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Música

Não é um Revival, O Hard Techno Sempre Esteve Entre Nós

Calma, camarada. O Hard Techno sempre esteve entre nós e você podia nem saber. Saca só.

Então quer dizer que está rolando um burburinho agora sobre lenha?

Que bom. Isso sempre rola de tempos em tempos. Principalmente depois que o Ancient Methods apareceu, depois ficou um pouco mais frequente com a chegada do Blawan em 2010, e recentemente está rolando direto quando o Regis toca. Mas dessa vez é por causa do novo do álbum do Perc, o The Power & The Glory, e por conta das suas últimas apresentações, para promover esse disco, que têm fritado a cabeça de geral. E dessa vez parece que o foco do burburinho tem sido em torno do mais importante. Esse som é foda. É pra dançar e suar até virar uva passa.

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Não que tenha alguma coisa de errado em discutir techno. Mas, como tem sido a tendência ultimamente: em torno de seu status de outsider, das visões distópicas e sua capacidade de evocar imagens de fim dos tempos e essas coisas todas. Nada de errado em falar dessa parte do som, mas isso tem uma tendência em transformar as pessoas naqueles seres que ficam na pista com cara de quem tá planejando um massacre na escola ao invés de estarem lá pela festa em si. É legal lembrar que a tendência do techno pesado, industrial, é primeiro de tudo sobre bater com um martelo na cabeça da pista e depois sobre a teoria do som – e se você parar pra pensar, vai ver que sempre foi assim.

Tá, vou dar um pouco de contexto aqui: eu sou velho o suficiente pra lembrar do começo dos anos 90, quando caras como Leny Dee, Beltram, Aphex Twin, Planet Core Productions, Frankie Bones, Adam X, DJAX UP Records, Underground Resistance, DJ Producer, os acid de Colônia na Alemanha e mais um monte de outras coisas eram todas parte de um rolê mais generalizado chamado “rave music”. Até o Richie Hawtin era parte disso, mandando ver loucamente com seus projetos F.U.S.E. e Cybersonik. Apesar do som cabeçudo e seu apelo não tão viajandão, esse tipo de som era tão criativo quanto quaisquer uma das outras coisas que rolavam no universo rave. E mais, cada faixa nova deixava qualquer um maluco com sua proposta de distorcer as batidas e de ter seus riffs sujos e feios.

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Naquela época os DJs de hard techno tocavam lado-a-lado com caras que tinham uma pegada mais de breakbeat, e até o que havia de mais inovador na época, o proto-jungle, ia nessa onda, junto com o que havia de melhor e mais sinistro que vinha da Alemanha, Bélgica e EUA. Por volta de 1993, a dance music se fragmentou em gêneros, uma manobra irrevogável, então a lenha também se tornou uma opção de som em clube para várias tipos de pessoas que até então iam em raves, não só a galera bicuda estudante de processamento de dados. Desses clubes, os principais picos foram: Pure, The Orbit, Eurobeat 2000, Lost, Club 69 e o House Of God – isso só dos britânicos que mais ferveram.

A narrativa corrente era de que o techno não conseguiu sair da linha deixada pelo Jeff Mills e que foi personificada por ele. Lá por 1997 o gênero estava meio que falido criativamente falando, e estava fadado à morrer com o crescimento do minimal no novo milênio. Mas o que pouco é falado é que um monte de gente manteve a chama do techno acesa, o que foi uma coisa tão ridícula, quanto ridiculamente criativa. As pessoas que eu conheci continuaram fazendo umas faixas nervosas e dando umas festas fodas, e mais: foram além dos anos 2000 fazendo isso. Raves como a Sativa, Test, Coin-Operated, Monox, Plex, Bangface, I Love Acid, Ugly Funk – isso sem mencionar todas as outras raves que rolaram na Polônia, Ucrânia, Escandinávia e Alemanha (n.e.: No Brasil também aconteceu esse movimento pós anos 2000, em São Paulo, raves como a Circuito Techno e a SP Groove e festas como a TEMP foram responsáveis por manter o techno pesado rolando) todas essas festas mantiveram o techno comendo solto, mesmo que com uma certa estranheza.

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E nem foi uma cena tão obscura assim. Parte do próprio electroclash, especialmente o que rolou no rolê tipo o da Nag Nag Nag, era basicamente electro-techno industrial. Em 2003 Jamal Moss lançou junto com o Steven Pointdexter o ep fodão My Life as a Skinny Puppy (n.e.: Um ano antes, no Brasil, o DJ Renato Cohen lançou a faixa Pontapé, que se tornou hit, também fora do país) e desde então até selos mais moderninhos lançaram coisas com essa pegada, como o Numbers e o deus do dark techno, Lory D. Enquanto isso, essa cena ia absorvendo influências do dubstep, grime, northern bassline, electroclash, warehouse electro, ghetto house (aliás, pra quem tá nessa do revival do selo Dance Mania e que diz que sempre esteve nessa onda de ghetto house, saiba que o hard techno foi a cena que mais e sempre apoiou esse som) sem perder a identidade e transbordando no quesito criatividade.

É dizer que o Fun In The Murky (que depois incorporou a Bleep Radio), e que é talvez a maior central online desse rolê, só começou no início dos anos 2000 e que as melhores festas que eu fui, na última década, aconteceram na Ugly Funk, na Coin-Operated e também em alguns lugares meio que ilegais e bem pé sujos na perifa de Londres. É que isso tudo não esteve no foco do hype, o foco foi pro electroclash, depois o dubstep e o minimal e eu como jornalista musical tive parte de culpa nisso. Mas uma das coisas que as pessoas normalmente se esquecem sobre a dance music, é que não se trata do choque pelo que tá rolando de novo, e sim pelo que tá rolando agora. Às 3 da manhã ninguém tá ligando se a fórmula da música já foi usada antes ou não. A pista quer saber se o som ainda vai fritar mais a cabeça. E convenhamos: hard, industrial e wonky techno sempre foram capazes de fazer isso.

Mas sim, é incrível que uma molecada como Blawan (que junto com o Pariah forma o Karenn) e o Happa estão produzindo uns sons que, nas palavras do meu amigo Bashford, é “como comer sucrilhos de metal”. É animal que as pessoas estão prestando atenção nessa parada e que ela está chegando aos grandes festivais e aos grandes clubes. Mas não se iluda, não é porque esses moleques estão na mídia que isso signifique que eles estejam fazendo algo totalmente novo. Esse rolê sempre esteve aí. Aliás, existe uma quantidade imensa de lançamentos rolando toda hora em selos como o Don’t, Ugly Funk, Horror Boogie, Rag & Bone etc. por produtores como o Neil Landstrumm, Michael Forshaw, Ben Pest, Jerome Hill, Paul Birken, Scott Robinson, Luke Sanger, TSR, Jason Leach (Subhead) e, se você estiver a fim de pesquisar, ainda têm mais um monte de gente legal fazendo coisa legal.

O Ibrahim Alfa montou uma coletânea, a Oyabun Trax Vol 1, e que deve sair em mais ou menos um mês, que reúne só o que uma molecada xóvem europeia tá produzindo. A compilação combina a pira da criação eletrônica, o espírito raver tru com ser punk para caráleo. Então, sim, aproveite o novo álbum do Perc, seus sets – eles valem a pena – e se você curtir tente ir um pouco mais a fundo nessa cena, você vai ver que tem muita coisa boa e é mais fácil de achar do que parece.

(n.e.: Esse texto foi traduzido, não propositalmente, ao som desse mix)