Em 13 anos, a revolução robótica aposentará carros e todo petróleo mundial

Um fascinante relatório prevê que o motor de combustão interna, assim como toda a indústria do petróleo, sumirão da face da Terra em pouco mais de uma década. O motivo disso? A revolução robótica.

Até 2030, futuros avanços tecnológicos e o aumento drástico da eficiência dos veículos elétricos autônomos (VEA) destruirão o setor automobilístico, o que, por sua vez, fará despencar a demanda mundial por petróleo. Esse é o veredito de um novo relatório, intitulado Rethinking Transportation 2020-2030: The Disruption of Transportation and the Collapse of the ICE Vehicle and Oil Industries e publicado há pouco pela RethinkX, um grupo de pesquisa independente.

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Escrito pelo investidor de risco James Arbib, criador da Fundação Tellus Mater, uma instituição filantrópica ambientalista, e de Tony Seba, especialista em tecnologia disruptiva e energia renovável da Universidade de Stanford, nos EUA, o relatório é uma crítica direta às atuais previsões, cujas estimativas sobre o futuro dos carros elétricos são muito mais conservadoras.

Segundo o relatório, o impacto da automação nas indústrias automobilística e petrolífera não será apenas profundamente disruptivo: ele será fatal. Após essa revolução tecnológica, reservas de óleo colossais se tornarão obsoletas, e os trilhões de dólares investidos na indústria petrolífera se tornarão inúteis.

Consequentemente, a maior parte das pessoas irá abandonar seus carros, escolhendo, em vez disso, utilizar um serviço inovador: frotas de carros elétricos compartilhados que poderão ser usados quando necessário, a um menor preço e com maior praticidade.

A Curva “S”

A Carbon Tracker, uma think-tank londrina, prevê que, em 2035, os veículos elétricos irão contabilizar cerca de 35% do mercado dos transportes rodoviários. Essa taxa de crescimento é maior do que as encontradas na maioria das projeções. O World Energy Outlook 2017, relatório anual da Agência Internacional de Energia, sugere que esse número chegará a apenas 6%.

No entanto, Arbib e Seba afirmam que essas previsões são baseadas em metodologias ultrapassadas que já falharam em antecipar a velocidade e escala das últimas revoluções tecnológicas, entre elas a popularização de itens como celulares, microondas e câmeras digitais. A adoção em massa de tecnologias inovadoras segue uma “curva em forma de S” — começando com um crescimento lento, seguido de uma aceleração e culminando em uma taxa de crescimento exponencial.

“O Uber, uma empresa criada em 2008, atendeu mais clientes em 2016 do que toda a indústria de táxi dos Estados Unidos. É isso que eu chamo de revolução”, disse Tony Seba, co-autor do relatório. “E isso aconteceu em apenas 12 anos. Revoluções tecnológicas acontecem, e elas estão acontecendo com cada vez mais frequência”.


Em apenas uma década, o Uber mudou a infraestrutura de nossas maiores cidades. Crédito: Mark Warner/Flickr

Segundo ele, a venda de carros elétricos já está seguindo essa curva. Segundo o relatório, os custos de produção dessa tecnologia estão caindo e sua rentabilidade crescendo. Além disso, o mercado de carros elétricos está passando por inovações tecnológicas em um ritmo muito elevado — tendências, que, quando juntas, costumam indicar uma provável revolução mercadológica.

Os resultados do relatório são surpreendentes. Caso o governo dos Estados Unidos decida investir no mercado de carros elétricos, Arbib e Seba prevêem que até 2031 “95% de todo o transporte de passageiros será feito por serviços de mobilidade que operarão frotas de veículos elétricos autônomos, oferecendo aos passageiros um melhor atendimento, corridas mais rápidas e mais segurança por um custo até 10 vezes menor do que o de veículos de uso individual”.

Isso significa que nós iremos compartilhar carros com apenas um apertar de botões, a um custo drasticamente menor, em estradas mais seguras e com um impacto ambiental potencialmente menor.

O Dr. Nathan Hagans, ex-vice-presidente da Lehman Brothers e atual professor de ecologia da Universidade de Minnesota, afirma que esse cenário só se tornará realidade caso os carros autônomos sejam regularizados pelos órgãos competentes, um evento que, com base em recentes comunicados de fabricantes de automóveis, ele acredita ser “altamente improvável”.

No entanto, o relatório ressalta que as coisas estão mudando em um ritmo assustador: o estado da Califórnia, por exemplo, já propôs regras para o funcionamento de veículos completamente autônomos.

Abrindo mão do controle dos carros

Os autores do relatório afirmam que os carros elétricos se tornarão tão baratos e convenientes que, do ponto de vista econômico, ter um carro próprio não fará mais sentido. No entanto, caso você more em uma área rural ou periférica, é provável que seu carro tenha mais alguns anos de vida útil.

Isso porque, segundo Hagens, o cenário exposto nesse relatório não leva em conta um tipo de transporte privado muito comum — a migração pendular. Muitas pessoas “se deslocam até a cidade, deixam o carro lá e o pegam de volta à noite. Não há nenhum modelo de compartilhamento de carro que leve isso em consideração”.

Arbib citou dados do governo americano para afirmar que isso não é um problema tão grande quanto Hagens imagina: “Apenas uma pequena porcentagem dos deslocamentos acontecem entre áreas rurais e urbanas. Além disso, a migração pendular representa apenas 15% das viagens diárias”.

