A cerca de 20 quilômetros da orla de Maceió, cinco oficiais da Polícia Militar de Alagoas monitoravam, de um helicóptero, na tarde da última segunda-feira (17), o bairro do Benedito Bentes, um dos mais populosos da capital, na periferia da cidade. Também conhecida como “saturação de área”, a operação tinha como missão combater os incêndios a ônibus, uma ação, segundo as autoridades locais, ordenada por organizações criminosas em Maceió. E ainda que a situação prisional da cidade não possa ser comparada com a situação de Roraima, por exemplo, a queima de ônibus ocorrida no último fim de semana traz mais indícios sobre a ruptura entre PCC e CV, além da precária situação em que vivem os presos no país.
Desde sexta-feira (14), quatro ônibus foram incendiados na cidade (um no terminal do Conjunto Frei Damião, no bairro do Benedito Bentes, e outros três na garagem da empresa Real Alagoas, no bairro do Farol) avaliados em R$ 280 mil cada. Houve também ao menos mais uma tentativa de destruição frustrada na noite do domingo (16) no bairro Graciliano Ramos — o que fez com que as empresas de ônibus de Maceió retirassem os carros das ruas depois das 21h, deixando quem mora nas regiões mais afastadas do centro da cidade sem ter como voltar para casa por três dias consecutivos.
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Na última terça-feira (18), o Coronel Lima Junior, secretário de Estado da Segurança Pública de Alagoas, atribuiu oficialmente os incêndios — chamados por ele de fatos “isolados” — a ordens vindas do presídio, e anunciou a identificação e transferência para o Presídio do Agreste, no município de Girau do Ponciano, de cinco presos ligados ao caso. “Relacionamos o que aconteceu a uma inquietação no sistema prisional pelo histórico da situação, mas não temos como rotular a ação específica a uma organização criminosa. Existem correntes de todo tipo lá dentro, inclusive não ligadas a facções”, disse o Coronel.
BEIRA-MAR
Ainda que sem comprovação oficial sobre como as principais facções criminosas do país, como o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, chegaram a Alagoas, especula-se que a vinda do crime organizado para a região teria sido motivada por meio da política de transferências de presos, intensificada em 2005, depois que Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, líder do Comando Vermelho, ficou preso na sede da Polícia Federal de Maceió.
Uma rápida pesquisa no Google com as tags “Ônibus + Queimado + Nordeste” coloca Maceió (e as facções) ao lado de outras capitais como Natal, Fortaleza e São Luís — todas cidades nas quais ataques semelhantes foram registrados desde março (para falar só neste ano). Segundo especialistas, há pelo menos uma década a prática na região mais reflete uma fórmula bem-sucedida de barganha dos criminosos, que tem como causa e efeito o amedrontamento da população e a pressão ao poder público em troca de “negociação”, um modus operandi tão enraizado que é facilmente reconhecido quando visto.
Qualquer representante oficial do Estado de Alagoas vai tomar muito cuidado antes mesmo de citar organizações como PCC e CV, essa discrição da Segurança Pública do Estado em declarações segue um antigo ritual de não enaltecer o que especialistas chamam de “grifes” do crime.
“É sempre assim, com qualquer limitação que é imposta, eles já mandam queimar ônibus”, diz Kleyton Anderson, presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários de Alagoas (Sindapen) sobre a prática de barganha dos presos. Dessa vez, há cerca de duas semanas, os agentes do Complexo Penitenciário de Maceió passaram a limitar, por conta própria, as visitas nos finais de semana a presos como os da Penitenciária Masculina Baldomero Cavalcanti de Oliveira, que, de acordo com o sindicato, hoje comporta cerca de 1300 homens em um espaço para apenas 300. Segundo ex-dirigentes da polícia no estado, essa é uma prática comum em presídios, e quando os agentes decidem não fazer greve, mas querem renegociar salários e novos cargos, acabam iniciando uma situação de tensão no sistema.
“Eles [o Estado] reconhecem que faltam efetivos para tomar conta de tantos presos, sabem que estão errados, mas mesmo assim negociam quando o bandido manda queimar ônibus. Eles acabam fazendo de tudo para que as visitas aconteçam, então só podemos acreditar que o Estado está abrindo as pernas para a bandidagem, para o crime organizado”, afirma o presidente do sindicato.
Para resolver o impasse, o juiz da 16ª Vara Criminal José Braga Neto concedeu um juízo favorável à entrada de todos os familiares dos presos e de alimentos em sua totalidade, acabando com a noção de privilégio que os presos tinham ao ver apenas alguns receberem visitas e outros não. “Entendo a luta dos agentes penitenciários, mas não concordo com a forma que eles usam as famílias desses presos para conseguir seus objetivos”, disse o juiz.
Quem é do CV fica junto, assim como quem é do PCC. Se colocar o de uma [facção] na mesma cela do outro, eles matam. Até os dias de visitas são separados. — Kleyton Anderson
Até a publicação desta reportagem, o caso de Alagoas ainda não era considerado extremo, como o de uma rebelião, cenário que se anuncia nacionalmente nos presídios, mas ainda há com o que se preocupar. Segundo o Sindapen, o PCC e a CV, que antes trabalhavam em conjunto (e chegaram até a firmar um acordo de paz em Fortaleza), sofreram uma ruptura em todos os Estados. “Há cerca de seis meses elas [as facções] estão brigadas e exigiram que o Estado as separasse em módulos diferentes em todos os presídios, isso aconteceu inclusive aqui em Alagoas. Hoje, na nossa configuração, quem é do CV fica junto, assim como quem é do PCC. Se colocar o de uma [facção] na mesma cela do outro, eles matam. Até os dias de visitas são separados”, conta o presidente do sindicato dos agentes penitenciários. O Coronel lima Junior, contudo, afirma desconhecer essa informação.
Em um quadro aparentemente normalizado na quarta-feira (18), tanto o Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários no Estado de Alagoas (Sinttro/AL) quanto a Superintendência Municipal de Transporte e Trânsito de Maceió (SMTT) liberaram a saída dos coletivos de 108 linhas que atendem a cidade até o horário normal, às 22h, além das linhas “Corujão”, com horário de funcionamento das 23h30 às 4h20 do dia seguinte.
RUPTURA PCC X CV
No final da tarde da terça-feira, as mortes de mais de 20 detentos em prisões de Rondônia e Roraima nos últimos dias começaram a ser apontadas por estudiosos como a socióloga Camila Nunes Dias, professora da Universidade Federal do ABC (UFABC), em São Paulo, como uma primeira consequência da ruptura nacional entre o PCC e o CV. Segundo a análise da pesquisadora, amplamente divulgada pela mídia, essa reconfiguração do crime organizado tem tudo parar gerar “carnificina” em todo o país, principalmente no Norte e Nordeste, regiões onde existe equilíbrio de poder entre os dois grupos. Outras notícias sugerem que em presídios do Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Alagoas, presos do PCC já são orientados pela liderança a pedirem transferência para unidades prisionais onde a facção paulista é maioria.
Questionado sobre o clima no sistema prisional de Alagoas depois da ruptura entre as facções e possíveis rearranjos de presos, o secretário de Ressocialização e Inclusão Social de Alagoas, tenente-coronel Marcos Sérgio, disse que o momento é de cautela. “O termo pacífico para designar a atmosfera em qualquer sistema prisional é muito complexo, o que podemos dizer é que todos os presídios do país estão acompanhando a situação, com o apoio da inteligência de cada Estado, para que nenhuma tragédia aconteça”.