Imagine que você é um milionário ou bilionário ansioso com um vírus mortal se espalhando pelo globo, varrendo populações e colocando as relações de mercado e bolsas de valores de cabeça pra baixo. O que você faria? Pra onde você e seus sacos de dinheiro iriam para se esconder da calamidade crescente? Nas circunstâncias atuais, essa não é uma pergunta boba para os ricaços do mundo, e alguns deles estão correndo pros bunkers. Literalmente.
É aí que entra o Survival Condo, um silo de míssil da Guerra Fria em Kansas, EUA, com 15 andares abaixo do solo que foi reformado como um condomínio de luxo. As armas que antes ocupavam esse espaço se chamavam mísseis Atlas, os primeiros mísseis capazes de cruzar continentes para jogar ogivas nucleares do Armagedom. Por alguns anos depois de sua implantação em 1959, eles foram os objetos mais mortais da face da Terra, mas em 1965 os Atlas se tornaram obsoletos e os 72 pontos de lançamento foram desativados.
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Metade dos silos foram destruídos pelo governo americano. Os que restaram e a terra ao redor deles foram leiloados. Fazendeiros os compraram por uma bagatela e usavam como pasto.
Larry Hall, empreiteiro e dono do Survival Condos, descobriu esses silos abandonados e viu uma oportunidade de negócio. Esses enormes bunkers subterrâneos cilíndricos – com paredes de concreto fortificado de até 2,70 metros de espessura e construídos para resistir a um ataque nuclear direto – são um lugar perfeito para se esconder de qualquer tipo de desastre de fim do mundo que os mísseis Atlas poderiam ter criado no passado.
Em 2008, Hall trabalhou com o estado do Kansas para encontrar um silo que pudesse ser adaptado como habitação. Depois de adquirir um desses silos em 2010, Hall começou a tarefa árdua de tirar 49 milhões de litros de água de chuva acumulada e remover as estruturas de lançamento enferrujadas e detritos. Com o silo vazio, Hall construiu um condomínio subterrâneo de última geração com um toque especial. Os ocupantes desse prédio de luxo, com sistemas de energia redundantes, filtros de ar de classe militar e um suprimento de comida e água para cinco anos, podem sobreviver ao apocalipse.
“A missão é proteger os moradores de uma variedade de ameaças”, disse Hall. “De ameaças virais e bacterianas até químicos e cinzas vulcânicas, meteoros, explosões solares e distúrbios civis.”
Agora ele está recebendo uma onda de interesse em seus Survival Condos, já que a ascensão do COVID-19, conhecido como coronavírus, fez pessoas de todas as faixas de renda contemplarem esses tipos de desastres.
Nos EUA, as vendas de munição decolaram, e alguns asiáticos americanos preocupados com violência racista estão comprando armas. Já é difícil encontrar desinfetantes de mão, e as pessoas estão comprando e estocando papel higiênico mesmo não sabendo exatamente por quê. Lojas que vendem produtos como rações de sobrevivência estão vendo picos nas vendas. My Patriot Supplies, um revendedor online de equipamento de emergência e sobrevivência, está tão sobrecarregado que o site já avisa os preppers (sobrevivencialistas) em potencial sobre falta de estoque e longas esperas. “A procura nacional por comida armazenável continua perto de 100 vezes o normal. O envio SERÁ atrasado nos pedidos, provavelmente em 8 semanas ou mais em muitos casos. Complete o checkout para reservar seu lugar na fila agora!”, diz um pop-up no site.
Atlas Survival Shelter, que vende uma variedade de bunkers e abrigos além de material de sobrevivência, também está vendo um pico nas vendas, especialmente em comida.
“Suprimentos estão esgotados”, disse Ron Hubbard, presidente da Atlas Survival Shelter. “Não há mais nada pra comprar e os fornecedores estão sem produtos.” Hubbard acrescentou que também viu uma explosão de interesse em seus abrigos de sobrevivência, o mais barato saindo por US$ 35.999 [cerca de R$ 174 mil].
Se quem não é milionário está desembolsando tanta grana por um bunker de fundo de quintal, com certeza os ricos estão fazendo o mesmo. Unidades no Survival Condo custam US$ 1,5 milhão por 83 metros quadrados, ou US$ 4,5 milhões por 334 metros quadrados. E os preços sobem para customizar o espaço. Por exemplo, um cliente saudita optou por acrescentar uma mesquita subterrânea além de um hangar de helicóptero subterrâneo secreto estilo James Bond ligado a um túnel até sua unidade.
Cada unidade é equipada com uma cozinha e banheiro de ponta, além de “janelas virtuais”, telas nas paredes que mostram um vídeo em tempo real do mundo lá fora. O prédio também conta com uma academia, piscina e cinema, além de instalações de processamento de resíduos, um estande de tiro, uma área para passear cachorro, uma sala de aula e uma plantação hidropônica.
No passado, como Hall disse a VICE, as vendas estavam relativamente lentas. Pouca gente pode pagar os preços dele, e poucos ricaços do planeta estavam preocupados com o fim do mundo para gastar tanta grana num plano de fuga. Mas na era do coronavírus, isso está mudando.
Um novo proprietário no começo de março viu uma unidade na internet e a comprou quatro dias depois, sem visitar o local, disse Hall. As vendas estão aceleradas que Hall já quase esgotou as vagas em outro Survival Condo numa área secreta de silo Atlas em Kansas. Com 14 mil metros quadrados, esse projeto será ainda maior e vai abrigar mais pessoas.
“Nunca tivemos tanta gente marcando visitas em um período tão curto de tempo”, disse Hall. “Temos um número recorde de pedidos de passeio pela instalação. Isso é algo sem precedentes e notamos um senso de urgência e seriedade que não havia antes.”
Críticos sentem que o conceito subjacente da mentalidade de sobreviver a desastres através de bunkers individuais é falho. “Um condomínio fortificado não é uma estratégia viável para o juízo final”, disse Douglas Rushkoff, autor e apresentador do podcast Team Human. “É uma visão de mundo de bilionários ocidentais.”
Rushkoff argumenta que nossa sobrevivência como indivíduos e como espécie depende da nossa habilidade de nos juntar como comunidade e trabalhar juntos para o bem comum.
“Não acho que existe uma razão positiva justificável para pessoas fazerem esse planejamento isolacionista de fim de mundo como um investimento”, disse Rushkoff. “Espero que enquanto eles passam por esse túnel do terror, eles saiam do outro lado percebendo que a única solução real é estar todo mundo nisso junto. Ser humano é um esporte de equipe.”
Esse argumento provavelmente não vai convencer as pessoas que já gastaram milhões nisso. O proprietário de uma unidade no Survival Condo, dono de construtora na Flórida e empreendedor Tyler Allen disse que acha reconfortante ter um refúgio em potencial nesses tempos caóticos.
“É como um Camp David para nossa família”, disse Allen. “Um lugar para recuar e reagrupar, aí podemos voltar quando as coisas estiverem seguras.”
Na esteira do coronavírus, Allen agora se sente justificado em sua decisão de comprar uma unidade no Survival Condo.
“É engraçado”, disse Allen. “Quando estavam construindo isso todo mundo agia como se estivéssemos loucos, como se tivéssemos um chapéu de papel-alumínio na cabeça. Agora todo mundo nos leva muito a sério.”
Chris Iovenko é um jornalista de Los Angeles já publicado na Slate, Los Angeles Times, Atlantic, New York Times, The American Prospect, The Christian Science Monitor e New Republic.
Matéria originalmente publicada na VICE EUA.
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