouquinho burro excluir. Se é pra excluir, vamos tirar aqueles que são escrotos, machistas, racistas, preconceituosos. Daí a gente diz "não, não vamos pintar juntos". Mas se é alguém como o Renan, só vai somar, a gente tá aqui pra somar, não pra excluir.

Isso é nobre. Porque é difícil agregar quando você sofre a violência e exclusão, né?
Patrick - Sim. Mas mesmo que seja uma pessoa muito racista, muito homofóbica, tratá-la de forma hostil só piora tudo. Você só afasta ainda mais, aumenta a barreira, ao contrário de aproveitar a chance de iluminar aquela cabeça. Vai ser tão legal quando a gente não precisar falar dessas questões, quando esses assuntos forem tipo "ai, tão papo do século passado" (risos).

Renan - Tomara! É todo mundo igual, todo mundo é humano, pra que excluir?

O mural pode ajudar as pessoas a se sentirem representadas?
Patrick - Com certeza! Uma vez, fiz uma campanha e, no meu Facebook, entrou um adolescente do interior e escreveu que se sentiu representado, que se reconheceu. Até fiquei meio emocionado, porque é como se fosse um marketing educativo. É legal quando uma marca [como a Absolut] tá junto, trabalhando com a arte e está inserida nesse contexto todo. Você consegue ver pelo histórico de algumas empresas que elas já fazem esse trabalho, levam a sério e isso é importante.

Para mais matérias como esta visite o site feito pela VICE em parceria com a Absolut