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Música

Caipiras, Burocratas Zumbis e Kiss: O Diário de Turnê de Buzz Osbourne, Parte Três

Mais um episódio da turnê americana do King Buzzo, onde ele enfrenta os caipiras que odeia, a repercussão de seus comentários sobre o Kiss na internet e responde friamente a uma entrevista engessada.

Da última vez que conversamos com Buzz Osborne, do Melvins, perguntamos o que ele achava da Miley Cyrus e do Mumford & Sons (spoiler: não muita coisa). Agora, King Buzzo está na estrada, em uma turnê solo acústica chamada "This Machine Kills Artists". Já que para começo de conversa a ideia toda pareceu deixá-lo meio tenso, perguntamos se ele poderia nos mandar uns relatos da estrada. Depois de enviar a primeira parte, sobre sua viagem subindo o litoral da Califórnia, e outra sobre o Noroeste do Pacífico, ele está de volta com o relato da etapa seguinte da turnê, pelo Meio-Oeste americano.

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MISSOULA, MONTANA

A gente saiu cedo de Spokane, indo direto para Montana fazer dois shows nos quais não fazia ideia de como nos sairíamos. Montana, para um sujeito como eu, não é moleza não.

Eu ia tocar em Missoula e Billings, que na verdade são cidades grandes e, comparadas a onde cresci, umas verdadeiras Shangri-Lás. Fui criado em cidadezinhas de merda, e tenho certeza de que nelas tudo continua na mesma.

Por causa dessa criação tosca, fui obrigado a entender os caipiras, suas forças e fraquezas, e não estou certo de que isso me tornou uma pessoa melhor, mas com certeza tenho um ódio muito mais arraigado e profundo por tudo o que há de rural.

Os caipiras nutrem por mim o mesmo tipo de sentimento, e fizeram questão que eu soubesse muito bem disso durante a época em que fui obrigado a viver por lá. Prefiro as cidades, mas isso não quer dizer que gosto de todo mundo das cidades, meu deus, não, é só que é muito mais fácil passar despercebido em uma metrópole gigantesca CHEIA de insanidade. Em Hollywood, onde moro, você basicamente tem que estar pegando fogo para que um policial se dê ao trabalho de virar os olhos na sua direção.

Isso é bom.

Eu já tinha tocado em Missoula várias vezes, e foi sempre divertido. Públicos bêbados e insanamente entusiasmados sempre à beira de se transformarem numa multidão vomitadora de cerveja. O maior barato tocar na frente deles, mas essa viagem e esse show eram coisas completamente diferentes, com certeza. Estou subindo no palco segurando um violão e mais nada.

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Não é impossível que isso prove para todo mundo que eu pirei de vez.

Pode ser…

Missoula é uma cidade universitária de porte médio, e estou convencido de que hoje em dia as universidades e, aliás, talvez até mesmo numa escala maior, os colégios, não passam muito de centros de doutrinação no politicamente correto, com o objetivo de transformar as crianças em burocratas zumbis pelo resto de suas vidas. A gente costumava poder tocar DENTRO dos campus, mas aqueles tempos há muito já se foram. Penso na única coisa em que os comitês de "entretenimento" das universidades gastam o dinheiro das mensalidades hoje em dia – DJs de merda. O que poderia ser mais podre que isso? Quando você para pra pensar, é absolutamente perfeito para os futuros zumbis da burocracia. Eles adoram bosta pré-pronta.

Fico imaginando um futuro muito do brutal, mas feito totalmente de plástico, e mal posso esperar! A sociedade mais mecânica em geral se transforma na melhor coisa possível para sujeitos como eu, porque nem todo mundo quer ouvir algum DJzinho de merda tocando "batidas" em cima de mashups da Madonna. Tem gente que ainda QUER alguma coisa um pouco mais humana.

Nisso eu tenho toda fé.

Bom, talvez não toda, não sei se diria tanto, afinal não há por que ser afobado.

BILLINGS, MONTANA

O show em Missoula correu bem. A gente logo catou as nossas coisas e pegou a estrada. No dia seguinte partimos para Billings. Foi uma viagem linda pelas montanhas arborizadas e uma interestadual sinuosa pontilhada de animais atropelados em diferentes graus de decomposição. Alguns cadáveres pareciam frescos, e de outros nada sobrava a não ser uma mancha de sangue de quinze metros esguichada pelas duas pistas da estrada.

