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Música

Beleza e brutalidade: Chino Moreno, do Deftones, fala do novo disco 'Gore'

Do sussurro ao grito, o vocalista fala sobre o oitavo disco de estúdio da banda, destrincha seu processo de composição e explica como faz pra não ficar na zona de conforto 20 anos depois da sua estreia.

Foto por Frank Maddocks

O Deftones desafiou qualquer tentativa de classificação fácil. A banda surgiu no início dos anos noventa, se apresentando junto dos compatriotas do Korn, no angustiado e agressivo nascimento do nu-metal, um dos movimentos mais improváveis da história da música mainstream. O grupo de cinco integrantes do norte da Califórnia chamava atenção com seus companheiros do rap-metal, mas nunca chegou a se encaixar de verdade; em 2000, talvez no auge de seu som, o disco de maior sucesso da banda, White Pony, fabricou um coquetel sinistramente sedutor, usando como ingredientes o amor que eles tinham pelo synthpop e pelo shoegaze. Como o Deftones sempre procurava ansiosamente ir além do nu-metal, eles o ultrapassaram e sobreviveram a ele. Como o som criado por eles era ímpar, cada novo disco se abria como uma investigação de cantos inexplorados de um mundo criado por eles mesmos.

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Recentemente foi lançado o oitavo disco de estúdio do Deftones, o Gore. É mais um triunfo em uma carreira repleta deles. O disco dispara riffs pesados em direção a refrães extasiados na explosiva “Doomed User”, e vai subindo numa turbulência enevoada em “Phantom Bride”, um dos destaques do fim do disco que entra em chamas com a comovente guitarra principal de Jerry Cantrell, do Alice and Chains. Seu estilo é econômico e eficiente, mas a textura é aventureira, uma linda síntese dos vocais estilo do-sussurro-ao-grito do cantor Chino Moreno, os golpes estilo metal do guitarrista Stephen Carpenter, a estética espectral do tecladista Frank Delgado e a forte base fornecida pelo baixista Sergio Vega e pelo baterista Abe Cunningham.

Consegui falar com o Chino pelo telefone às vésperas do lançamento de Gore [que saiu dia 8 de abril pela Reprise Records] para perguntar como ele e sua banda conseguiram não se deixar prender em suas zonas de conforto no decorrer de mais de vinte anos desde a estreia da banda em 1995, com o disco Adrenaline, e sobre a turnê de verão do Deftones, que inclui uma série de shows em estádios, junto com os deuses suecos do post-hardcore da banda recém-reunida Refused. Afável e seguro de si, Moreno abriu o coração sobre seu processo de escrita dentro e fora de sua banda principal, e também sobre as alegrias e os riscos de se ter como trabalho a criação de música junto com os amigos.

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Noisey: Ouvindo o disco novo, fiquei impressionado com o fato de ele ser muito variado e diferente em matéria de tom e textura, comparado ao que vocês fizeram anteriormente. Isso é algo que você busca deliberadamente na hora de gravar?
Chino Moreno: Acho que, em cada disco, a gente meio que tenta ir um pouco além do que fizemos da última vez, e ao mesmo tempo tentamos preservar aquilo que é a nossa identidade. Em termos de som, é um pouco diferente. Os instrumentos que usamos, isso foi uma coisa que foi um pouco diferente. Todo mundo meio que se instalou em um espaço sônico diferente em certas partes desse disco. As músicas propriamente ditas, a estrutura e coisas do tipo, a gente dedicou um pouco mais de tempo a refinar essas coisas. Os últimos discos que a gente fez foram basicamente criados e gravados num curto intervalo de tempo. Nesse, a gente se permitiu um processo de um ano, com pequenos surtos muito rápidos de composição. Tipo, por oito ou dez dias a gente se trancava num quarto e depois todo mundo ia pra casa durante um ou dois meses, e aí voltava. Fazer isso foi legal, porque pudemos refletir sobre as ideias, e ajustar e refinar as coisas um pouco mais.

