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Música

O Dave Mustaine cansou do drama

Hoje em dia, o controverso ícone do thrash metal está muito mais fofo e tranquilão — mas sem perder a malícia jamais, como a nossa entrevista (e o fudido novo álbum do Megadeth, 'Dystopia') deixam bem claro.

Ilustração por Stephanie Monohan.

Dave Mustaine é uma máquina. Ligo para ele e ele me atende em algum hotel na Califórnia, lidando com uma série de entrevistas para promover o novo disco do Megadeth, Dystopia, — o 15º da banda — e uma enorme turnê norte-americana que começará no próximo mês. E é só disso que ele quer falar mesmo, como deixado claro de antemão. O email de lembrete que recebi do seu amável assessor naquele dia sublinhava o fato de que “Dave só falará sobre a música e a turnê”. Como eu não estava interessada em promos fuleiras de turnê, escrevi de volta para esclarecer umas coisas. Acabamos no telefone, onde deixei claro que não me interessava atacar Mustaine — só queria conhecê-lo como pessoa, e não como um personagem. Apesar de sua reputação como reaça #1 do metal, queria ver se conseguiria ir além do seu ego. Fiz o melhor que pude quando falamos ao telefone, mas o homem é uma muralha.

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Antes da entrevista, eu estava apreensiva, esperando um embate digno de Natal com os parentes conservadores — afinal, minhas posturas são bem diferentes daquelas que Mustaine, ex-apoiador de Rick Santorum, tem defendido há décadas. Nos últimos tempos ele tem evitado declarar qualquer afiliação política específica, mas também levou umas poucas e boas no passado por conta de algumas declarações polêmicas que vão desde sua admiração pelo conservadoríssimo Santorum e desdém quanto ao Presidente Obama (bastante, inclusive) até os problemáticos rompimentos com antigos integrantes do Megadeth, seus ex-colegas do Metallica, e ocasionalmente, seus próprios discos. Por mais que eu seja a primeira a concordar que algumas de suas gafes mais absurdas (como sugerir que o Presidente estaria “encenando” tiroteios em 2012 ou em especial seu comentário horroroso sobre como mulheres famintas na África deveriam parar de ter filhos e “meter uma rolha ali”) são indefensáveis para uma pessoa pública do seu porte, meio que admiro sua insistência em (literalmente) não abrir mão de suas armas, mesmo quando o mundo todo vai contra ele. Como o próprio me disse: “Tenho coisas piores para eu me preocupar agora do que se alguém gosta de mim ou não.”

No entanto, não falamos muito sobre isso, já que ele se esquivou graciosamente da maioria das minhas perguntas mais políticas, se mantendo fiel ao seu roteiro e seu checklist de forma obstinada. O homem era irrefreável; ou ele ensaiou muito bem as respostas antes das entrevistas ou ele é mesmo um ciborgue. Ele me deu meio que a mesma resposta para duas perguntas diferentes, fazendo valer seu principal argumento — de como está feliz com a nova formação e como o novo disco está ótimo — e se emputeceu quando me referi a ele como “conservador”, preferindo focar nos seus valores ligados à fé e lealdade. Pela nossa conversa, até mesmo Dave Mustaine cansou de falar das posturas políticas de Dave Mustaine.

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O homem com quem conversei é uma versão muito mais gentil e branda do iconoclasta de outrora. Quanto disso foi treinamento de mídia por parte dos seus agentes e quanto disso faz parte da sua conversão pública ao cristianismo, ou mesmo de seu coração, já não faço ideia, mas no geral, nossa conversa foi muito mais suave do que eu esperava. Quando lhe perguntei quantas entrevistas teria que enfrentar naquele dia, sua resposta — com um sotaque típico do sul da Califórnia — me desarmou, ao dizer “Muitas, mas quer saber, é a primeira vez que falo com você, então é uma honra. Como você está?”.

Eu fiquei encantada. E esse tom leve e conversador não se perdeu em momento algum, mesmo quando ele disse que iria me matar.

Não foi porque fiz a pergunta errada ou lhe irritei; ele ficou frustrado porque não saquei uma referência ao single de 1969 do Bread , “If”. Admiti ignorância por conta de minha idade (eu tinha -21 em 1969), e ele respondeu minha outra pergunta com uma provocação: “O quê? Meu aparelho de surdez caiu, desculpe.”

