FYI.

This story is over 5 years old.

Música

A Era da Informação: a Molecada Tá Correndo Atrás

A internet mudou a maneira como falamos sobre música, de formas sutis, porém distintas.

Arte de Robesman

"Even though we in space we hate ourselves / The age of information is hell." [Por mais que estejamos no espaço nós nos odiamos / A era da informação é o inferno]

-Lil B

Em uma vida passada, trabalhei em uma publicação sobre videogames chamada Kill Screen, onde comecei como estagiário e eventualmente cheguei ao posto de Editor Associado. Quando fiz uma entrevista com o Editor-Chefe da revista, no outono de 2011, admiti a ele que eu talvez – talvez – tivesse um conhecimento um pouco acima da média sobre games, mesmo não tendo nenhum console. Esperava que ele me mandasse cair fora ou ao menos deixasse de lado a ideia de que poderia trabalhar para ele. Ao invés disso, sem titubear, ele disse “tudo bem; pra isso existe a Wikipédia”. Acabei trabalhando lá por um ano.

Publicidade

Nunca admiti saber quase nada de jogos, e os leitores e comentaristas da Kill Screen nunca questionaram minha falta de especialização. Eventualmente, acabei ganhando um prêmio por algo que escrevi, o que, além de ser completamente estarrecedor, serviu de prova para o fato de que se tratando de conhecimento, pesam mais contexto e confiança do que conhecimento de fato: se você diz que sabe sobre o que está falando, e apresenta-se de forma a projetar autoridade, as pessoas geralmente aceitam o que você diz logo de cara. Mas e se um crítico não tem a menor ideia do está dizendo?

Entre jornalistas musicais e leitores de jornalismo musical, existe a ideia de que “bons” críticos precisam ter escutado certos discos, lido certos textos, e possuir conhecimento de diversos contextos culturais para poder comentar de forma precisa a música que ouvem. Esta é uma perspectiva de mente fechada. Este pensamento trata o jornalismo musical como um serviço para o consumidor: o jornalista filtra as coisas boas das ruins, dá mais informações sobre o artista – através de matérias, entrevistas, ou mesmo artigos opinativos – de forma que o leitor possa desenvolver suas próprias opiniões sobre o artista, e assim possa tomar uma decisão embasada se aquele artista, cena, ou gênero vale o seu tempo. Em um mundo em que a informação ilimitada da internet está na ponta dos dedos, os pilares da autoridade erodiram, e agora ficam bem mais próximos da Terra.

Publicidade

A internet muda a maneira como falamos sobre música, de formas sutis, porém distintas. Se estou escrevendo uma resenha, digamos, do último disco da FKA Twigs e a comparo com a Sade, deixando o link para uma de suas canções no meu texto, então a pessoa que está lendo pode clicar no link, ouvir a música, e mesmo nunca tendo ouvido Sade na vida, saber exatamente a que me refiro. Isto seria impossível há 20 anos atrás. Eu teria que descrever as texturas da música da Sade, os sentimentos específicos evocados por ela, e então explicar como encontrei exatamente estes elementos no trabalho da FKA Twigs. Não que seja um problema – enquanto pessoa que escreve sobre música o dia inteiro, poder usar links como atalhos torna minha vida muito mais fácil – mas isso reforça a ideia de que a música popular não passa de uma vasta rede de referências e influências, e que para ser um ouvinte de música consciente é preciso entender e rastrear essa rede.

Não adianta muito reconhecer que ouvir música – ou consumir arte de qualquer forma – é uma experiência intensamente pessoal. A reação imediata de uma pessoa comum ao RiFF RAFF não é falar de cara “olha só, esse cara soa como o Yungstar do Screwed Up Click”, mas sim maravilhar-se com o que sai da cabeça daquele cara. Uma menina de 14 anos não vai ouvir a faixa “Be My Baby” de Ariana Grande, produzida pelo Cashmere Cat e questionar se é problemático ou não que um norueguês que cooptou a sonoridade específica da cena noturna de Newark, Nova Jersey – que ao produzir uma estrela pop gigantesca, está se tornando a cara do subgênero de fato; ela vai curtir, e provavelmente pensar no garoto pelo qual está apaixonada no momento.

Publicidade

A experiência de uma pessoa com a arte não é mais ou menos válida que a do outro, e não há uma forma “certa” de se ouvir música. Com certeza ter um sem-fim de informações e contexto sobre uma faixa vai alterar o que você pensa enquanto a ouve, e possivelmente sua reação – sabendo que há de fato um pai para o estilo de RiFF RaFF certamente diminui um pouco sua magia; é difícil ouvir Wagner da mesma forma assim que você passa a levar em conta seu antissemitismo e proto-nazismo; e Yeezus perde um pouco da sua força se você não interpretá-lo como uma crítica da América do Norte cagada que o produziu. Ainda assim, só porque alguém tem acesso a toda essa informação não surge aí uma obrigação de pesquisar algo na internet sempre que ouvirem uma música. Isso seria loucura, e tiraria toda a graça do ato. Mas o fato de que tudo está uma busca no Google de distância significa algo.