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Eu só tinha tocado em Billings uma vez antes, e foi num lugar esquisito, tipo uma cervejaria. Um show pequeno, mas divertido. O de hoje não foi diferente. Depois da passagem de som, Dave e eu fomos a um restaurante logo em frente, e acabou que foi muito bom. Comemos uma refeição deliciosa, com pimentas japonesas recheadas com carne de caranguejo e tudo.

Voltei para a van e passei a hora que faltava até o show ouvindo mixes do novo disco do Melvins. Estou muito feliz com o resultado, e com certeza ele vai surpreender um monte de gente.

Alguém veio me contar que estão fazendo uma barulheira ensandecida na internet, em reação a alguns comentários impensados que fiz sobre o Kiss. Ao que parece, fãs do Kiss emputecidos têm dado escândalo e me chamado de filho da puta para pior, e antes de procurar na internet eu nem lembrava de ter falado. Estranhamente, quando vi, lembrei que foi de uma entrevista que dei para uma revista semanal de Missouola. No fim da entrevista, o entrevistador perguntou o que eu achava de Gene e Paul continuarem sem Ace e Peter, e eu disse a ele que não via motivo para eles darem tudo por encerrado só porque os dois bebuns tinham se destruído, e além do mais, quem se importa? Quer dizer, estamos falando do Kiss, e nem mesmo o Gene leva a coisa tremendamente a sério. E foi isso.

Daí o artigo aparece dizendo que eu "opinei sobre a polêmica", o que acho que é verdade, mas eu nunca teria pensado duas vezes em nada daquilo, caso o entrevistador não houvesse PERGUNTADO a minha opinião. Sinceramente, estou pouco me fodendo para o que acontece lá pros lados do Kiss. Por que me importaria? Realmente não estou nem aí.

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Demorei um pouco até mesmo para entender o que exatamente do que eu dissera tinha emputecido todos os fãs trolls do Kiss, e até onde entendi, eles estão bravos porque chamei Ace e Peter de viciados e alcoólatras, como se todo mundo não soubesse disso. Os fãs do Kiss são realmente imbecis a ponto de acreditar que aqueles dois nunca encheram a cara? Parece que esses fanáticos do Kiss têm um poder gigantesco de racionalização, mas as pessoas, no decorrer de toda a história humana, acreditaram em baboseiras completamente absurdas, então acho que não é de surpreender. Quer dizer, numa pesquisa de dois segundo na internet, encontrei Gene no YouTube contando tudo sobre eles dois ficando loucaços durante toda a era de ouro do Kiss, e na verdade conta até mesmo dos caras não chegarem sequer a tocar em faixas de discos como o Destroyer, por causa do comportamento insano deles. Para conseguir completar o trabalho, os componentes sóbrios do Kiss foram OBRIGADOS a contratar músicos aleatórios… nos anos 70.

Nenhum de vocês fãs escrotos sabe-tudo do Kiss pesquisou essa história, ou simplesmente não acreditam em Gene? Quem sabe?

Então, só para deixar registrado: seus fãs do Kiss cabeça de merda que estão enchendo o MEU saco por dizer a exata mesma coisa que o Gene podem vir dar um KISS no meu rabo!

O mais hilário disso tudo é que nos posts eles também falam INCANSAVELMENTE sobre a minha aparência! Pelo visto eu sou um bizarro gordo imbecil e sósia do Side Show Bob do qual nenhum deles jamais tinha ouvido falar, e que não tem nenhum direito de sair falando merda sobre Ace e Peter. Ace e Peter, dois homens crescidos, que fizeram uma fortuna usando maquiagem Kabuki por motivos de serem ainda mais feios do que eu. Sabe por que eles usavam maquiagem? Porque precisavam dela! É claro que sem a maquiagem aqueles dois lá não teriam conseguido ganhar porra nenhuma.

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Sabe, levando isso em conta, eu tenho muito mais em comum com o Astronauta e com o Homem-Gato do que imaginava!

Tivemos um dia livre para dirigir meio estado de Montana e até a Dakota do Norte, para um show em Fargo. Foi uma viagem monótona e tediosa, a estrada cheia de obras, que obrigaram o fluxo do tráfego a passar por pista única mais de uma dúzia de vezes. Isso acrescentou no mínimo mais uma hora e meia à nossa viagem, que já era de dez horas. Excelente… Comemos tacos numa parada de caminhões, e Dave e Brian compraram um engradado de cerveja para dividir no quarto do hotel, mas em vez disso desmaiaram depois que Dave bebeu uma delas. São uns monstros da farra.

