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Música

'O Maestro do Canão' É um Filme sobre o Legado do Sabotage

O filme mostra fitas dele que nunca foram reveladas ao público, imagens dos ensaios do filme Carandiru e dos primeiros shows do rapper.

A pré-estreia do documentário O Maestro do Canão, que conta a trajetória do Sabotage, deu ruim. Rolou um puta tumulto, uma galera se machucou e muita gente ficou sem assistir o filme. Porém não há motivo para temor, porque desde a última sexta-feira (6) qualquer pessoa que tiver seu ingresso em mãos vai poder assistir O Maestro do Canão, tranquilamente sentadinho, nas sessões diárias e gratuitas que o Espaço Itaú de Cinema, em São Paulo, está oferecendo. A mamata, segundo a organização, dura "aproximadamente um mês", ou seja, vai até o dia 5 de abril.

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Produzido por Dennis Feijão e Ivan 13P, que também assina a direção, as gravações do documentário sobre a trajetória e a genialidade do rapper paulistano começaram em 2002, antes de seu assassinato ainda cheio de mistérios. E dias antes de cair no meio da confusão, quando a porta de vidro ainda estava em pé, os joelhos ainda estavam intactos e os corações não estavam feridos, trombei o Ivan 13P e fiz umas perguntas sobre o filme. Agora que a poeira baixou, publicamos a entrevista para alinhar este papo e deixar os tumultos para trás. Leia a entrevista na íntegra:

Noisey: Ivan, como nasceu o projeto para o Maestro do Canão?
Ivan 13P: Comecei o projeto em 2002, quando eu e o meu ex-sócio fomos convidados por duas produtoras gringas para ajudar a dirigir e produzir o Favela no Ar, um documentário sobre o hip-hop de São Paulo com diversos rappers da cena. A gente entrevistou vários caras, e entre eles estava o Sabotage, que chamou nossa atenção desde o início; sentimos na hora que ele era bastante diferenciado em relação aos outros. Conforme a edição foi acontecendo, vi que ele deveria ter um documentário só dele e comecei a planejar o Maestro do Canão. Boa parte do projeto eu fiz com pouco dinheiro e sem apoio financeiro. Então, o Wanderson Sabotinha, filho do Sabotage, me apresentou o Dennis Feijão, que estava finalizando o documentário do Raul Seixas com a sua produtora, a Elixir Entretenimento. O Dennis adorou a ideia e fechamos a parceria entre a 13 Produções e a Elixir. A partir disso, conseguimos levantar bons apoios para gravar o que estava faltando e concluir O Maestro do Canão.

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Esta não é a primeira vez que fazem um documentário só sobre o Sabotage. O que você fez de diferente neste trabalho?
Eu não queria que o meu trabalho fosse influenciado pelo documentário que fizeram anteriormente do Sabotage, o Nós, da MTV, que tem até imagens feitas por mim no Favela nor, então decidi não assistir e seguir o meu próprio caminho. Mas a premissa do Maestro do Canão foi o de usar apenas material inédito, coisas que ninguém nunca viu sobre o Sabotage. Conseguimos, por exemplo, fitas dele que nunca foram reveladas ao público, imagens dos ensaios do filme Carandiru e dos primeiros shows do Sabotage. Outro importante diferencial é que investimos bastante na ideia de trazer pessoas de fora do mundo do hip-hop para falar. São mais de 30 depoimentos de gente como o Paulo Miklos, do Titãs, o Hector Babenco [diretor do longa Carandiru], o ator Ailton Graça e até a Doroteia, que é a moça que trançava o cabelo do Sabotage. Quem já conhece o Sabota vai descobrir coisas novas sobre ele, e quem não conhece vai ver o quanto ele era um cara talentoso.

Há muitos mistérios e equivocos que giram em torno da trajetória do Sabotage. Não queremos que você entregue o ouro antes da estréia, mas rolaram descobertas sobre ele que talvez as pessoas não saibam?
As pessoas sempre carregam a expectativa de que você vá falar do assassinato e da passagem do Sabotage no tráfico, mas decidimos não entrar a fundo porque este é um assunto policial e não cabia a nós tentar solucionar essas coisas. Então focamos naquilo que fez as pessoas admirarem o Sabotage, que foi o fato dele ter sido um artista excepcional. Mas algo que me surpreendeu bastante, e que muita gente não sabe, é que a participação do Sabotage no cinema não se resume apenas aos pequenos papéis que ele interpretou. Por exemplo: a influência que ele exerceu nos bastidores do Carandiru, que é um dos maiores clássicos do nosso cinema, foi fundamental para a narrativa do filme. Ele ajudou muito o Hector Babenco a reescrever o roteiro contando a realidade e o cotidiano do presídio. Há até um momento do documentário que o Sabotage aparece dizendo pro Babenco que aquela história não poderia ser contada como em Hollywood, que aquilo ali era o Carandiru, a realidade era outra. Ele mostrou para os atores como os prisioneiros e as pessoas se comportavam nos dias de visita. Conseguimos imagens em que o Sabotage está praticamente dirigindo a atuação do Caio Blat, que depois disso tornou-se amigo do Sabota. Ele fez a equipe entender que dentro da cadeia você não fica falando coisas à toa, que é o silêncio que prevalece e que cada palavra sua será cobrada depois. Dito isso, se você for rever o Carandiru, dá pra sacar a importância do silêncio em certas cenas.

O Maestro do Canão é sobre o legado que o Sabotage deixou. Na sua opinião, qual é a diferença da música brasileira de antes e depois dele?
Infelizmente, ele não teve tempo de fazer tudo aquilo que poderia ter feito. Mas o pouco que ele fez foi muito significativo, como o único álbum de estúdio dele; O Rap É Compromisso é uma obra prima do hip hop e da música brasileira. Em apenas dois anos ele lançou o disco, gravou um monte de músicas, fez cinema, participou de diversos documentários e deixou uma marca muito forte e bem característica por onde passou. É unânime: todo mundo que entende de música e de cultura fala sobre como o Sabotage conseguiu unir o negro, o branco, o rico e o pobre em torno da música. Como ele mesmo dizia em “Mun-Rá”, era rídiculo procurar respostas para o preto e o branco unidos. O Sabota tinha esse potencial de quebrar barreiras e de juntar as pessoas sem ligar para os preconceitos. Ele teve um papel fundamental em mostrar para os brasileiros que o rap podia circular no universo do rock, do samba, do reggae, do funk e de qualquer outro gênero musical. Ele ousava muito.

Com seus altos e baixos, o que a vida do Sabotage tem a nos dizer?
O pai do Sabotage largou a família quando ele era pequeno, então ele e os irmãos foram criados sozinhos pela mãe na favela. Ele passou muitas dificuldades e sempre acreditou que o rap podia mudar a sua vida, e não o tráfico. A intenção dele sempre foi a de cantar e escrever músicas, e quando apareceu a oportunidade, ele agarrou com unhas e dentes. O Sabotage veio de um lugar em que é muito difícil ter um sonho e realizá-lo, mas ele nunca desistiu de acreditar no próprio talento. Ele teve ajuda dos melhores rappers da época, mas sempre trilhou o seu próprio caminho. Parece clichê, mas a história dele é de persistência e resistência às adversidades. A persistencia do Sabotage é um exemplo de vida pra qualquer um, pois ele sabia que não basta querer, tem que fazer e não desistir.