Ele talvez tenha encontrado Jesus e dado jeito em seus impulsos arruaceiros, mas ele ainda é Dave Mustaine

Noisey: Seus discos mais recentes parecem cada vez mais malvados, agressivos e vorazes. De onde vem isso? Quanto disso vem do seu novo guitarrista, Kiko Loureiro [Angra], e da participação de Chris Adler [Lamb of God] na bateria?
Dave Mustaine: Bom, acho que é tudo relativo. Creio que todos queríamos algo ótimo para todos e a banda como um todo, porque Kiko era fã, Chris era fã, o período de David Ellefson conosco, e claro, é meu filhotinho. Queríamos o que era melhor para todos, e se formou uma amizade tão rápida que vai além de qualquer outra formação do Megadeth; mesmo nas suas melhores épocas, nunca foi tão tranquilo como agora. Nos damos bem mesmo, e você pode ver isso quando tocamos. O Megadeth nunca ficou “de rolê” fora do palco, porque todos estavam ocupados e dando duro; quando chegávamos no hotel era tipo “Ah, até amanhã”, mas com esta formação, assim que chegamos no hotel sempre rola um “Ah, quer jantar? Ver um filme? Fazer isso, fazer aquilo, ver o UFC amanhã? O futebol hoje?” e é uma sensação ótima de se ter na banda de novo porque me faz lembrar do porquê eu quis ter uma banda.

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Deve ser legal se sentir como um dos caras de novo.
Sim, você está certíssima.

As letras em Dystopia são mais obscuras que nunca, especialmente em faixas como “Bullet to the Brain” e “Fatal Illusion” (que é a primeira vez que vejo uma música que juntou a ideia de reforma prisional com zumbis). Gostaria de saber mais algumas histórias sobre as faixas neste disco.
Bom, dá pra perceber que o mundo mudou bastante nos últimos dez anos, e a forma como os EUA estiveram envolvidos em manter a paz em tantos lugares, por convite ou na base da invasão, ou no papel de heróis ou vilões, independente das circunstâncias. Os EUA que temos em mãos hoje é diferente do que tínhamos há dez anos, bem como a forma como os EUA influenciaram o mundo; Não estou falando tanto do país em si quanto da mentalidade ocidental — TV, American Idol, celulares, selfies. Eu fui no banheiro no hotel em que estamos ficando em Hollywood, o W, e no espelho do banheiro dizia “Eu pegaria você”. Meu deus, quando que você iria num banheiro e um espelho diria que me transaria? Que mundo é esse? Não me incomodou tanto, mas [assobia], os tempos estão mudando.

O Megadeth sempre foi uma banda politicamente ligada, tendo surgido na era Reagan; agora, ao final da administração Obama, parece que tudo só piora. Te chateia saber que provavelmente nunca vai faltar inspiração pras letras?
Pareço ter um pouco mais de fé na humanidade. Por mais que eu saiba que o heavy metal faz mais barulho quando o pavio do mundo está mais curto, há muita esperança, e como disse Martin Luther King — e o parafraseio — só o amor pode acabar com o ódio. Penso que por mais que o Megadeth tenha essa imagem de bad boys, e com um passado bem confuso, nosso objetivo sempre foi ser leal aos nossos amigos, nossa música e a nós mesmos. Creio que se você trata as pessoas como quer ser tratado, se o mundo fizesse isso, rolaria uma mudança profunda. O mundo seria um lugar totalmente diferente, e voltando a “Post-American World”, ela trata sobre como você pode não gostar dos EUA de agora, e as pessoas dizem “Saia do meu país, não queremos seus militares, não queremos isso nem aquilo”, mas há uma dicotomia em relação a quanto as pessoas querem vir pra cá. Tantas coisas aconteceram que ter uma mentalidade ocidental ajudou tais lugares, mas o mesmo vale quando se observa países democráticos como o Reino Unido, Canadá, como se fossem uma nova fronteira, o Novo Ocidente, então não falo de um mundo apenas pós-EUA.

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Quando se observa lugares como o Canadá e os países nórdicos, eles parecem quase utópicos, ao passo em que nos EUA estamos lidando com todo este caos distópico. Intitular seu disco como “Dystopia” diz muito em uma só palavra.
Obrigado, a influência veio do filme 12 Macasos, o Planeta dos Macacos e também O Retorno do Planeta dos Macacos originais. Pra mim, ver todas essas civilizações cagadas, como em O Vingador do Futuro e Minority Report e todas essas coisas que mostram como a tecnologia e a sociedade estão acelerando, mostra como aqueles livros antigos como 1984 eram precisos. Digo, você leu 1984 e A Revolução dos Bichos, certo?