Aqui vai um segredo: a maior parte das pessoas que escreve sobre música em tempo integral não cresceu querendo ter isso como emprego. Boa parte é composta por fãs de música que por acaso gostavam de escrever, e depois de muito trabalho duro e um pouco de sorte, conseguiram trabalhar com isso. Ou seja: todos os críticos têm seus pontos cegos, sejam enormes ou minúsculos. Não existe uma lista de discos canônicos que todo jovem crítico tem que ouvir; não há uma prova classificatória para se fazer antes de escrever seu primeiro artigo. Não existem seletivas, nem testes de resistência física, nem pilhas de discos dos Smiths em brasas que você tenha que atravessar antes de entrevistar o Merchandise. E ainda assim muitos críticos escrevem como se fossem autoridades.

Publicidade

Antigamente, quando o jornalismo musical era impresso em papel e vinha no meio de jornais, revistas e zines, esta autoridade era dada mais livremente – custava uma grana imprimir aquele artigo, logo, como que por mágica, a pessoa ali escrevendo sabia com certeza do que estava falando (o fato de que, muitas vezes, o jornalista sabia mesmo também ajudava). Publicar na web democratizou isso. De certa forma todos somos escritores agora, nossas obras surgindo na forma de tuítes, posts no Facebook, mensagens de texto, posts em blogs e e-mails. Entendemos de forma inata que muitas vezes a escrita é pura merda, porque nós mesmos falamos merda na maior parte do tempo.

Como todos somos jornalistas em potencial e experts sobre tudo em potencial, a experiência adquiriu mais valor que o conhecimento puro. A ligação ao lugar e tempo não pode ser pesquisada ou fingida, então colocamos um selo de premium na autenticidade, tornando a experiência pessoal a última forma válida de autoridade crítica. Esta tensão entre quem estava ali para presenciar a história de camarote e aqueles que podem apenas refletir sobre ela à distância é exatamente o que James Murphy expressou em “Losing My Edge”, do LCD Soundsystem. Ele fica reclamando sobre como ele estava no primeiro show do Can e como ajudou os caras do Suicide a afinarem seus órgãos, mas perdeu sua posição na cena apara os “pesquisadores de internet que conseguem me citar todos os membros de qualquer banda boa surgida entre 1962 e 1978” e os “Brooklynitas da faculdade de artes com seus casaquinhos e nostalgia emprestada dos esquecidos anos 80”. Ao passo que a música envelhece, sua mensagem – de que é extremamente boboca fetichizar o passado só porque você esteve lá – se torna mais ressonante.

Publicidade

Literalmente todo dia, legiões de fãs de música passam a curtir um artista com o qual possivelmente poderiam ter crescido ouvindo, ou bandas que existiam antes mesmo deles nascerem. Isto sempre aconteceu, e a internet facilitou ainda mais isso de se injetar com discografias em poucas horas, perante ao brilho fraco de um monitor. Logo que o misterioso dirigível do Aphex Twin voou sobre Londres, percebi que haviam se passado 25 anos sem que eu nem ouvisse uma música dele. Então mergulhei em sua obra, e uma semana depois, tenho opiniões vagamente formadas sobre ele e seu novo disco. Tenho certeza de que não estou só nesse joguinho, e preencher estes pontos cegos faz parte da grande aventura que é ser fã de música. Por mais que eu não tenha visto o Aphex Twin tocar em uma rave cheia de gente suada em 1993 ou assistido ao aterrorizante clipe de Windowlicker assim que estreou na MTV, ao reconstruir sua história para mim mesmo, crio uma nova experiência com a sua música que é minha e somente minha, tão valorosa quanto a de qualquer outra pessoa que o conheceu antes.

Ouvir música, do seu próprio jeito, é estudar história. História recente, claro, mas história mesmo assim. E a história é um organismo vivo – nela, o que importa é ligar os pontos que foram deixados para trás para entender as vidas das pessoas da forma que foram vividas. Pesquisar o passado do Aphex Twin rende um sem-fim de material. Mas para que um amontoado de entrevistas, músicas e clipes pode servir? No caso do Aphex Twin, muitas coisas – sua carreira pode ser interpretada como uma reação à cultura rave britânica dos anos 90, um estudo de caso na forma como usamos novas tecnologias, uma história de como a fama é muitas vezes esquisita e não divertida, ou quaisquer outras narrativas, cada uma tão verdadeira quanto a outra. A experiência de explorar a música de um artista, dando o seu próprio contexto, e decidindo o que significa pra você segue como uma das maiores recompensas que se pode ter como entusiasta de música. Artistas clássicos se deixam ser redescobertos continuamente, e cada pessoa que os ouve tende a dar seu próprio significado para a música. E ao seu modo, isso é tão válido quanto ter estado lá – pela virtude de apreciar algo como um objeto do passado, você cria novas experiências, experiências que são suas e tão somente suas. Pode haver alguém lá fora que sabe mais do que você, mas eles nunca poderão buscar sua alma no Google.

Drew Millard escreverá esta coluna uma vez ao mês, ou quando lhe der na telha. Siga-o no Twitter - @drewmillard

Tradução: Thiago “Índio” Silva