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Música

O Primeiro Trailer do Documentário da The Slits Estreia Aqui, e Nós Trocamos Uma Ideia Com o Diretor

William Badgley adianta o que podemos esperar de um dos filmes mais aguardados do ano.
Daisy Jones
London, GB

Há um ditado que diz que “o primeiro a atravessar a parede sempre sai ferido”, e de acordo com o cineasta William Badgley, esta é uma forma um tanto quanto precisa de se descrever a história das Slits – a banda punk britânica dos anos 70 que, liderada pela frontwoman Ari Up, pegou os limites da sociedade, sexo e gênero, e as esmagou como uvas sob marretas.

Nos dias de hoje, você tem só que ir até a esquina para esbarrar em uma garota com um penteado bagunçado e uma jaqueta de couro, ou num inferninho numa noite de quinta para flagrar alguém gritando em referência à “Typical Girls”. Só de pensar que houve uma época em que isso era visto como algo perigoso para uma garota parece ser absurdo para uma geração que cresceu com calças rasgadas e pôsteres de riot grrrls. E, por isso, temos uma dívida eterna com bandas como The Slits. Agora, a história delas será contada no documentário Here to be Heard.

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Nos últimos dois anos, Badgley e sua colaboradora de longa data Jennifer Shagawat tem juntado as peças da história desta banda punk feminista de muitos integrantes, desde os primórdios do punk em 1976, quando a vocalista Ari Up era uma adolescente doidinha de 15 anos, até seus últimos shows como a banda de reggae-dub “Reformed Slits” – uma época em que Ari, cada vez mais doente, passou a nutrir uma obsessão pelas filmagens de Jennifer, de forma a contar uma história que ela acreditava ainda não ter sido contada.

Ari faleceu em 2010, mas a finalização iminente de Here to be Heard significa que este retrato íntimo das Slits ainda terá sua voz ouvida. Para financiar a última parte do processo de edição e obtenção de imagens de acervo, Badgely e Shagawat começaram uma campanha no Kickstarter há pouco menos de um mês. Daí liguei para William para entender melhor como será o documentário e porque deveríamos contribuir com ele. Assista à estreia exclusiva do trailer aqui e leia a entrevista abaixo.

Noisey: Oi Bill. Antes de qualquer coisa, por que você escolheu fazer este documentário?
Bill Badgley: Em 2006, Jennifer Shagawat, uma antiga amiga, foi contratada para servir de pau-pra-toda-obra na turnê com as Slits, que haviam voltado, e durante aquela época Ari Up pediu para que Jennifer filmasse tudo. Tudo numa pegada meio urgente tipo “temos que fazer isso agora!”. Jennifer começou a filmar, mas ninguém sabia que aquela pressão toda era real porque Ari estava bem doente e a coisa era grave, mas decidiu guardar tudo pra si. Com o passar do tempo, começaram a perceber que havia algo de errado, mas não sabiam bem o que era.

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Jennifer não é cineasta, então assim que Ari morreu ela ficou com todo esse material e não sabia como organizá-lo, e também lamentava a morte de uma amiga próxima. Ela falou comigo sobre o projeto, o que me assustou muito, de cara. Mas certa manhã acordei e percebi que tinha que fazer isso – é uma história incrível, e é loucura que ainda não tenha sido feito. Então continuamos trabalhando em cima e valeu muito à pena.

A Ari sabia bem o que queria?
Do jeito que eu vejo, era importantíssimo para ela que a história das Slits fosse contada. Ela não achava que isso tivesse rolado ainda.

Uma jovem Viv Albertine.

Como você acabou montando a história?
Muito da narrativa se baseia em Tess Pollitt (baixista das Slits) e seu caderno de recortes, que é lindo. Ela o começou logo quando as Slits surgiram, e era um tremendo visual para nos apoiarmos. Antes de montarmos tudo, vi aquele filme Nossa Querida Freda – aquele sobre a secretária dos Beatles. Ele acabou me inspirando muito neste documentário, no sentido de você estar ali só curtindo com aquela maravilhosa avó britânica que lhe conta sobre seus amigos incríveis da juventude, só que acontece que são uns caras como John, Paul, George e Ringo. Parece que você está ali no chão, enrolado em um cobertor e ouvindo tudo. Queríamos fazer uma versão feminista e punk disso: você deitado no chão, enroladinho, ouvindo à avó quintessencial do punk.

E quanto às imagens de arquivo, como você incorporou aquilo?
Temos material, mas não dependemos só dele porque as Slits foram uma banda que afetou vidas inteiras. Não é só algo legal que rolou quando elas eram jovens – vai além disso. Seria desonesto fazer um filme que se prende aos anos 70 e de repente você emenda algo tipo “não sei bem o que rolou depois”.

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Adoro essas imagens de arquivo, porém. Especialmente dos anos 70 – é tão bonito.
Com certeza. Uma imagem que me deixou embasbacado foi quando a banda tocou em Londres e estavam andando e de repente Ari decidiu que tinha que trocar de roupa. Ela se agachou ali num local bem-iluminado para colocar suas meias-arrastão e em questão de minutos haviam umas 45 pessoas ao seu redor. Morei em Nova York durante 12 anos – não consigo imaginar o que você teria que fazer na calçada hoje para juntar uma galera dessas. Não faço ideia. Tem vários momentos como esses.

Continua…

Você descobriu alguma grande revelação sobre a banda?
Percebi que existia este sentimento unificador de não querer se restringir a um sexo ou gênero específico, e no final, nem mesmo por uma banda. Quando se passa tanto tempo juntos como elas passaram em torno de uma ideia artística, pode-se tornar algo elementar: livros, ideias, blogs. Isso é arte de verdade – arte que cria comunidade. Incluir a volta das Slits nesse filme é essencial porque é isso que vejo rolando ali. Uma das minhas citações favoritas vem desse trecho do documentário, “eu era uma slit antes de ser uma slit, eu era uma slit quando era uma slit e sou uma slit agora”. O conceito com o qual as pessoas de fora da banda podem se identificar. É importante, intenso e empolgante.

Com você acha que as Slits mudaram o mundo?
Estávamos entrevistando Viv Albertine e perguntamos se ela já tinha ouvido a frase “o primeiro a atravessar a parede sempre sai ferido” e ela achou que aquele deveria ser o título do filme. Acho que essa expressão se aplica bem a elas. Era uma faca de dois gumes, elas todas receberam os louros por isso, mas também foram atacadas fisicamente. Digo, Ari foi esfaqueada.

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Qual era a visão dela sobre isso?
Estávamos do lado de fora do Screen on the Green em Londres, era inverno e Ari estava usando um casaco enorme. Chega um cara e diz “aqui uma racha pra você” [N. do T.: slit significa fenda ou racha, em inglês] e a esfaqueia na bunda. Por sorte, ela usava tantas roupas que não se feriu – mas é perturbador, claro.

Que horror!
Acho que elas agitaram mesmo as coisas. As pessoas achavam que garotas não podiam ter bandas. As Slits diziam “foda-se” e tocavam, e era uma banda punk só de garotas, e aí mandaram tudo pro caralho e não se prenderam a isso também. Daí elas estavam fazendo esse reggae meio punk e “quer saber? Não queremos ficar só nessa também” e seguiram sua jornada, que acho que muitos músicos deveriam fazer. Elas nunca fizeram o que as pessoas queriam.

O que as tornava perfeitas, de verdade. Obrigado, Bill.

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Tradução: Thiago “Índio” Silva