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Música

Depressão, Pílulas e a Mais Louca Lanchonete dos EUA: a Verdadeira História do Big Star

Coroados como inventores do power pop, eles foram, ao longo de três discos sucessos de crítica mas fracassos de venda, muito mais que isso. Ninguém conseguia transformar dor em beleza como o Big Star.

Foto – Cortesia da Ardent Records

Como muitos fãs do Big Star, os conheci por meio de outra banda. No meu caso, foi o The Replacements, mas poderia ter sido The Jesus and Mary Chain, Elliot Smith, Isaac Hayes, REM ou muitos outros. Big Star é uma banda pra quem manja mesmo. Eles eram, nas palavras de Robyn Hitchcock, “uma carta enviada em 1971 que não chegou até 1985”. Coroados como inventores do power pop, eles foram, ao longo de três discos sucessos de crítica mas fracassos de venda, muito mais que isso. Ninguém conseguia transformar dor em beleza como o Big Star.

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Em 1971, o jovem de 20 anos Alex Chilton já era uma estrela. Ele era o frontman do The Box Tops, uma banda de rock pré-fabricada que teve um dos maiores sucessos de 1967 com o hit “The Letter”. Seu estrelado juvenil significava que ele já havia conhecido Charles Manson, já tinha feito turnês com os Beach Boys e assistia a Jimi Hendrix tocar na lateral do palco antes mesmo de ser velho o suficiente para beber. Era um moleque metido com arte que tinha tomado peiotequando era mais novo e já vivia uma vida incrível. Mas testemunhar toda aquela debulhação guitarrística e experimentadores do rock com harmonias de cinco partes lhe deixaram se sentindo desconfortável. Ele estava, essencialmente, em uma boy band. Ele precisava dar um passo à frente e produzir sua própria música, então caiu fora do The Box Tops e após um breve período em Nova York, voltou a Memphis para tocar aquilo que queria ouvir.

Aí entra Chris Bell. De família rica, já havia tocado em uma banda cover chamada Christmas Futures. Trata-se de um jovem afiado, engraçado, extremamente introvertido e sexualmente confuso, obcecado com criar músicas pop perfeitas com várias camadas. Para tanto, ele contava com os estúdios da Ardent Records, capitaneada pelo menino prodígio John Fry, que deixava a molecada local usá-los de noite. Fry ensinou Bell a como gravar diversas trilhas e certa noite, em 1971, Alex Chilton passou no estúdio para conversar com Bell sobre alguma gravação. Chilton tocou um tema acústico chamado “Watch the Sunrise” em um violão de 12 cordas. Bell adicionou uma introdução e backing vocals. Por mais que eles não soubessem ainda, ali nascia o Big Star.

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Cortesia de Michael O’Brien

A Ardent havia se tornando uma subsidiária da lendária Stax Records, sendo responsável por algumas de suas gravações, e, em troca, sendo sua marca voltada para o pop e rock. Os estúdios e – bizarramente – o TGI Fridays foram os pilares de uma barulhenta cena contracultural em Memphis que curtia muito encher a cara, experimentar com sexo e drogas, especialmente Quaaludes, Mandrax e demais pílulas relacionadas. O fotógrafo William Eggleston foi uma presença-chave, documentando tudo em seu filme “Stranded in Canton”.

Este mês, um novo documentário intitulado Big Star: Nothing Can Hurt Me conta a história da resposta de Memphis aos Beatles e a cena ao seu redor. Para o co-diretor e roteirista do filme, Drew DeNicola, a história da banda tinha que ser contada por sua comunidade.

Cortesia de Eggleston Trust

“Percebi que se tratava de uma única grande história sobre a cena em volta da Ardent Records. O sucesso ou fracasso do Big Star era parte da vida de todos. Eles viviam aquele sonho da Invasão Britânica juntos”, declarou. “Aquela cultura de se tomar pílulas é única de Memphis. Foi o que matou o Elvis e era o que os rapazes do Big Boys faziam também. Todo mundo conhecia um medico sacana. A sociedade civilizada ia pra cama e então, às margens, a molecada alternativa poderia fazer o que bem entendesse, desde que estivessem lá no domingo pra almoçar com mamãe”.

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Foi desse caldeirão sulista que nasceu o primeiro disco do Big Star, #1 Record. O nome da banda foi fruto de desespero puro e simples, tirado de uma rede de supermercados a qual uma de suas unidades ficava em frente à Ardent. Chilton e Bell colocaram seus corações e almas naquele disco, com Jody Stephens e Andy Hummel assumindo bateria e baixo, respectivamente. É um álbum recheado de canções pop impecáveis, impregnado de dor e melancolia, de ritmos rápidos e lentos, disposto belamente em camadas, sutil e também generalista em termos de gênero. Só escute “The Ballad of El Goodo” ou a carta de amor adolescente “Thirteen”, que é de quebrar o coração, e você me entenderá.

Cortesia da Ardent Records

Pelos padrões atuais, o disco está cheio de música pop acessível e maravilhosamente composta. Mas estes eram os anos 70 e bandas jurássicas de rock dominavam as paradas e o Big Star não se encaixava em canto nenhum. E mais importante, a Stax tinha pouca experiência no marketing de discos para o público branco. Seu foco principal era o clássico de Isaac Hayes, Hot Buttered Soul, com uma política de distribuição ainda presa nos anos 50.

