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Música

Velharada Cultural

Assistimos cinco shows de músicos veteranos pra mostrar que a Virada Cultural da terceira idade é muito (mais) alto astral.

A dupla Pedro Bento & Zé da Estrada e seus mariachis. Todas as fotos por Felipe Larozza

A ideia inicial era ir pra Virada Cultural de 2015 testemunhar artistas que estivessem no bico do corvo, aqueles caras que se você não colar agora pode não ter outra oportunidade. Mas os véios estão mais vivões do que imaginávamos e vivendo, na medida do possível, bem a pampa — contrariando o bolão pé na cova. A idade somada dos cinco shows que vimos completa 455 anos, seis a menos do que a idade de Sâo Paulo, mas com carinha de 450.

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O primeiro deles foi o Paulinho Boca de Cantor, que subiu ao palco da Alameda Barão de Limeira todo de preto num pique meio Danny DeVito interpretando o Pinguim no Batman: O Retorno. O cantor, e um dos principais compositores do lendário Novos Baianos, abriu a noite na Virada Cultural com clássicos do grupo como “Barra Lúcifer” e “Tinindo Trincando”, além de canções de sua carreira solo como “Vestido de Prata” e “Rock Mary”, ambas do álbum Valeu, de 1981. O não tão novo baiano de 68 anos voltou aos palcos nos últimos anos tanto com o revival da banda quanto em sua carreira solo. “Brasil Pandeiro” fechou a apresentação com alguns milhares de pessoas celebrando o “acarajé e o abará”, algumas de olhinhos fechados cantando junto.

Paulinho Boca de Cantor e sua linguinha

Cachecol, chapéu e muita ginga. Carlos Dafé é veterano nas caixas de som dos bailes blacks da saudade. Seu disco Pra Que vou Recordar é um dos grandes clássicos do soul brasileiro e, embora não colha os louros hoje em dia, nos anos 1970 tinha a popularidade de nomes como Hyldon e Cassiano. Na plateia do Vale do Anhangabaú a impressão era a de um baile charme das antigas. No palco, Dafé, que está com 67 anos, emendava seu maior clássico “De Alegria Raiou o Dia” com a galera, dessa vez um pouco mais velha, cantando junto. “Até surgir a madrugada vou venerar a minha amada, trocar o pranto pelo canto….”. Dafé ainda abriu espaço para o percussionista Jander Magalhães, filho do Oberdan da Banda Black Rio, cantar “Na Rua Na Chuva Na Fazenda (Casinha de Sapê)”. Rolou um a cappella bem estilo.

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Carlos Dafé na estica para o palco do Vale do Anhangabaú

No Teatro Municipal, a programação atrasou (um nada saudoso flashback de TODAS as edições anteriores da Virada). O show de Laércio de Freitas estava previsto para 21h, mas com a demora, a direção da casa optou por abrir as portas ao público durante a passagem de som. Foi um tal de passar o acordeon pra cá, acertar o violão de sete cordas pra lá. Diminui o retorno da flauta, aumenta o banjo. Um cara se levantou da plateia do segundo andar reclamando. “Eu vou embora, isso aqui não é espetáculo”. Lá embaixo Laércio, com toda sua elegância e paciência, levanta-se, pega o microfone e se explica para o público. “Gente, isso acontece geralmente antes dos senhores entrarem” e pede desculpas pelo atraso. Quase uma hora depois do horário ele se ajeita no piano e junto de mais nove músicos revisitou seu álbum São Paulo no Balanço do Choro, de 1980. Comemorando seu aniversário de 74 anos, o pianista presenteou o público com uma hora de chorinho da mais alta qualidade.

Laércio de Freitas, o Morgan Freeman do chorinho

As pessoas costumam não se recordar do nome Pedro Bento & Zé da Estrada, mas basta ouvir “Foi num baile em Assunción, capital do Paraguai. Onde eu vi as paraguaias sorridentes a bailar” que a galera já se coça para o refrão de “Galopeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeira”. Vestidos de mariachis e acompanhados de outros tipos mexicanos, e até daquela corneta clássica, a dupla surpreendeu o público da Praça da República com uma apresentação animada. Aos 81 anos, Pedro Bento é Joel Antunes Leme e faz toda a apresentação sentado. Zé da Estrada é Waldomiro de Oliveira e tem 86 anos. Com 167 somados, eles se despedem do público — muito antes do sol nascer — com “Está Chegando a Hora (Cielito Lindo)”, aquele clássico de despedidas usado até hoje no fim do Programa Silvio Santos “Ai ai ai ai. Está chegando a hora. O dia já vem raiando meu bem e temos que ir embora."

E para acabar a noite, porque também somos velhos e dormimos cedo (mentira), fechamos a programação com Wilson das Neves. Cheio de moral, já tocou com meio mundo, entre eles Chico Buarque, Elizeth Cardoso e Ney Matogroso. Ele entrou em campo já com o jogo ganho e passeou por clássicos como “Coração Leviano”, de Paulinho da Viola, “Acreditar”, de Dona Ivone Lara. Das Neves cantou ainda alguns sons de seus discos mais recentes como “Pra Gente Fazer Mais Um Samba”, canção que batiza o álbum de 2010. Aos 79 anos segurou a onda e ainda deu vários papos sobre ter parado de cheirar.

Não tivemos pique pro Hermeto Pascoal, Erasmo Carlos, Tom Zé, Di Melo, Odair José e mais uma pá de gente experiente. Fica pra próxima.