Mas será que os americanos irão desistir tão facilmente de seus carros? “Gostamos da possibilidade de sair de casa, entrar em nosso próprio carro e ir para onde quisermos, parando pelo caminho quando bem entendemos “, disse Hagens. “O novo modelo implica esperar, mesmo que por apenas cinco minutos, por um carro autônomo — com isso, aspectos como “controle” e “espontaneidade” se perdem”.

Arbib e Seba têm uma resposta muito simples para essa crítica. Um século atrás, argumentam eles, o motor de combustão interna substituiu as carruagens em pouco mais de uma década. Na época, ninguém acreditava que essa tecnologia fosse vingar, já que “todos amavam cavalos”. E o resto, dizem eles, é história.

“Países que não conseguirem mudar seu sistema de transporte serão o equivalente moderno de países com transportes de tração animal tentando competir com economias cujo sistema de transporte inclui carros, caminhões, tratores e aviões”, conclui o relatório.

O grande motor dessa mudança será o baixo custo dos novos tipos de transporte, afirma Arbib. “O custo desse novo transporte será baixo o suficiente para angariar adeptos entre habitantes rurais de baixa renda; além disso, planejar viagens e reservar carros com antecedência será muito fácil”. Não só os novos veículos serão mais baratos — a manutenção dos carros antigos, movidos à gasolina, se tornará mais cara.

“Quando atingirmos uma taxa de adoção entre 55% e 70%, operar veículos antigos será muito difícil. Essa adoção em massa culminará em um momento decisivo, o que pode tornar nossa previsão de 95% conservadora”.

Mesmo que as zonas rurais demorem a adotar esses novos meios de transporte, o impacto urbano já será o suficiente para afetar o mercado automobilístico: resumindo, a não ser que elas se transformem em fabricantes de peças ou provedoras de transporte, as montadoras entrarão em colapso.

Com a queda do número de carros particulares, o número de automóveis nas ruas irá cair em até 80%. Além disso, como a maioria dos carros passa mais tempo parado do que em movimento, uma frota de 26 milhões de carros autônomos poderia atender a demanda de toda a população americana em 2030.

O colapso do petróleo

Caso Seba e Arbib estejam certos, a indústria do petróleo está prestes a encarar uma crise sem precedentes. Segundo eles, a demanda global por petróleo irá cair de 100 milhões de barris por dia em 2020 para cerca de 70 milhões de barris por dia em 2030. O preço do petróleo irá cair para US$25 por barril, o que significa que a indústria petrolífera pode entrar colapso ainda mais cedo, por volta do ano de 2021.

Não apenas os campos de petróleo se tornarão obsoletos, como grandes oleodutos como o Keystone XL e o Dakota Acess também serão um investimento perdido.

Grandes exportadores de petróleo como a Arábia Saudita, a Venezuela, a Nigéria e a Rússia sofrerão uma onda de instabilidade política a medida em que seu principal produto de exportação perde seu valor. Esses países enfrentarão “o aumento da dívida externa, cortes nas despesas sociais e aumento da da pobreza e desigualdade”.

Embora a curto prazo isso possa representar um risco geopolítico para os EUA, as consequências seriam menos desastrosas devido à queda da demanda pelo petróleo extraído nessas regiões.

Mas isso não quer dizer que não existam outros desafios. Hagens crê que essa mudança exigiria uma reestruturação de toda a indústria mundial. Caso isso não aconteça, uma das consequências poderia ser uma crise de abastecimento de minérios como o lítio e cobalto.

Arbib não concorda. Apesar disso, ele admite que a expectativa de vida dos novos veículos será muito menor, completando que: “não será necessário aumentar os níveis de produção, em parte porque, em média, teremos menos veículos nas ruas “. Em outras palavras, o novo modelo de transporte exigirá menos recursos.

Segundo o Professor Ugo Bardi, do Departamento de Ciências da Terra da Universidade de Florença, as preocupações de Hagens quanto à escassez de recursos são válidas: as sugestões do relatório são viáveis, mas não simples.

“Me parece que eles estão negligenciando a necessidade de reestruturar a rede de abastecimento de energia a fim de produzir mais energia elétrica renovável”, afirma Bardi, cuja própria pesquisa constatou que os atuais investimentos em energia renovável não são o suficiente para deter as mudanças climáticas.

Sem esses investimentos, “não teremos energia suficiente para alimentar todas nossas necessidades — o que inclui os carros elétricos”. Na pior das hipóteses, a necessidade de sustentar esse novo modelo pode vir a criar, a curto prazo, uma demanda por mais carvoarias, “o que seria desastroso em vários níveis”.

Seba argumenta que mesmo sem investimentos substanciais, a atual infraestrutura elétrica americana seria capaz de suprir a demanda extra, desde que a frota fosse recarregada à noite: “além disso, as empresas que estão investindo nisso já estão construindo suas próprias estações de recarregamento, e muitas também estão investindo em estações de energia solar e eólica”.

Embora seja difícil imaginar uma mudança tão drástica acontecendo na próxima década, Bardi me disse que os argumentos do relatório da RethinkX são plausíveis: “eles estão certos… Agora, se isso vai acontecer na velocidade que eles imaginam é outra história. Mas é possível que sim”.

Não existem muitas dúvidas de que os EUA estão à beira de uma crise dos transportes. Mas só o tempo dirá com qual velocidade — e sustentabilidade — esse processo irá acontecer.

Enquanto isso, talvez seja hora de tirar seu carro da garagem para uma voltinha — afinal, não sabemos quando ele será substituído por um robô.

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