Escrever alguma vez chega a ser uma situação tipo cabo de guerra?
Sim, acontece muitas vezes. A gente tenta cobrar resultados uns dos outros, e de nós mesmos, por tentar expandir os horizontes. Também temos uma boa relação de amizade, e ninguém tem papas na língua. Acho que isso é uma coisa boa. Nem sempre é uma situação das mais fáceis, mas o fato de que todo mundo diz o que está pensando e dá sua opinião sincera ajuda muito a nos obrigar a enxergar até que ponto podemos ir sem que a experiência perca o que ela tem de orgânica. Alguns dias são mais difíceis que os outros, mas, no geral, ainda é um processo muito divertido, ficar lá sentado junto com os seus amigos e fazer barulho e criar músicas a partir desse barulho.

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Tirar essas folgas e também ter outros projetos, como o Crosses e o Palms, ajuda você a voltar para esse projeto com uma perspectiva renovada?
Não necessariamente. Tipo, se ajuda, não é algo que eu perceba. É óbvio que trabalhar com os outros sempre foi para mim uma experiência de aprendizado, e uma experiência divertida. Todo mundo tem seu próprio jeito de trabalhar, e tenho certeza de que eu trago algumas contribuições para a mesa, sei lá. Mas nunca tenho uma abordagem diferente para as coisas, seja lá qual for o projeto em que estou trabalhando. Eu sou só eu e pronto. A música é criada primeiro, seja no Crosses ou no Team Sleep ou no Deftones. A música vem sempre em primeiro lugar, e o que eu faço vocalmente costuma ser só uma reação à música. Eu posso reagir de diferentes maneiras a cada som, mas, no geral, minha abordagem é a mesma para tudo.

Quando olho para a arte de capa do novo disco – é uma imagem de beleza serena na natureza, mas há também um elemento de brutalidade ali – sinto como se o contraste fizesse jus ao espírito da banda. Conte para mim como foi que vocês escolheram o nome Gore.
A ideia era essa, fazer uma justaposição do visual com o título [a palavra gore se refere a sangue e violência]. O título com certeza é provocador, e a arte de capa tem uma certa beleza. Então essas duas coisas logo de saída são uma dicotomia uma da outra. Sempre senti que o melhor da nossa música sempre tem essa mesma dicotomia. Tem sempre aquelas partes aveludadas, e também uma presença forte de espinhos, de pontas afiadas. É uma das minhas partes favoritas do nosso trabalho como banda. Na verdade, não temos uma fórmula de como fazer o que fazemos, mas naturalmente saem umas coisas que são bem mais agressivas do que outras partes, e entre essas coisas rola um equilíbrio, e daí vem o nosso som. Em termos visuais, com a arte de capa, o conceito por trás foi passar esse tipo de energia, pintar o que está dentro das músicas.

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Sempre quis perguntar a você sobre os nomes das músicas. Em Gore vemos os títulos de músicas mais insanos desde que você batizou uma música com o código do jogo Contra no Saturday Night Wrist. Qual é o processo decisório que resulta em “essa música aqui vai se chamar 'Geometric Headdress'”?
Várias vezes os títulos vêm depois das músicas. Nesse caso especificamente, o título veio primeiro, e eu escrevi a música em volta dele. Na verdade, não anoto as letras, e não anoto nem ideias. Não sou esse tipo de artista que tem tipo um livro de coisas que ele sente que vai pegar um dia e usar como material para criar músicas. Sempre que estou lendo, se uma palavra ou expressão me faz ficar de ouvidos em pé ou me parece interessante, eu tomo nota. Então, depois que toda a música foi composta para essas coisas, é aí que eu levo para o estágio seguinte no que diz respeito a compor as melodias e as palavras. Às vezes passo os olhos nas minhas anotações e digo tipo, nossa, essa música tem…

Tipo, aquela música, por exemplo, “Geometric Headdress”: a própria música, o modo como ela é estruturada, e os tempos da música são um pouco desajustados, e esse nome caiu muito bem. Meio que me deu um molde em torno do qual começar a escrever, e eu escrevi as palavras que se adequariam ao título. Cada vez é diferente. Às vezes a música já está composta e acabada, e só dou um nome para ela. Muitas vezes dando algum nome bizarro… muitos títulos de que eu gosto são coisas um pouco fora dos padrões. Você lê e não consegue saber logo de cara o que é aquilo, e talvez você nunca fique sabendo. Esse elemento de curiosidade é uma coisa que sempre me atrai enquanto fã de música.