Claro, George Orwell é um dos meus escritores favoritos. A arte distópica em geral parece estar voltando à cultura pop agora, porque parece que Admirável Mundo Novo já não está mais distante assim. Que mensagem você quer passar com Dystopia?
Você está certa. Sabe, as pessoas me perguntaram antes se algum dia eu faria um disco conceitual, e penso que provavelmente o mais conceitual que já fui é meio que essa abordagem “o mundo como Dave vê”. Em algum momento falei sobre escrever outro livro após minha biografia — e não descartei isso ainda — mas algo provocador, do tipo como seria o mundo se eu fosse o presidente? Gosto de pensar que se alguém com pontos de vista como os meus ou de meus fãs ou das pessoas que admiro estivesse ali, o mundo seria bem diferente; se não por um curto período de tempo, talvez por um bom tempo.

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Sei que você tem uma postura mais conservadora, mais recorrente no metal do que se imagina; é um gênero com ênfase na tradição e liberdade individual — valores muitas vezes tidos como conservadores.
Eu não sou tão conservador, aliás. Sou leal ao que meus pontos-de-vista são. Minha mãe é uma norte-americana de primeira geração, nascida na Alemanha, então tive muita influência europeia na minha criação. Não acho que sou tão conservador como outras pessoas, mas sei que sou leal às bandas e pessoas que gosto. As pessoas tem feito da minha religião grande coisa, mas pelo amor de Deus, o baixista do Megadeth é pastor, por que ninguém fala disso?

Porque você é o centro das atenções!
Sim! Não tem nada a ver com cristianismo, mas comigo e no que creio. Eu poderia ser presbiteriano, e dizer que quando você morre acaba sendo jogado no telhado de casa ou algo assim. Por conta do que creio. Ninguém chega no David Ellefson e diz “Então você acredita em Deus, hein?”, Dave é um desses caras que não chama a atenção.

Você claramente tem uma reputação como figura controversa. Te incomoda essa percepção negativa?
Não. Falam merda de mim. Me elogiam o tempo todo. Tenho que lidar com o que tem de bom e ruim. Se você fizer todo mundo feliz ao longo da vida, qual o propósito? Porque você nunca vai deixar todo mundo feliz, tem que aceitar as cartas que recebeu e fazer o melhor que puder. Tem muita coisa que aconteceu na minha carreira que amo, outras nem tanto; tem muito que não aconteceu, umas que amo, outras nem tanto.

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Você ainda se preocupa com o Grammy? Fiquei realmente surpresa que Dystopia não chegou à votação este ano.
Obrigado. O lance é que, no começo, o Grammy era importante mesmo pra nós. Então começamos a sacar que não seria fácil, porque as pessoas responsáveis tem que ouvir 45 discos de música latina e um monte de música havaiana e discos do Weird Al Yankovich, e quando chega a hora de ouvir metal eles pensam “Foda-se, não vou ouvir isso, que nome já conheço daqui?” e por isso viram o Jethro Tull e seguiram assim, deram pro Jethro Tull o prêmio de metal. Rolaram umas coisas ruins. Mas tudo bem, com ou sem Grammy, fui reconhecido pelos meus colegas, fui indicado quase uma dúzia de vezes e no final das contas é tipo, você está satisfeito com o que tem? E estou — digamos — contente, não satisfeito. Não desisti. Espero entrar no Hall da Fama do Rock’n’Roll, mas você sabe, se não me quiserem lá, tudo bem. Quer dizer, tô quase ali, palmo a palmo com o Metallica, e não importa o que digam ou o que acreditem sobre a sua cerimônia de indicação, eles não estariam ali se eu não fosse da banda, porque estive lá no começo, é uma pequena satisfação minha.

Deve ser frustrante quando você já fez tanto na sua carreira e as pessoas ainda focam no que você fez há tanto tempo.
Não tenho nenhuma rixa, e acho que foi maravilhoso o que rolou. Eram quatro caras muito jovens que mudaram o mundo e eu não mudaria nada porque fizemos uma grande diferença, ensinei muitos guitarristas e ensinei-lhes coisas sobre eles mesmos enquanto guitarristas e que podiam sim fazer isso, dei muito apoio. Porque mesmo que quisesse desistir minha vida inteira, continuei mandando ver, e acho que muitos outros caras não estavam tendo tanta sorte e tudo dava errado e eles puderam pensar “Dave está lá, eu consigo também. Se o Dave consegue, eu também. Eu consigo”. E eu amo isso, ter essa relação com nossos fãs e fãs de heavy metal em geral. Tem muita gente que gosta da música do Megadeth, alguns pela música mesmo, mas muitas vezes quem gosta da banda se impressiona como conseguimos lidar com as adversidades, porque parece mesmo que alguém está passando a perna, saca? Mas eu não ligo, porque amo que faço e não deixo isso me frear. Tenho coisas piores para se preocupar agora do que se alguém gosta ou não de mim.

