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Música

Zine é Compromisso: DJ Tonyy, do Enter The Shadows

Por dentro da história da publicação que ensinou o que era gótico para os caras que se diziam góticos

Zine é Compromisso: DJ Tonyy, do Enter The Shadows

Obviamente que a cultura gótica dos anos 80, cedo ou tarde, encontraria eco na cena paulistana, e, por consequência, influenciaria adeptos e a construção de cenários locais em outros estados brasileiros. Mas por algum canal aquela sorte de novidades tinha que fluir, e aconteceu de ser pelo esforço apaixonado de camaradas como o Antonio Luis Mota Moreira, o DJ Tonyy. A galerinha que começou a sair somente a partir da época d'Alôca e da Torre do Dr. Zero provavelmente conhece o trabalho do DJ Tonyy por conta de sua participação em projetos como a Trash 80s ou mesmo as festas Enter The Shadows e Neon Lights.

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Mas o cara tem muito chão de experiência notívaga, e foi uma daquelas figuras que abriram caminhos no underground quando as coisas não eram tão fáceis ou disseminadas. Em 1985 ele estreou discotecando como convidado em clubes tipo o Ácido Plástico e Estação Madame Satã. Tempo depois, virou residente do Treibhaus, Armageddon e Vírus. Fora isso, tem mais um monte de contribuições suas pra listar: o projeto Pandora, que organizava shows, expos, mostras de zines e performances no Madame Satã, e também umas coletâneas em k7, vinil e CD.

Muitas descobertas rolando, várias fitas pra compartilhar, daí o Tonyy resolveu fazer um zine gótico, e deu a ele o nome de Enter The Shadows, que depois viraria festa e programa de rádio. Era o começo dos anos 1990, período que, em seus próprios termos, ele chama de "pós auge do gótico". As casas mais importantes da cena gótica de então - Treibhaus, Retrô, Armageddon, Madame Satã… - ou haviam fechado, mudado de nome, ou, ainda, trocado de donos. A falta de informação para os góticos era a mesma sofrida por todas as outras tribos do rolê alternativo: as notícias chegavam com, no mínimo, uma semana de atraso, "e dependíamos de migalhas publicadas em duas ou três revistas, como a POP! e a Bizz", lamenta Tonyy. "Atualmente, com a internet, as notícias chegam literalmente em tempo real, mas naquele tempo a gente tinha que garimpar muito", completa.

Além de sempre produzir suas próprias festas, assumindo desde a elaboração do flyer até a seleção de vídeos, e, muitas vezes, criando inclusive um cardápio especial de drinks, o trabalho do Tonyy como DJ era conhecido pelos capas-pretas por incluir nos sets muitas novidades. E não apenas as "20 mais". Então um fanzine onde essas tendências eram esmiuçadas ao público funcionava como uma preparação do ouvinte para as novidades. "Além, é claro, do prazer em dividir conhecimento", observa o nosso entrevistado da vez nesta série Zine é Compromisso. Sente só o verbo que desenrolei com ele:

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Noisey: Como era a confecção do zine? Ele era feito na pegada de colagens, como outros da época?
DJ Tonyy: Computador em 1991? (risos)… Os textos eram, na sua maioria, digitados em uma máquina de escrever (elétrica!) e o resto era na base do paste-up, misturando xerox, letraset e muita coisa, inclusive textos, também, à nanquim.

Como eram definidos os assuntos que preenchiam as seções? Você fazia tipo uma compilação de artigos de bandas e assuntos que vinham na sua cabeça? Ou tinha uma pegada mais noticiosa, atrelada a novidades da época, shows que iam rolar, discos que estavam saindo?
Eu tinha uma espécie de padrão sim, mas super básico e até óbvio:

* Resenhas de lançamentos musicais eram prioridade, pois além de ir direto à essência do zine, era uma forma de agradecer às gravadoras que me mandavam muito material promocional, sendo que muitas vezes eram feitas matérias especiais sobre todo o acervo de uma determinada gravadora.

* Pelo menos um texto sobre cinema, literatura e arte.

* Uma banda "clássica" no mínimo tinha sua história contada.

* Entrevista com alguma banda nova

* Set-lists de outros DJs

* Dicas de outros fanzines: o intercâmbio entre fanzineiros era muito grande! Que eu me lembre, NENHUM fanzineiro pensava em concorrência.

Em que meios o zine era vendido ou circulava? Rolavam umas festas específicas onde você divulgava o ETS por aqui?
Era vendido em lojas de discos, nos brechós e nas festas.

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No meio gótico tinha umas revistas, zines gringos, ou uma galera especializada em escrever sobre o assunto em quem você se inspirava ou buscava referência?
Sim! Além do intercâmbio entre fanzineiros, que acabava gerando uma troca natural de influências, no meio gótico tínhamos duas revistas que eram consideradas as principais referências: a alemã Zillo, que ainda existe e é também uma gravadora, e a americana Propaganda, que circulou entre 1982 e 2002.

