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Música

Zine é Compromisso: Bento Araújo, do Poeira Zine

Ao levantar a bandeira do rock clássico, publicação chega ao número #53 mostrando que o novo não precisa estar necessariamente sendo feito agora

"A música já ficou pra trás faz tempo", decreta Bento Araújo, o editor do Poeira Zine, nesta entrevista que dá sequência à série Zine é Compromisso. É muito louco escutar um dos sujeitos mais aficionados pelo jornalismo musical no Brasil vociferando de tal forma, mas não é tão bizarro assim se levarmos em conta que ele está se referindo à falta de críticos ou articulistas decentes nos mass media ou mesmo revistas segmentadas. Abre uma aba aí no seu navegador e procura em qualquer site as notícias musicais mais recentes. Você vai se deparar com pautas que falam mais de comportamento, modinhas, escândalos, celebrismos, e que apostam mais em galerias de fotos com recortes curiosos do que propriamente em discussões acaloradas ou artigos brilhantemente escritos sobre música, arte e cultura.

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Foi nesse vácuo que o Bento, em 2003, entrou numas de lançar uma revista focada puramente em informação musical, vertendo olhares apurados a obras, personagens e movimentos que marcaram época e mudaram para sempre os rumos das coisas, voltada principalmente ao ROQUE CLÁSSICO. Uma revista de banca, porém, estaria fadada a tomar o mesmo rumo de outras publicações do gênero: afundar. Existe o monopólio da distribuição, da exposição, o altíssimo custo publicitário, o rabo preso com marcas, gravadoras, produtoras, assessorias de imprensa, blábláblá… A saída foi fazer um autêntico fanzine, no sentido substancial da palavra: uma revista independente sobre música, feita por um fã de rock, para fãs de rock.

A edição #53 acaba de ser lançada, ele me descolou um exemplar na camaradagem, e está boa demais! Você termina de ler com aquela sensação de descobertas que te empolga a querer sair pesquisando e conhecendo melhor os músicos e álbuns revelados com tanta minúcia e correção nas matérias. Sem contar que as seções são muito bem sacadas, fugindo à obviedade. Enquanto todo mundo fala de Bowie, por exemplo, o pZ traz uma matéria de capa sobre o guitarrista Mick Ronson, em quem o Bowie se apoiou na fase mais rocker de sua carreira - e nisso a escolha da foto que ilustra a capa foi tirada da cartola.

Entre as publicações brasileiras, a inspiração da pZ veio das revistas dos anos 1970. Quem viveu, viu: Rock - A História & A Glória, aquela primeira versão pirata da Rolling Stone (1972), Jornal de Música, revista Pop… Já entre as importadas, Bento encontrou base nas revistas britânicas: Mojo, Uncut, Record Collector e Classic Rock. A tônica editorial da pZ é dar espaço a quem não teve espaço na época. O crivo temático é falar basicamente do que o editor e faz-tudo do zine gosta. Ou seja, é bem pessoal, como um fanzine tem que ser.

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Bento não costuma fazer críticas apontando falhas ou descendo a lenha em artistas ou bandas. "Já tem muita gente fazendo isso por aí no mundo virtual", justifica ele. "No mundo impresso o papel é caro, tem que ser aproveitado de melhor forma, divulgando algo bem bacana", acredita. Mas apesar do caráter de resgate, o pZ indica vários artistas novos também. Não se trata, portanto, de uma publicação parada no tempo nem presa somente ao passado. Se liga aí na troca de ideia que tive com ele:

Noisey: O Poeira Zine teve sua primeira edição lançada em pleno ano de 2003, quando revistas de música/cultura em banca já estavam meio mal das pernas e os blogs musicais chegavam anunciando que o electro era a bola da vez. Ou seja, chegou levantando duas bandeiras consideradas difíceis de erguer: a do rock e a do jornalismo impresso independente. Em algum momento você vacilou em apostar nessa empreitada?

Bento Araújo: Naquele momento inicial, não. Só vacilei no sentido de apostar numa publicação que tivesse como meta ir para as bancas. Foi exatamente esse vacilo que proporcionou as quase 60 edições lançadas e os 11 anos de estrada. Se a tentação de realizar algo maior, e não para um nicho, tivesse surtido efeito, teria sido o fim, logo no início, como tantas outras publicações de músicas que lançam uns três ou quatro números e somem do mercado. Mas desde o início eu decidi fazer da pZ um fanzine, o que ela é até hoje, com muito orgulho.

