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Música

Conversamos Com a Ex-Vocalista das Shaggs, a "Pior Banda do Mundo"

Dorothy Wiggin, ex-The Shaggs, tem mais de 60 anos e um nova banda chamada Dot Wiggin Band.

Frank Zappa arriscou: "melhores que os Beatles". Lester Bangs colocou o primeiro disco no nível de Blonde on Blonde, do Dylan, e Kurt Cobain cravou que o som era "evidentemente verdadeiro". Eles falavam das Shaggs, uma banda de garotas da década de 1960 que, na verdade, não sabiam tocar nada.

A história das Shaggs é curiosa como o nome da banda, dado em homenagem a um corte de cabelo da época, inspirado nos cães da raça shaggy. Elas foram fruto de uma premonição da mãe de Austin Wiggin, pai das garotas.

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Explico: a avó das irmãs Wiggin leu a mão de Austin e revelou que ele se casaria com uma mulher de cabelos acobreados, teria dois filhos que ela não viveria para conhecer e quatro filhas que formariam uma banda. Tudo isso num fim de mundo chamado Fremont, em New Hampshire.

Se a previsão da vovó Wiggin foi praga ou bênção, não se sabe, mas tudo aconteceu exatamente como ela indicou. Austin conheceu a mulher dos cabelos de cobre, se casou e teve filhos após a morte dela. Então Austin teve certeza absoluta de que Dorothy, Betty e Helen, mais tarde acompanhadas por Rachel a quarta irmã seriam um sucesso. Tirou-as da escola, comprou instrumentos e as colocou em aulas diárias de música.

Dorothy e Betty aprenderam canto e guitarra e Helen ficou nas baquetas. A primeira apresentação delas foi em 1968, quando tocaram num show de talentos. Após um cover de "Wheels", uma canção country de Jimmy Torres e Richard Stephens, as garotas levaram uma saraivada de vaias e latinhas de refrigerante. O problema era que, quanto mais a banda era avacalhada, mais determinado Austin ficava em fazer o grupo dar certo. Ele conseguiu colocar as Shaggs para tocar todas as noites de sábado no Fremont Town Hall. Mesmo com a primeira negativa do público, as garotas toparam a ideia. Assim, ao menos poderiam sair de casa e "ver o mundo" uma vez por semana.

Depois de um ano de aulas, em março de 1969, Wiggin levou as filhas para um estúdio profissional. Com letras compostas por Dorothy, o primeiro disco foi lançado com o nome Philosophy of the World. Alguns dos ingênuos títulos das músicas são: "It's Halloween", "My Pal Foot Foot" (Foot Foot era o gatinho das garotas que sumiu) e "Who Are Parents?":

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Who are parents?

Parents are the ones who really care

Who are parents?

Parents are the ones who are always there

-

(Quem são os pais?

Pais são aqueles que se importam de verdade

Quem são os pais?

Pais são aqueles que estão sempre lá)

As músicas pareciam uma conversa telefônica com interferência em que todo mundo grita e não se escuta. Os instrumentos não se encontravam - a bateria ia na contramão do baixo, que não conversava com as guitarras, e os vocais lembravam um coral infantil destreinado.

Deixando o presságio com mais cara de maldição, o responsável pelas mil cópias do álbum fugiu com 900. As 100 restantes foram distribuídas, mas não chamaram a atenção. As garotas continuaram tocando, mas o show no Fremont Town Hall foi cancelado em 1973. Dois anos depois, Austin morreu e a banda acabou, sem que ele tivesse tempo de ver as garotas "chegarem lá". Com o tempo, o trabalho e os filhos, as irmãs Wiggin seguiram caminhos diferentes.

Depois do revival orquestrado por Bangs, Zappa e Cobain, as Shaggs viraram cult. O disco foi relançado, as meninas ganharam um perfil na New Yorker, em 1999, e foram tema de musical em 2011.

As Shaggs, definitivamente, refletem mais sobre a história das bandas de rock do que qualquer outro grupo de sucesso. São a história da minha, da sua e de 99% das bandas que um dia existiram. Que não conseguiam se acertar no estúdio, que faziam shows em inferninhos imundos, que pagavam pra tocar e que, com muita treino e esperança, iriam ser um grande sucesso. Ledo engano?

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Mais de 30 anos após o fim da banda, Dorothy Wiggin uniu-se a alguns músicos para montar a Dot Wiggin Band. Em 2013 foi lançado o primeiro álbum do grupo, Ready! Get! Go!, pelo selo Alternative Tentacles, do Jello Biafra.

