Joao adicionou Teresa que seguia Raimundo
que fez like a Maria que adicionou Joaquim que partilhou Lili
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que não tinha redes sociais.
João foi para o tinder, Teresa para o fb,
Raimundo apanhou um virus no seu mac, Maria perdeu a pass,
Joaquim fez um blog e Lili bloqueou J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
Se Carlos Drummond de Andrade tivesse de fazer um poema sobre os relacionamentos humanos de hoje, seria qualquer coisa assim. Nunca foi tão fácil apaixonares-te e desapaixonares-te nesta era de redes sociais. Não se perde tempo com quem diz ter os mesmos gostos do que nós e – como plus – não precisamos de gastar dinheiro em roupa e jantares antes do tempo. A única exigência é ter um bom filtro na foto de perfil e escrever correctamente o português. E mesmo assim nao tenho a certeza quanto à ultima.
Apaixonar-se online é poder fazer sexting enquanto se está a fritar filhoses na noite de Natal para a familia toda. Uma fuga da realidade monótona e a preto e branco. Quem é que quer ouvir da operação da tia Isabel e das complicações do avô quando lhe foram retiradas uma pedras do rim? Ninguém! Especialmente quando as tuas primas mais novas estão a gritar “OMG TIPO NÃO PODE SER”, porque descobriram no insta que o @6pack4u agora namora com a @loveyourlife.
Vê: “A indústria do amor na era dos smartphones“
Diziam que só tínhamos uma vida, mas “TA-DA!”, agora oferecem-nos outra, de banda larga, por pouco mais de 15 euros por mês. Uma vida feita de caracteres e imagens, onde todos temos piada, vidas espetaculares, um pouco de depressão (porque todas as almas especiais sofrem de depressão) e onde nem sequer precisamos rir, basta escrever “lol” no meio de lágrimas e ficam convencidos que sim, deitámos a cabeça para trás, os nossos longos cabelos brilhantes caíram sobre o ombro nu e demos uma gargalhada que nos fez mostrar os 36 imaculados e brancos dentes.
Então não é tão bom ter companhia nas finanças ou no velório do tio, em vez do tradicional patego da “vida real” que não quer ir porque tem de – imaginem só – trabalhar. Transportam-se manadas de amigos no bolso, vão contigo para todo o lado e – e a magia resume-se a isso – podes mandar calá-los quando te apetecer. Heaven.
Woody Allen dizia que a masturbação não devia ser menosprezada, porque é “como fazer amor com a pessoa que mais amas” e eu lembro-me sempre dessa frase quando me falam em relacionamentos online. No fundo, é dedicares o teu tempo a alguém que projectas ao teu gosto. Não há voz nem cheiro. Há aquilo que tu queres. No meu caso, tem um metro e noventa, barba de três dias, voz rouca e valores morais certos. Geralmente, não corresponde à realidade. Tem metro e meio, é coxo e badocha. Pelo menos uma vez foi. Duas, vá. Mas não faz mal. Enquanto se vive essa paixão irreal sabe bem. Tudo é perfeito e, ainda por cima, podes continuar a fazer filhoses de Natal para a tia Isabel. É como ter uma vida paralela onde tudo corre bem e a outra pessoa nem sequer importa muito, mas sim a imagem que tens dela. Woddy Allen explica.
Acredito que, em 10 por cento dos casos de amores virtuais, as coisas funcionam assim. Como acredito que 90 por cento de quem tem cancro no pulmão fumava. É o factor sorte e pouco mais. Acredito também que a dor quando acaba é mais longa do que quando acontece somente na vida real. Antes das redes sociais era fácil evitar o outro, não se ia ao bar comum, virava-se para o outro lado da rua e o luto fazia o seu progresso comme il faut.
Hoje em dia, saber do outro está à distancia de um clique. De repente, continuas a saber o que ele come pelo Insta, como está a família pelo FB e os seus pensamentos mais macabros pelo Twitter. Bloquear exige imensa força e, nesta era da pouca vontade, é tão mais fácil ver o que o outro anda a fazer sem nós do que nos domesticarmos e nos prepararmos para as fases que Kübler-Ross tão bem explicou. Arrasta-se com a barriga o recompor da nossa sanidade mental e vê-se o dia-a-dia (per supuesto falso) de quem nos encheu a alma com caracteres.
Tontos os felizardos que conseguiram, depois de se conhecerem, serem felizes. Ironicamente, apagam a aplicação que os juntou, num acto de fé de não se voltar a repetir, embora não acredite que, no fundo de cada um, não haja esse medo. É como se conhecerem num bailarico e, de repente, um dia o gajo (ou ela, ou ela) volta lá sem a companheira (ou companheiro, larguem-me feminazis!) para passar um bom bocado ao som de Quim Barreiros que, maroto, canta um romântico “Ponho o carro, tiro o carro, à hora que eu quiser”.
Talvez o segredo seja não fazer das redes sociais um fim, mas sim um meio. São óptimas para conhecer pessoas, mas não demorem muito a ver-lhes a cara e a sentirem-lhes o cheiro. Ouvirem a voz. Não percam tempo para rebentar a bolha de ilusão e encararem a realidade. Há óptimas pessoas à espera de serem descobertas e, por vezes, não o fazemos por idealizamos o “arroba matulão” que, afinal, não passa de uma flor de estufa. Tenham a pressa de conhecer ao vivo, como têm a pressa de ver as notificações logo de manhã. Não nos estraguemos por tão pouco.
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