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Com que outros veículos você colabora com regularidade atualmente? O jornalismo musical é ou sempre foi a sua principal ocupação profissional?

Trabalhei em lojas de disco e fui músico amador, mas o jornalismo musical é a minha atividade profissional desde 2003. Colaboro com a Folha e com a Rolling Stone atualmente.

Qual é a tiragem do Poeira? Os números costumam esgotar rápido? De modo geral, você rala muito para manter a periodicidade bimestral do veículo?

São três mil exemplares atualmente. Os números esgotam a longo prazo, pois continuam disponíveis no site. As 15 primeiras edições, por exemplo, estão completamente esgotadas. Sim, tem bastante trabalho, pois faço a publicação praticamente sozinho, cuidando dos textos, diagramação, parte comercial, fechamento, distribuição, atendimento ao cliente, divulgação, site, correio etc. O fechamento é sempre um caos, mas de uns tempos pra cá o meu chapa Ricardo Alpendre tem me ajudado bastante em muitas dessas atividades.

O Poeira é uma revista que você faz por pura paixão, ou ela também te dá algum retorno financeiro bacana?

Pura paixão, disparado. O retorno financeiro é pequeno, mas dá pra pagar as contas. De qualquer forma, é melhor do que ter que “trabalhar”… (risos). O melhor é que ela abriu muitas portas na minha carreira.

Levando em conta que você faz a revista e também o site, porque não transformar o site numa espécie de revista virtual? Você acha que o impresso valoriza mais o conteúdo?

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Com certeza valoriza, mas acho inevitável partir também para o digital. Vejo esse futuro pra pZ: edições impressas em paralelo com as digitais, e com o site.

Se o vinil nunca sumiu completamente do mercado e atualmente vive seu momento firmado de culto, por que uma parcela do senso comum continua insistindo em anunciar a morte do impresso?

Pois é, acaba sendo contraditório. Acho que o culto ao papel sempre vai existir também, assim como o do vinil. O mercado de nicho, dos colecionadores, nunca deixará de existir.

As capas do Poeira são muito bonitas. Como você faz pra descolar as imagens que ilustram a revista? É tudo coisa de banco de imagens, comprada em agência?

Valeu pelo elogio. Depende do caso. Algumas são de agências, outras foram compradas diretamente com o fotógrafo. Em alguns casos foram doadas pelos autores, onde os proprietários da imagem se identificaram um bocado com a proposta editorial da pZ. Outras foram utilizadas via Creative Commons, ou cedidas pela assessoria de imprensa do artista, como divulgação mesmo.

Quais foram os primeiros artigos que você publicou como jornalista de música num veículo que você admirava e que teve orgulho de ver seu nome impresso? Você acha que falta aos críticos/jornalistas musicais de hoje aquele espírito que nomes como Lester Bangs, Nick Kent, Greil Marcus e outros doidos aplicavam a seus textos?

Aconteceu quando eu escrevi meu primeiro artigo na revista Rock Brigade, que era uma revista de rock bem popular no underground do heavy metal dos anos 1980. Foi uma das primeiras publicações do gênero no mundo e eu lia com bastante frequência quando era pré-adolescente. Quando comecei a assinar matérias no Estadão foi legal também, principalmente porque uma delas era uma entrevista que fiz com um cara que eu gosto bastante, o Mark Farner, ex-vocalista/guitarrista do Grand Funk Railroad. Quanto aos jornalistas, nunca existirá outro Lester Bangs. É como esperar outro Hendrix, Pelé ou Senna. Falta total aquele espírito hoje em dia, todo mundo parece só estar interessado em celebridades, polêmicas, especulações e fofocas. A música já ficou pra trás faz tempo, mas não na pZ! (risos).

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Para mais publicações independentes e pessoais sobre música, dá um confere nas matérias abaixo:

Zine é Compromisso: Douglas Utescher, do "Life?"

Zine é Compromisso: Contravenção

Zine é Compromisso: Especial Tupanzine

Zine é Compromisso: midsummer madness

Zine é Compromisso: Escarro Napalm

Zine é Compromisso: Esquizofrenia

Zine é Compromisso: Márcio Sno, do Aaah!!