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Música

'O Musical Mamonas' é inevitavelmente emocionante

Quando os cinco integrantes aparecem juntos pela primeira vez na peça, uma energia diferente toma conta da casa; aplausos intensos, como se o espetáculo, que acabou de começar, tivesse se encerrado.

Foto: divulgação.

“Tem pessoas que vêm chorando me abraçar e dizem: ‘Meu Deus, os Mamonas estavam no palco’”, relata Ruy Brissac, ator de 27 anos, que dá vez, voz, rosto e trejeitos ao vocalista Dinho, em O Musical Mamonas.

Desde o último dia 11 de março, Brissac se junta aos outros quatro integrantes — e um numeroso elenco — para contar a história da bem humorada banda de rock em um musical de duas horas que está em cartaz no Teatro Fecomércio, Sala Raul Cortez, em São Paulo. A narrativa percorre todas as etapas da breve história do grupo, desde sua primeira formação, a Utopia, até a chegada ao estrondoso sucesso nacional. As brincadeiras em cena já se iniciam bastante coloridas e repletas de referências ao fenômeno musical dos anos 1990. Quando os cinco integrantes aparecem, pela primeira vez, a coisa muda — uma energia diferente toma conta da casa e um silêncio inicial é atropelado por aplausos intensos, como se o espetáculo, que acabou de começar, tivesse se encerrado.

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Dinho, Bento, Júlio, Samuel e Sérgio. Na primeira metade da década de 1990, bastava ter uns cinco anos de idade para saber dançar as músicas do primeiro disco do grupo de Guarulhos. Assim que estouraram nas rádios e na TV, os hits dos Mamonas Assassinas alegravam públicos de todas as idades e classes econômicas. Imagina o desafio de ser um jovem rebelde no auge do movimento grunge e se flagrar no espelho mandando um headbanging nessa pauleira que é “Débil Metal”. Na curta carreira do grupo pelo cenário da música pop nacional, palavrões eram cantados a plenos pulmões no horário nobre da TV aberta, que aliás, era sistematicamente desconstruída a cada apresentação dos cinco músicos trajando suas fantasias infantilizadas. Na lendária participação da banda no extinto Programa Livre (1995), um Serginho Groisman de cabelos negros como a noite parece desacreditar nas cenas que se desenrolam à sua frente, no mais puro e lindo improviso à la Mamonas. Os donos da audiência dominical, Fausto Silva e Gugu Liberato, se degladiavam pela presença dos cinco malucos convidando o povo brasileiro para “uma tal de suruba” — aliás, situação representada de forma genial durante o musical.

Caramba, fico pensando, será que houve, ao menos naquela década, algum fenômeno semelhante na música brasileira? Em termos de loucura, fanatismo, números? Foi a nossa Beatlemania, não foi? Se os Mamonas Assassinas fossem os nossos Beatles, Liverpool seria Guarulhos — mais especificamente o Parque Cecap, bairro que viu o grupo nascer e que hoje abriga, inclusive, um monumento em homenagem aos filhos famosos. Brian Epstein (ou George Martin, escolham aí), seria o produtor musical Rick Bonadio. O Cavern Club seria a boate Lua Nua, onde eles são finalmente descobertos por uma grande gravadora… Mas antes que eu continuasse com essa viagem, de cunho estritamente pessoal, o dramaturgo Walter Daguerre, responsável pela história do Musical Mamonas me puxa para realidade: “São fenômenos muito diferentes para fazermos essa comparação”.

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“Os Mamonas são lembrados não pelo viés artístico, mas sim pela irreverência, pelo deboche e pela alegria de viver que está mais ligada à tradição brasileira de comediantes, como Oscarito, Grande Otelo e Dercy Gonçalves”, me diz Daguerre. “Musicalmente falando, são únicos”, conta o roteirista do musical, que optou por não montar apenas uma biografia dos cinco integrantes, mas imaginar como seria se os próprios resolvessem narrar a sua história em vida. Aliás, o convite para essa experiência parte do Anjo Gabriel, um dos personagens interpretados pelo engraçadíssimo Patrick Amstaldem.

Atenção, Creuzebek!

