Depois de expor em Berlim e lançar um livro do projecto, a fotógrafa portuguesa Rita Braz exibe agora o seu projecto “Q Revolt – Portrait of Women Who Love Women” em Lisboa, em modo pop up store, de 20 a 22 de Abril.
O trabalho surgiu com o propósito de mostrar a maior diversidade possível de mulheres, “desde a butch à lipstick e todo o espectro entre elas”, e quebrar o preconceito social de como uma mulher homossexual é suposto parecer – como parte dessa luta maior, e ainda bastante real, de acabar com a marginalização que muitas pessoas sofrem devido à sua orientação sexual, muitas vezes desencadeada pela aparência.
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A “sapatona” e esse preconceito que se lhe associa, de que para seres uma mulher que gosta de outras mulheres o teu cabelo deve ser curto, deves mexer-te e vestir-te à homem – whatever that means – e, já agora, calha bem seres vegetariana. No fundo, ainda há quem pense que uma mulher que é lésbica é também – logo à partida e assim sem hesitar – masculina.
Através das suas fotografias, íntimas e despojadas, Rita mostra-nos uma espécie de derradeira prova de que isso não é verdade, ao dar o protagonismo a 100 mulheres que a única coisa que têm em comum é a sua orientação sexual. E, como no limite somos todos um bocadinho gay, talvez estereotipar e categorizar tanto as coisas não seja o melhor caminho.
No que toca à fotógrafa, a ideia veio-lhe dessa certeza assombrosa de que a sua liberdade em ser quem é está demasiado condicionada pelas circunstâncias – estivesse ela noutras partes do Mundo e mostrar e viver o seu amor com a sua mulher não seria nada, nada fácil. E mesmo aqui, onde posso dizer que “somos todos um bocadinho gay” e o máximo que vocês podem fazer é discordar comigo, nem tudo é um mar de rosas e ainda há preconceitos e desigualdades a derrubar.
O Q Revolt é, por isso, “apenas” uma outra maneira de o tentar fazer. Falámos com a artista.
VICE: Olá Rita. Como te surgiu a ideia para este projecto?
Rita Braz: Começou numa viagem que fiz aos Balcãs com uma amiga. Ambas vivíamos em Berlim e eu andava em busca de um novo projecto. O contraste que encontrámos na Croácia e na Bósnia, comparativamente à forma como vivíamos em Berlim, fez-nos pensar no quão diferentes as nossas vidas seriam se vivêssemos ali. Foi assim que nasceu esta vontade de fotografar mais mulheres como nós e tentar quebrar o estereótipo existente.
Porquê o nome Q Revolt?
Algures em Sarajevo vimos Q Revolt escrito numa parede, em vermelho. Automaticamente achámos que seria Queer Revolt. A partir desse momento o nome ficou comigo e, para mim, fez todo o sentido.
Como é que conseguiste concretizar o projecto?
Apesar de ter começado em 2013, o projecto passou por uma altura de maior estagnação, essencialmente por falta de tempo e de financiamento. Foi só em Março de 2017 que, à conversa com amigos, decidi que seria uma boa altura para me voltar a dedicar e a plataforma Kickstarter surgiu como uma boa solução para a falta de financiamento.
As reacções foram fantásticas, tive alguma atenção por parte dos media e o dinheiro foi chegando. Desde família, a amigos, até completos desconhecidos, a verdade é que houve mais de 100 pessoas a acreditar e a investir no Q Revolt. O livro foi lançado em Berlim, juntamente com uma exposição em parceria com o STUDIOLO Berlin, em Outubro de 2017.
Qual é a mensagem que queres passar com estas fotografias, tanto à comunidade LGBTQ, como à comunidade hetero, e como é que achas que estes retratos de “mulheres que amam mulheres” ajudam a combater estereótipos?
O objectivo por trás do Q Revolt era dar visibilidade a mulheres como eu, que não se encaixam no estereótipo do que uma mulher que ama outra “deve” parecer. Para quebrar esse estereótipo, o meu objectivo era mostrar a maior diversidade possível, mostrar que não há um só tipo de mulheres que amam mulheres, mas que existe todo um espectro, assim como acontece com as mulheres que amam homens.