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Então as palavras costumam vir por último no seu processo de composição?
Eu coloco a parte instrumental nos meus fones de ouvido, e gravo uns três ou quatro compassos, ideias completamente diferentes entre si, sem nenhuma palavra. Às vezes algumas palavras pipocam, e acabo ficando com elas. A maioria eu descarto. É mais ou menos para descobrir a cadência e as melodias, e como vou encaixar a minha voz na música como um instrumento. E aí é meio como um quebra-cabeça tentar escrever as palavras e encaixá-las nessas melodias e estruturas. O que torna o trabalho um pouco árduo, mas é só assim que eu consigo fazer. A música é o que inspira as letras, então sim, são a última coisa que acontece. Algumas pessoas trabalham do jeito contrário. Algumas pessoas têm um livro de letras, e elas as entregam aos músicos e dizem: “Ei, escreve uma música pra isso aqui.” Nunca fui capaz de fazer isso. É uma coisa que admiro, mas nunca consegui trabalhar assim.

Arranjei um ingresso para ver vocês junto com o Refused nesse verão, e ainda meio que me explode a cabeça o fato da gente ver aquela banda naquele tipo de lugar. Como que a parceria aconteceu?
Somos fãs da banda, e pareceu fazer todo o sentido. Eles não puderam fazer a turnê completa, só vão nos acompanhar por cerca de um mês, mas estamos empolgados com isso, ainda mais por ser uma banda de alta energia como essa. A ideia de ter uma banda abrindo para a gente é ter alguém que suba lá no palco e coloque o público pra suar. E essa banda com certeza vai fazer isso. E é uma coisa estimulante também tocar com um grupo desse calibre, faz você se esforçar ao máximo. Acho que vai ser um verão divertido. Estamos ansiosos para começar logo.

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Olhando os shows agendados para a turnê, parece que vocês vão tocar em um monte de espaços grandes nesse verão, mas não tanto nos grandes festivais…
Já vamos participar de um bom tanto de festivais esse ano, com certeza, mas é bom ter um equilíbrio de shows normais, em que a gente tem como mergulhar fundo e tocar coisas menos conhecidas, e ficar um pouco mais de tempo no palco. É o nosso show, entende? Então a produção é do jeito que a gente quer, o visual, o som, tudo é do jeito que você gosta. É uma experiência incrível fazer o seu próprio show. Todas as músicas que são tocadas desde o momento em que as portas se abrem, entre os shows das bandas, até o momento em que a gente sobre no palco, tudo é escolhido a dedo por nós. Criamos mixtapes para serem tocadas durante todo o dia. Então é meio que um evento Deftones, nesse sentido. A gente acaba ficando um pouco mal acostumado de poder fazer isso.

Os festivais, por outro lado, são incríveis. Especialmente os do outro lado do mar, dos quais começamos a participar bem cedo, e que são muito diversos entre si. Teve uma vez que fomos à Europa e tocamos no festival Roskilde. O Sepultura tocou, nós tocamos, Bob Dylan tocou, PJ Harvey… Para mim, enquanto fã de música, fico tipo: “Ah, eu vou tocar junto com esse monte de grandes artistas”. E para o mesmo público que estava lá assistindo ao mesmo show, e curtindo todos os diferentes artistas. Essas pessoas com cabeça aberta, com vontade de vivenciar todos os tipos de música, é sempre bom cair no meio disso. São muitos tipos diferentes de artistas, e para nós, enquanto fãs de música, isso é muito bom.

Compre Gore no iTunes aqui, e descubra onde você pode ir ver o Deftones em turnê na primavera e no verão no hemisfério norte aqui.

Craig estava há vinte anos esperando por isso. Siga-o no Twitter.

Tradução: Marcio Stockler

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