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Você mencionou que gosta de colocar bandas novas na turnê, para dar-lhes uma chance; rolou na Gigantour e mais uma vez na futura turnê com o Havok. Você sente uma responsabilidade com estas bandas mais novas?
Acho que responsabilidade é o termo errado, penso que tenho a oportunidade de fazer algo bacana, passar adiante, e é como o abrir e fechar de um círculo. Sabe, pra mim, quando se faz algo bom pra alguém, é como caridade, e no nosso meio — ao contrário do pop onde tem muita puxada de tapete — rola muita amizade de longa data. Eu mesmo, por exemplo, posso encontrar alguém que não vejo há anos e nos falamos como se nada tivesse acontecido, e creio que isso que acontece por conta da comunidade em torno do metal. Sharon Osbourne me disse algo na Espanha certa vez, “Só conheço uma pessoa do metal que nasceu em berço de ouro”. O resto é gente da gente. Adoro a Sharon, acho ela foda e quando ela disse isso, pensei “Nunca ouvi nada tão verdadeiro”.

Que disco você considera o melhor para um novo fã ouvir e que melhor representa o Megadeth?
Bom, isto provavelmente soará muito superficial e óbvio, mas acho que passamos um bom tempo sem tocar música como a que está no Dystopia. Acho que Dystopia poderia sair logo depois do Countdown to Extinction, uma evolução natural. Killing, Peace, Rust, Countdown e Dystopia provavelmente são meus cinco favoritos.

O que foi necessário para finalmente lançar um disco como este?
Bem, penso que algumas das canções, as letras que as acompanham, poderiam mudar para qualquer outra coisa e a música continuaria intensa, mas certa vezes quando escuto as faixas, me aparecem certas imagens na mente, uma imagem única, mas que vale mais que mil palavras, como a aquela banda, Bread, certo? [Canta uns trechos de “If”] Vamo lá Kim, me ajuda!

Não sei, é de um pouquinho antes da minha época…
Po, Kim, vou te matar! Sem presentes nesse Natal!

Muitas bandas de thrash antigas ainda lançam discos, seguindo a mesma temática; vocês parecem ser a única banda que pratica o que prega ao cantar estas letras, mesmo que nem todos concordem. Por que tanta revolta?
Acho que muito disso se deve ao Kiko e ao Chris chegarem, verem Dave empolgado novamente, e eu no papel de líder — quando vejo isso, estes respeitáveis músicos felizes em fazerem parte de um grupo, cara, como não ficar? Somos criaturas emocionais; a maioria de nós se sente bem em compartilhar como se sente, e fico triste por quem não consegue descrever o que sente ou tem medo de fazer isso por temer rejeição ou virar alvo de piadas, porque eu cago mesmo pro que pensam de mim. Então quanto falo sobre estar feliz com o disco, o que importa é que nos vejam ao vivo, com Chris ali sorrindo, e David Ellefson sorrindo e Kiko também, a ponto de pensar “Qual é a graça, por que tá todo mundo tão feliz?”. Antes de subirmos no palco e fazemos um círculo, meio que uma oração, e depois voltamos pro camarim e em vez de falar “Deus do céu, tô morto, mal posso esperar por uma cerveja, vou dormir, cara, sei lá, reclama reclama reclama”, todo mundo continua empolgado. O mesmo com golfistas; os amadores falam das tacadas que acertaram, e os profissionais das que perderam.

Há pouco você se mudou para Nashville para ajudar sua filha em carreira no country. O que mais surpreendeu em morar na meca do gênero.
Uma das coisas mais doidas que aprendi é quanto dos músicos ali curtem metal, e quantos curtem de verdade o Megadeth. Outra coisa assustadora é que você pode ir num restaurante qualquer e o cara te atendendo toca tão bem quanto você. Tem toda essa gente talentosa em busca de sucesso, mas entre um show e outro tem empregos comuns. O que tem sido bom pra mim também, ver que onde quer que você vá, você não é nada especial assim. Tem muita gente tão boa quanto você, no mínimo.

Acho que você precisa disso depois de três décadas de gente correndo atrás de você pedindo autógrafo. Deve ser meio horrível.
É uma boa sensação. É bom saber que você importa, que sabem seu nome e que você as fez feliz ou ajudou em algo. É um baita sentimento.

Kim Kelly é editor do Noisey. Siga-a no Twitter.
Tradução: Thiago “Índio” Silva

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