Outro objectivo que foi sendo criado consoante ia fotografando e conhecendo as pessoas foi, também, o empowerment de mulheres mais novas e que ainda estejam a descobrir a sua sexualidade – o facto de poderem ver esta diversidade e não se sentirem na obrigação de serem de uma certa forma só porque amam outras mulheres.
Na tua actividade enquanto fotógrafa e directora criativa, alguma vez te sentiste tratada de maneira diferente no mercado de trabalho, quer por seres mulher quer pela tua orientação sexual?
A nível de trabalho tenho a sorte de ter encontrado equipas fantásticas que sempre olharam para mim como uma profissional e não só como mulher ou pela minha orientação sexual. Em Berlim, pelo contrário, até senti que, por vezes, esse factor me tornava mais interessante e diferente – o que também não faz sentido.
Quem são as mulheres das fotografias e onde as encontraste?
Algumas pessoas fazem parte do meu círculo de amigos ou foram-me recomendadas por amigos. Outras, foram mulheres que me contactaram directamente porque queriam fazer parte do projecto – outras contactei eu. Para mim era importante dirigir o projecto de forma a conseguir a maior diversidade possível. As fotos foram tiradas em Berlim, Hamburgo, Viena, Amesterdão, Nova Iorque, Lisboa e Porto.
Como é que sentiste por teres mulheres desconhecidas a quererem fazer parte do projecto e como é que isso foi importante para o resultado final?
Durante o processo foi engraçado ver como nos diferentes países as pessoas se interessavam pelo projecto e queriam participar. Em Portugal tive muito mais procura de pessoas que queriam ser fotografadas, porque acreditam que a visibilidade é meio caminho para se combater o preconceito.
Em Amesterdão, pelo contrário, tive algumas reacções de pessoas que sentiam que não havia qualquer necessidade de participar porque não sentiam, nem nunca tinham sentido, qualquer discriminação. Em Berlim por exemplo, a procura era mais porque achavam “cool”. Foi giro ver estas diferenças!
Como foi fotografar pessoas que não conhecias, quando o tema das fotografias é tão íntimo e pessoal?
Todas as mulheres que participaram no projecto puderam escolher um sítio de que gostassem e no qual se sentissem confortáveis. Para as fotografar, passei a maior parte do tempo a falar e a conhecer cada uma, a ouvir as suas histórias e experiências e, só na parte final em que já se sentia alguma descontracção, é que fotografávamos. Acho que é esse laço de confiança que se vê nos retratos também.
Viveste em Berlim muitos anos, onde te sentias mais livre para expressar o teu amor e orientação sexual. De que maneira é que te sentias mais condicionada em Lisboa?
Vivi em Berlim a partir de 2010 e sem dúvida que noto alguma diferença na aceitação comparativamente a Portugal. Mas, para mim, desde o início deste projecto, foi muito importante dar visibilidade a mulheres em Portugal – por isso passei duas semanas entre Lisboa e Porto só a fotografar. Conheci imensa gente e aprendi muito também.
Berlim é uma cidade mais aberta, em parte pela sua história, mas também pela grande diversidade da população. As pessoas estão habituadas a terem a liberdade de explorar aquilo que querem ser. Por cá penso que ainda há um caminho a percorrer no que respeita ao preconceito existente e à aceitação por grande parte das pessoas. Mas, pela minha experiência a fotografar em Portugal, as pessoas estão interessadas em fazer parte da mudança e isso é fantástico!
Porquê 100 mulheres? Porquê esse número certo?
Na altura achei que 100 mulheres era um número realista de fotografar e que já poderia mostrar alguma diversidade. Precisava de um mínimo para saber quando parar de fotografar e também de um limite para não continuar eternamente à procura e não acabar o livro.
A exposição em Lisboa é levada a cabo em conjunto com a TARA Gallery, que tem apoiado a artista desde o início do projecto e vai incluir também uma loja pop-up na qual, entre 20 e 22 de Abril, estará à venda o livro, t-shirts e outros merchandise Q Revolt, com 10 por cento do valor das vendas a ser oferecido à ILGA Portugal.
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