E foi através do Tentacles que consegui entrevistar Dorothy Wiggin, agora passando dos 60 anos. Perguntei sobre os novos projetos com a banda, questões ainda mal explicadas sobre o começo das Shaggs, as previsões da avó, as verdadeiras circunstâncias em que a banda acabou e como foi a vida pós-Shaggs para ela e suas irmãs.

NOISEY: De quem foi a ideia de formar a Dot Wiggin Band?
Dot Wiggin:No Tributo ao The Shaggs realizado no Brooklyn, Nova York, para arrecadar fundos para a Celebração dos 250 anos de Fremont, Jesse Krakow me perguntou se eu ainda compunha. Eu respondi: ainda escrevo letras, mas não músicas. Jesse disse que era o cara. Eu escreveria as letras, e ele faria a música. Tudo começou ali. Nós formamos a Dot Wiggin Band há um ano, quase dois.

As músicas das Shaggs eram bem simples. Qual é a diferença, para você, entre esses dois momentos?
[Agora] é mais desafiador, com mais instrumentos, e sem eu tocar a melodia. A diferença de idade não me afetou de forma alguma.

Está previsto um novo disco da Dot Wiggin Band? Podemos esperar vê-la no Brasil?
Não acho que existam planos ainda de um outro disco da Dot Wiggin Band. E quanto a tocarmos no Brasil? Não faço ideia. Mas nunca digo nunca.

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Ready! Get! Go! tem músicas novas, além inéditas das Shaggs. Como foi para você trabalhar com essas músicas antigas de novo?
As músicas antigas foram um grande desafio, porque era difícil para mim saber quando devia começar a cantar, já que não estava tocando a melodia. As músicas novas, que eu fiz as letras, funcionaram assim: eu mandava as letras para o Jesse. Ele fazia a melodia e mandava as músicas finalizadas para mim pela internet. Depois a banda veio para New Hampshire e gravamos as músicas para as quais escrevi a letra e as músicas para as quais Jesse fez a letra e a música. Gravamos algumas delas no Fremont Town Hall e algumas na minha casa.

O que você costuma ouvir?
Ainda escuto Herman and The Hermits. Também escuto Elvis e a NRBQ. Gosto de escutar música dos anos 60 principalmente. A gente escutava o que tocava no rádio. As minhas bandas preferidas eram Herman and The Hermits, Beatles, Paul Revere and The Raiders e várias outras. A Helen gostava de Dino, Desi & Billy e Rick Nelson. A Betty gostava dos Beatles, Andy Williams e música country.

No começo era você, a Betty e a Helen. Em que ponto, depois de 1968, a Rachel entrou na banda? Como isso aconteceu?
A Rachel começou a fazer aulas de baixo alguns anos depois de a gente começar a fazer aulas de música, porque ela é seis anos mais nova que eu e ainda estava na escola. Ela começou a ensaiar com a gente no último ano da banda.

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Sem frequentar aulas, como foi crescer e tocar com as suas irmãs em Fremont?
A gente ensaiava durante o dia, e depois de novo quando o nosso pai voltava do trabalho. A gente tocava nas festas do Fremont Town Hall todo sábado à noite. Era divertido ver a garotada se divertindo, dançando enquanto a gente tocava.

Vocês conseguiram recuperar algum dos discos roubados?
Nunca recuperamos nenhuma das cópias que foram roubadas. Algumas foram parar em lojas de discos em Nova York e outros lugares.

Kurt Cobain, Lester Bangs e Frank Zappa reconheceram mais tarde a importância das Shaggs. Como isso te afetou?
Ficamos muito surpresas quando soubemos. Foi difícil acreditar. Achamos que provavelmente eram só rumores.

O que fizeram depois das Shaggs?
Todas nós começamos a trabalhar e a namorar, tomamos um novo rumo nas nossas vidas.

Como a banda acabou?
Depois da morte do nosso pai, tocamos em alguns eventos fechados. Depois, começamos a trabalhar e meio que perdemos o interesse em tocar na banda.

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Ficou meio obcecado pela história das garotas e quer um pouco mais? Dá uma olhada nesses links aí embaixo e seja feliz.

http://www.dotwigginband.com/home.html

http://www.alternativetentacles.com/bandinfo.php

http://www.shaggs.com/

http://www.newyorker.com/magazine/1999/09/27/meet-the-shaggs

O disco da Dot Wiggin Band está à venda aqui.

E o das Shaggs aqui.