Por que o zine acabou? Você achou que dava pra chegar mais longe na divulgação da música investindo melhor na realização de festas e na rádio?
O zine infelizmente acabou por falta de tempo para fazê-lo. Exceto por alguns textos de colaboradores, eu centralizava toda a criação e a execução do fanzine, e como era uma época em que eu, além de tocar muito, tinha uma fábrica de bijuterias, o zine foi ficando de lado por um principal motivo: se eu não pudesse fazê-lo mantendo um puta padrão de qualidade, não ia improvisar qualquer coisa só pra dizer que fiz.

Poucos fanzines nessa época tinham anúncios. E reparei que o ETS vinha com alguns. Então o zine já saía todo bancado pela galera que anunciava, ou você acabava inteirando uma grana pra fazer ele circular?
Os patrocínios bancavam toda a despesa que eu tinha, e garantiam uma ótima qualidade de impressão, muito acima da média dos fanzines da época, que eram feitos em mimeógrafos ou xerox barato. O ETS era feito em offset, com direito a algumas capas bem especiais, como a da edição #3, que teve uma tiragem limitada em papel couchê preto fosco com impressão em prata! Alguns patrocinadores pagavam em dinheiro mesmo, e outros em produtos. O preço simbólico de venda era um pequeno lucro que eu tinha. O sucesso do zine foi tão grande que alavancou o lançamento das hoje cultuadas coletâneas Black Sundays 1 e 2, e a Treibhaus Sampler.

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Das bandas sobre as quais você escreveu ou publicou, quais as pautas/artigos que você mais gostou de ter abordado?
Putz… No geral, as resenhas de discos que fiz me davam muita satisfação… E uma matéria especial que fiz sobre o cinema expressionista alemão.

Como músico, você foi vocalista de duas bandas, não é? O Arcane e o Der Kalte Stern. Como foi essa experiência?
Foi maravilhoso! Passei quase seis anos tocando como DJ até tomar coragem de fazer minha própria música, inicialmente com o Arcane. Em 1994 surgiu o Der Kalte Stern, que era realmente muito bom. Fizemos mais de uma centena de shows, e tivemos um CD lançado pela parceria entre o histórico selo Cri Du Chat e a respeitada gravadora Eldorado.

Depois que você se envolveu com a Trash 80s, um pessoal começou a te considerar um "ex-gótico". O que você pensa disso?
Eu costumo rir disso, de tão patético que é… Bem antes da Trash, já em 1995, quando eu anunciei um temporário afastamento das pistas para me dedicar à ambient music, tocando apenas em bares do tipo lounge e restaurantes mais modernos, eu comecei a escutar essa imbecilidade. Me tornei especialista em ethereal e algo que, na época, chamávamos de ethno groove. Fui o primeiro DJ brasileiro a tocar no Free Jazz Festival. Como eu já criticava muitas coisas ridículas que os góticos daqui faziam, principalmente o desrespeito que é entrar em cemitérios de noite, passei a ser tratado por uma meia dúzia de infelizes como "traidor da cena".

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Ao invés de se referir à cena gótica como "movimento", você tinha um cuidado em não tentar usar esta expressão na hora de se referir às tendências góticas e a seu universo. Isso era algo de caso pensado ou apenas o seu jeito natural de falar das coisas?
De caso bem pensado. A palavra "movimento" é usada para descrever manifestações culturais ou sociais que tem um manifesto, regras ou até normas de conduta. O gótico, dentro do contexto cultural dos anos 1980 em diante, é a generalização de um monte de subculturas musicais e artísticas (artes plásticas, fotografia, cinema e moda) que se relacionam profundamente. Quem usava essa expressão "movimento gótico" deveria pensar que era algum tipo de religião (risos) que precisava arrebanhar novos fiéis.

Onde você colhia informações para os artigos? Você tinha tipo um arquivo pessoal de revistas, livros ou algo assim?
Em termos de música, o pouco de informação e imagens vinha de fanzines e revistas importadas, além de troca de correspondências com artistas e donos de gravadoras. Ah se houvesse internet naquele tempo…

Quer sacar mais histórias de zineiros que fizeram a diferença no underground musical brasileiro? Então dá um look nas matérias abaixo:

Zine é Compromisso: Bento Araújo, do Poeira Zine

Zine é Compromisso: Douglas Utescher, do "Life?"

Zine é Compromisso: Contravenção

Zine é Compromisso: Especial Tupanzine

Zine é Compromisso: midsummer madness

Zine é Compromisso: Escarro Napalm

Zine é Compromisso: Esquizofrenia

Zine é Compromisso: Márcio Sno, do Aaah!!