Ruy Brissac trabalha no teatro há dez anos. Era um bebê quando o acidente aéreo, em 1996, interrompeu a carreira do grupo, mas se recorda de ter curtido o som durante a infância. Na cidade onde cresceu, a pequena Bom Jesus dos Perdões, região de Bragança Paulista, ouviu falar em poucas ocasiões sobre sua semelhança com o vocalista Dinho. “Uma vez disseram na balada, outra durante um karaokê e, como eu tinha banda de rock, às vezes comentavam ‘nossa você é parecido’”, lembra.

Quando surgiu a oportunidade para atuar no Musical Mamonas, chegou caracterizado aos testes de elenco e surpreendeu-se ao encontrar por lá “outros” Dinhos. “Logo que eu cheguei o Possi (José Possi Neto, diretor) já me disse: ‘Você é bem parecido, não vá me decepcionar, hein’”, brinca.

Me surpreendi ao vê-lo no palco. Ele é o Dinho. A maneira de falar, de brincar, o cabelo, os trejeitos, o porte físico, a tiração de sarro constante em cada ato do musical. É algo muito forte, desconcertante. As pessoas vão para o espetáculo esperando essa sensação, mas, ao chegar lá, o “reencontro” com os músicos é muito tocante. O dramaturgo Daguerre reforça que “é o tipo de plateia que já vai pra gostar. Eles querem ver e ouvir os Mamonas e chegam dando esse crédito pra gente”. E, de fato, eu fui para o teatro com essa expectativa de me emocionar, tanto que, por engano, acabei ocupando o assento do músico Leo Jaime. Pô, Leo, foi mal aí, quer destrocar? Ele deixou do jeito que estava. Gente fina, viu.

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Imagem d'O Musical Mamonas. Foto por Rodrigo Rosa/divulgação.

Para os atores e produção, a emoção maior aconteceu durante o carnaval. Em um dos últimos ensaios antes da estreia, eles foram convidados a fazer uma apresentação de cabo a rabo da peça no palco. Ao tomarem seus postos, foram surpreendidos pelas fileiras da frente do teatro ocupadas por familiares dos Mamonas Assassinas.

“Tanto os atores, quanto os músicos e nós que estávamos assistindo ao ensaio sentimos um arrepio diferente, especial”, se recorda Daguerre. “Naquele momento, tinha certeza de que Bento, Dinho, Júlio, Samuel e Sérgio estavam presentes, tirando sarro da nossa cara!”, brinca.

Brissac se recorda com emoção da primeira reação de Célia Alves, mãe do vocalista Dinho, ao vê-lo: “‘É, é parecido’, ela disse assim que olhou no meu rosto”. Após a apresentação, que arrancou lágrimas das famílias durante todo o ensaio, ela voltou a falar com o ator. “Foi emocionante demais, ela foi muito carinhosa e me disse: ‘Eu vi meu filho, muito obrigado, você matou um pouco da saudade’”.
A experiência foi muito forte para as famílias, que há 20 anos convivem com a ausência dos músicos. Brissac conta que todos se aproximaram do elenco após a experiência e um primo do Dinho, por exemplo, vem assistindo ao espetáculo todas as semanas, desde a estreia.

A recepção do público, segundo Brissac e Daguerre, tem sido excelente e a divulgação está crescendo — é cada vez mais constante o rosto de “Brissac-Dinho” estampado em publicações e sites. O integrante Bento é vivido no musical pelo ex-apresentador infantil, o cantor Yudi Tamashiro, Júlio é interpretado por Adriano Tunes, Samuel, por Elcio Bonazzi e Sérgio, por Arthur Lenzura.

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Mais uma d'O Musical Mamonas. Foto por Rodrigo Rosa/divulgação.

Uma minisérie sobre os Mamonas Assassinas está em produção pela Rede Record: os atores Brissac e Tunes já estão confirmados para dar vida aos músicos na TV. Há ainda a previsão de que um longa-metragem seja filmado sobre a trajetória do grupo.

O humor e a irreverência caminharam juntos com a biografia dos cinco rockeiros de Guarulhos — e a montagem de um musical sobre sua vida não poderia ser diferente. No entanto, em paralelo às risadas, surge ali uma outra sensação forte: a de perceber como a presença dos Mamonas foi grande e marcante na vida de cada brasileiro.

O Musical Mamonas @Teatro Fecomercio – Sala Raul Cortez. Rua Dr. Plínio Barreto 285 – Bela Vista, São Paulo. Sessões de quinta e sábado às 21h e nas sextas às 21h30. Domingo às 19h. Ingressos R$ 60 e R$ 120.

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