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Música

A fome pela noite no novo EP do rapper catarinense Makalister

Na entrevista com o rapper catarinense, ele fala como futebol, relacionamentos e cinema estão nas bases do flow do seu segundo trampo solo, ‘A Terça Parte da Noite’.

Relacionamentos, cinema e futebol. É essa tríade que rege o novo trabalho que Makalister mandou de Santa Catarina para o mundo. Conceitualzão, o EP A Terça Parte da Noite, lançado na primeira semana de março, traz quatro sons de instrumentais soturnos de um rap com boas doses de downtempo e trip hop. O processo de composição do rapper catarinense é “mastigar com os olhos e vomitar com a mão” e é dessa forma que esse torcedor do Figueirense traz para seu rap relatos pessoais e metáforas com personagens como os jogadores Roberto Baggio e Petkovic e os cineastas Gaspar Noé e Michael Haneke. Esse EP é como uma colagem em forma de música, prato cheio pra quem curte aquele exercício de pesquisar as referências citadas nos sons que ouve. Além da tríade citada no início do texto, também há espaço pra hedonismo, literatura e drogas, tudo envolto em uma atmosfera que lembra a de balcões de bares em finais de noite.

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Aliás, toda essa boemia presente em suas rimas vem muito dos trabalhos como barman na noite de Floripa. “O título do EP é de um filme bem louco (do diretor polonês Andrzej Zulawski) e vi que a ‘Terça Parte da Noite’ era a parte mais intensa dos meus dias, onde dormir antes das quatro é algo incomum. As luzes, as pessoas tristes, o cheiro do álcool, as mulheres lindas da minha cidade, o último ônibus sempre vazio, os moradores de rua, prostitutas, nóias, drogas, amor… a vida quando o mundo fecha os olhos, tudo isso interfere”, explica Makalister.

A impressão que se tem quando se entra em contato com seu som é a de que o cara estava quieto lá em Florianópolis observando e absorvendo o que acontecia de bom no rap. E depois de muito aprendizado, decidiu mostrar que também é um nome que deve ser citado quando se fala de bons MCs no Brasil. Desde 2008 até A Terça Parte da Noite, Makalister marcou presença em batalhas, fez duplas com outros MCs, shows em sua cidade, lançou o clipe de “99 Escalas de Um Voo Perdido”, o EP Maka e Efiswami e o Renton — este último um trabalho que chamou muita atenção dos ouvidos mais atentos no ano passado.

O mais novo trampo do catarinense é curto e denso. Ouça lendo as letras e vendo as imagens utilizadas para cada som no YouTube, que alternam entre fotos do próprio rapper e frames de filmes. Na entrevista a seguir, Makalister fala mais sobre esse seu segundo registro solo:

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NOISEY: Nesse novo EP, os sintetizadores dão lugar a samples e instrumentais mais limpos. Isso foi planejado? Quem assina os beats?
Makalister: Eu assino esses beats. Gosto muito dos sintetizadores, mas comecei a me sentir mais à vontade rimando nos meus beats sampleados. Não foi planejado, eu fiz muito beat do EP “Renton” pra cá e queria soltar. Estou construindo aos poucos um álbum de instrumentais e gostaria de lançá-lo esse ano.

As músicas em A Terça Parte da Noite parecem estar ligadas por elementos presentes em uma letra e que voltam a aparecer em alguma outra, como num trabalho conceitual. Como foi o processo de composição dessas letras?
Li o Cem Anos de Solidão (livro de Gabriel García Márquez) e mergulhei nas voltas redondas que a vida dá. Eu vejo as coisas como se fossem filmadas, me sinto numa novela banal até quando durmo e gosto de escrever essas cenas. Sempre fazendo as mesmas cagadas e insistindo nos mesmos acertos. O processo de composição foi o mesmo de sempre, a gente mastiga com os olhos e vomita com a mão. Você faz rap mas mostra ter um monte de referências de outros universos, que não são tão comuns no mundo das batidas e rimas. E na música especificamente, em quais fontes você bebe ou já bebeu além do rap e que você acha que influenciam no seu trabalho?
Trabalhei na Travessa Ratclif, que é um símbolo da boemia no centro de Floripa, lá eu conheci um mano, Eder, e ele me ensinou muita coisa sobre música, principalmente sobre música brasileira. Virei fã dos anos 70 da nossa música e brisei muito nas composições, acho que isso foi o que mais me influenciou, não só na escrita, mas numa vibe de vivência mesmo. Você tem feito trabalhos junto a outros artistas como Fraj, Goss, Victor Xamã… que têm uma proposta musical semelhante entre si. Trata-se de uma crew, uma cena? Qual é a relação de vocês?
O Fraj eu conheci pela internet, somos do mesmo estado e de 2010 pra cá colamos juntos em bons rolês. Ele é foda! O Goss eu conheci aqui em Floripa, sempre ouvia falar dos beats dele e comecei a colar com MCs que trabalhavam com ele e fui me identificando com sua música. É outro monstro, sempre avançado! Depois que o conheci, fizemos um som juntos e ainda acabei morando com ele uns meses. O Victor Xamã (de Manaus) veio até mim pela internet e foi a maior surpresa que tive em 2015. Menino de titânio, tenho beats dele comigo e alguns planos. Não é uma crew, acho que é uma geração que viu tudo de fora do eixo e está sabendo chegar. Em parte do seu trabalho (especialmente no 1º EP) percebo uma influência do Don L e outros MCs que têm se arriscado em vertentes mais experimentais do rap e que, assim como você, vêm de fora do eixo RJ-SP. Concorda com isso?
Concordo. Quando conheci o underground do rap brasileiro e não quis saber de outra coisa, vi algo interessante, seres livres. Tem uns caras do norte e nordeste que se assemelham muito liricamente conosco por aqui e, pelo que pesquisei e vi nas imagens, os lugares são parecidos. Eu também escuto muito o Diomédes Chinaski, que é de Recife, e o centro histórico de lá é muito parecido com o centro de Floripa. É um exemplo de como a gente consome o que ocupa lugar no nosso campo de visão. O Don L tem uma música muito forte, ele chega rimando coisas que muitos não rimam. E ele também é do litoral, ele fala umas paradas nas letras que parecem coisas que vejo aqui. A música "Seus Olhos" (do Costa a Costa) ocupa um espaço grande na minha memória, é doido!

Existe algum motivo específico para a ausência da Maydana (cantora que empresta sua voz a muitos versos do 1º EP) nesse novo trabalho?
Ela não está mais em Santa Catarina, nada demais, voltaremos a colaborar em breve.

Qual sua visão do futebol moderno?
Comecei a ir a estádio em 99 e muita coisa mudou. Parei de ir de 2013/14 pra cá, trabalhando na noite, sem disposição, sem dinheiro, uma diretoria (do meu time) que não me agrada. O futebol moderno é chato, sem emoção. Porra! A gente mora no país do futebol e as arquibancadas são cheias de proibições, que merda!

Atualmente, você assina Makalister sem o Renton. Conta qual a história desse nome.
Meu nome é Makalister mesmo. O Renton eu botei uma vez de brincadeira no estúdio por gostar do personagem de Ewan McGregor (no filme Trainspotting). Sinto que o Renton é um "mode on" em beats que não são meus. Em breve ele aparece de novo. Esse ano ainda quero produzir mais singles, colaborações e ainda lançar outro trabalho, com mais faixas dessa vez. Os beats estão nascendo e as vivências também. O Makalister está no Facebook / Soundcloud / Instagram

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