Eu NÃO dormi como um bebê naquela noite, ou seja, NÃO acordei chorando de hora em hora, como naquela música do George Jones que tem esse nome. Rá!

FARGO, DAKOTA DO NORTE

No show em Fargo fez muito calor, mas foi divertido, e até fui entrevistado por um cara que me disse abertamente que nem sempre gostava do que eu fazia musicalmente. O que exatamente você diz em resposta a uma declaração ousada dessas? Só fiquei lá encarando o sujeito e respondi friamente o resto das suas perguntas triviais, como um robô. Quase comi lá na casa noturna, mas por acaso dei uma espiada no cozinheiro antes disso, e parecia que alguém o havia moído na pancada na noite anterior, o rosto todo arrebentado e enfaixado, mas ele ainda a toda lá na cozinha. Optei por comer noutro lugar, e fiz uma refeição excelente num restaurante ali do lado. O garçom era uma versão perfeita de Marty Feldman em O Jovem Frankenstein. Um sujeito meticuloso e de fala lerda, mas que nos atendeu bem. Levamos um hambúrguer para o Brian, que ele disse ter sido um dos melhores que já comeu.

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MINNEAPOLIS, MINNESOTA

Demos o fora de Fargo relativamente cedo, já que tínhamos pela frente uma viagem de carro de umas cinco horas até Minneapolis, e meu terceiro show em quatro meses no Grumpy's. Gente sem limites é isso aí.

Minnesota é onde o Bob Dylan nasceu, e na verdade ele vem de um buraco, uma cidade mineradora de ferro no norte de Minnesota chamada Hibbing, à qual até mesmo quem mora em Minneapolis nunca foi. Já ouvi ele descrevendo essa experiência como a de nascer na cidade errada, na família errada e até mesmo com o nome errado. Conheço muito bem essa merda.

Adoro o Grumpy's. Tom Hazelmyer e eu trabalhamos juntos há anos, de uma maneira extremamente satisfatória, produtiva e cheia de criatividade. Tom é um visionário e um grande artista, assim como a minha mulher, então a gente tem um time excelente bem aqui e agora. É diferente de tudo que eu vi antes, e adoro.

Meu show dessa vez foi no salão lateral, e eu ouvi alguma coisa sobre o vocal estar alto demais. Sempre alguma reclamação. Ó céus…

MILWAUKEE, WINSCONSIN

Toquei num lugar com o maravilhoso nome de Shank Hall em Milwaukee, o que foi maneiro, eo James Williamson do Stooges e o Demetri do OFF! apareceram. Pelo que entendi estavam na cidade para serem juízes num show de talentos. Perguntei a James que prêmio os competidores recebem e ele disse, "cara, sabe que eu não faço a menor ideia?"

Um cara aleatório me disse depois que gostou do meu show, mas que sentia falta do baixo e da bateria. Dã. Acho que eu devia simplesmente ter trazido a banda toda para dar uma ajuda na minha TURNÊ SOLO ACÚSTICA. Isso é tipo dizer que eu devia fazer uma versão instrumental da música “Frankenstein”, do Edgar Winters. Vencer é impossível.

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O dia seguinte foi livre, para viajarmos até Grand Rapids, e em vez de pegar o carro cruzamos de barco o lago Michigan. Felizmente era um ferry de alta velocidade, e a viagem toda levou só umas duas horas e meia. Nunca tinha feito isso antes, e foi lindo. Alguns meses atrás esse lago estava completamente congelado, e agora fico simplesmente olhando em volta, num estado de contentamento total.

Eu talvez não seja mais o jovem rebelde de antigamente, mas essa turnê está me dando novos olhos, e em vários sentidos estou mais jovem do que nunca.

Mais King Buzzo:

Perguntamos Ao Buzz Osborne Do Melvins O Que Ele Acha Do Drake, Da Miley Cyrus E Do Mumford & Sons

Tentando Não Morrer Num Acidente Flamejante: O Diário De Turnê De Buzz Osbourne Do The Melvins

Hippies E Meganhas: O Diário De Turnê De Buzz Osbourne, Parte Dois

Tradução: Marcio Stockler