Música

Esse Refugiado Sírio Está Usando a Música Eletrônica Como Resistência Política

Obay* se lembra da sequência aterrorizante de eventos que o forçou a fugir da Síria. Começou com a prisão do seu primo, que foi trancafiado em uma das muitas prisões em que o regime de Assad joga seus opositores políticos. Desde que a guerra civil eclodiu no país, em 2011, essas prisões se tornaram câmaras de morte, onde, segundo investigadores de crimes de guerra, acredita-se que pelo menos 10 mil pessoas tenham morrido sob tortura. Depois da prisão, Obay passou a se esconder, raramente frequentando a universidade, temendo por sua própria segurança. Foi durante esses longos períodos em casa que ele começou a produzir música eletrônica.

Sob a tutela de um amigo chamado Amer Salek, Obay aprendeu a usar ferramentas como osciladores e DAWs. “[A Síria] é um país onde a música eletrônica é muito rara e limitada a DJs tocando música pop tosca local”, ele diz. “Tive que aprender tudo com o YouTube”. Sob o pseudônimo Khan El Rouh, que significa “O Templo da Alma”, Obay começou a produzir faixas esparsas e enfumaçadas que explodem em melodias dolorosamente bonitas, muitas delas pegando a emoção emprestada dos lamentosos sons de instrumentos árabes tradicionais. Não surpreende que ele mencione Nicholas Jaar e Valentin Stip, apadrinhado por Jaar, como suas maiores influências.

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Obay diz que produzir música deu a ele um canal para expressar sua angústia em relação à extrema brutalidade da guerra civil de quase três décadas na Síria, que custou a vida de mais de 100 mil e desalojou milhões. “Queria mostrar o estado mental de desespero que penetrou o espírito dos cidadãos da minha terra”, ele diz. “Aprendi a [transmitir desespero] com um sampling mínimo.” O título da sua faixa mais recente, “Ya Welah”, por exemplo, deriva de uma frase árabe que expressa angústia e sofrimento.

Muitas das produções de Obay são construídas sobre samples escolhidos pela sua forte conotação política. “As primeiras coisas que fiz tinham mensagens políticas escondidas de velhos programas de rádio, [incluindo] uma conversa sobre o poder da juventude”, ele diz. O começo da faixa “Could This Be The End” veio de uma peça de Muhammad al-Maghout – um famoso poeta e dramaturgo sírio que foi repetidamente preso e torturado pela sua filiação ao Partido Nacional da Síria. Como Obay, ele foi forçado ao exílio, mas continuou a produzir obras sobre a injustiça sob o totalitarismo.

Obay produzia música há oito meses quando recebeu a notícia devastadora de que seu primo tinha sido assassinado na prisão onde estava detido. A situação rapidamente se tornou crítica quando um amigo o alertou de que era apenas questão de tempo até que ele também fosse preso. Foi quando Obay decidiu deixar sua família, amigos, bens e tudo que amava para trás, tornando-se um refugiado no Chipre, onde recebeu asilo político do governo turco. 

Embora ele recentemente tenha sido aceito em uma universidade local e se sustente com dinheiro enviado pela sua família na Síria, Obay não tem conseguido produzir música sem o seu equipamento. “Tive que deixar todo o meu equipamento para trás – um baixo elétrico, um pedal zoom e um controlador MIDI”, ele diz. Por isso, embora diga que odeia a ideia de arrecadar dinheiro, Obay abriu uma página no GoFundMe, através da qual espera conseguir US$ 2 mil para comprar os instrumentos que não pode pagar. (Até o encerramento da matéria, a página tinha arrecadado míseros US$ 30.) Mesmo assim, Obay tem esperança de algum dia voltar a produzir música e encorajar as pessoas a dizer não à opressão, “não usando armas, mas a minha música”. 

* O sobrenome de Obay foi omitido para proteger sua identidade

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Michelle Lhooq é Editora de Features do THUMP – @MichelleLhooq

Tradução: Fernanda Botta