Em termos criativos, o relacionamento entre a Stax e Ardent era lindo – brancos anglófilos gravando no Estúdio A enquanto o The Staple Singers gravava no Estúdio B, uma cena musical com espaço para todas as raças – mas nenhum dos lados da parceria conseguia dar um jeito nos detalhes comerciais. Os críticos amavam o disco, mas o público não conseguia pôr as mãos nele. A mídia se voltou então para a ex-estrela teen, Chilton. Chris Bell, a força motriz por trás do disco, foi deixado de lado.

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Um dos pontos fortes de Nothing Can Hurt Me é colocar Bell de volta ao centro da história do Big Star. A banda simplesmente não existiria sem ele, como qualquer um que ouviu seu disco solo de título horrível mas incrivelmente bom I Am The Cosmos sabe. O fracasso de #1 Record o deixou arrasado. Ele era atormentado por sua sexualidade: era provavelmente gay mas incapaz de lidar com isso no Tennessee, e haviam rumores em Memphis de que estaria apaixonado por Chilton e a falta de reciprocidade deste apressou sua saída da banda, não muito depois do lançamento do primeiro disco.

Seja lá o que for que Bell estivesse passando, foi algo que o colocou em uma espiral de bebidas, drogas e depressão que eventualmente o levou a um lugar tão complicado quanto: a igreja. Bell tornou-se um cristão renovado, mas como DeNicola disse, “a igreja era tão louca quanto qualquer outra coisa em sua vida. Ele mergulhou nela como mergulhou nas drogas. Ele nunca encontrou a cura para aquilo que lhe afligia”.

Em 1978, Bell perdeu o controle de seu carro ao voltar para casa de um ensaio tarde da noite, bateu em um poste e morreu na hora. Ele tinha 27 anos, aquela fatídica idade. Hoje, a maioria de seus amigos e colaboradores também são cristãos renovados. Eles não falam a respeito de sua sexualidade e não querem falar se seu acidente foi, de fato, um suicídio, pois se fosse, ele não iria para o Céu. O que parece ser certeza é que, naquele TGI Fridays, Ardent Studios e além, havia muita homossexualidade e bissexualidade na história do Big Star.

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Após Bell ter deixado a banda, seguido do fracasso de #1 Record, Alex Chilton tomou as rédeas. O segundo disco da banda, Radio City, é outra grande obra amada por críticos e não-comprada pelo público, apesar de contar com “September Gurls”, um tema power-pop com mais cara de rádio o possível. A essa altura, a Stax estava prestes a falir e um contrato de distribuição com a Columbia havia ido pro espaço. Parecia que era o fim do Big Star, mas seu assessor, John King, ainda tinha uma carta na manga. Ele organizou uma convenção de escritores e jornalistas de rock em Memphis em 1973, levando uma centena de loucos por música para o sul para falar de comércio e assistir a um show do Big Star. A banda botou Lester Bangs, Cameron Crowe e alguns outros que não apareceram em Quase Famosos pra dançar.

Cortesia de Ardent Records

A 1ª Convenção Anual da Associação de Jornalistas de Rock, como foi chamada, é um dos ganchos usados em Nothing Can Hurt Me. O evento reuniu escritores e repórteres deste universo como nunca antes. O amor daqueles ali reunidos pelo Big Star fez de Radio City um sucesso e praticamente levou a banda a fazer um terceiro álbum, Third/Sister Lovers (Chilton e o baterista Jody Stephens estavam saindo com irmãs na época), que é essencialmente um disco solo de Alex Chilton, um que lida especialmente com o fim de seu relacionamento com Lesa Aldridge, e nas palavras de Jody Stephens, é movido a “auto-obsessão, drogas e álcool”.

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O disco foi gravado em 1974, mas uma combinação da apatia de Chilton e Stephens, problemas financeiros, uma sonoridade ainda menos comercial e a desintegração daquela cena em torno da Ardent fez com que só fosse lançado em 1978. Trata-se de álbum que incorpora o que o escritor Ross Johnson diz em Nothing Can Hurt Me, que a equação da cena de Memphis era “se algo estava errado de alguma forma, poderia se tornar algo belo”. Jim Dickinson, produtor do disco, conseguiu passar o espirito criativo e excêntrico da época e local para o LP. Para DeNicola, os caras do Big Star “eram muito delicados e sinceros para estourarem. Eles não tinham como durar mais. Eram muito próximos de sua arte”.

E então acabaram. Chilton, que havia encontrado o sucesso com uma banda que lhe dava pouca liberdade criativa, lutava para aceitar o fracasso comercial de uma que lhe dava toda a liberdade do mundo. Eventualmente ele integrou a cena punk do CBGB, produzindo o The Cramps e dando às caras como Axel Chitlin no esquecível experimento de rock psicodélico chamado The Panther Burns, que continua na ativa. Ele lançou álbuns solo preguiçosos de forma pouco constante e saiu por aí tocando sua própria versão de “Volare” .

Quando os criadores de Nothing Can Hurt Me o encontraram e pediram para participar do documentário, em 2010, DeNicola lembra de que “sentimos que o sucesso ou fracasso do filme dependeria deste cara completamente grosseiro e extravagante topar em fazê-lo”. Ainda era um cara especial, claro, fumando em cigarrilhas, jogando seu legado com o Big Star pro canto e andando com gente que lhe interessava. Antes de concordar em ser filmado, Chilton morreu aos 59 anos, e diz DeNicola “o grau de efusão em cima da coisa me surpreendeu. As pessoas reinvestiram na história”.

Isso pode ter muito bem ocorrido pela morte de Chilton, mas não é menos do que ele, Chris Bell e o resto da banda merecem. Em uma história cheia de bebidas, drogas, sexualidade, Deus e o sul, é a dor e a beleza da música do Big Star que sai como vencedora.

Tradução: Thiago “Índio” Silva