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Música

O Fotógrafo Steve Schapiro fala sobre a magia de fotografar David Bowie

“Bowie só era uma pessoa muito consciente, atenta ao mundo, e atento para, na sua cabeça, como tornar o mundo melhor e mais aberto.”

David fora do personagem. Uma das minhas fotos prediletas dele. Gosto particularmente das mãos dele nesta fotografia. Los Angeles, 1975.

Todas as fotos são da autoria de Steve Schapiro, tiradas do livro Bowie, lançado pela powerHouse Books.

Em julho de 1973, David Bowie anunciou para uma plateia chocada, em Londres, que o show daquela noite seria o último de Ziggy Stardust, o personagem que o transformou num superstar. Bowie escreveria depois em suas memórias que havia ficado "exausto e completamente entediado com todo o conceito de Ziggy". Com o lançamento de Aladdin Sane no mesmo ano, Bowie se empenhava para tomar um rumo diferente, mas a sua extravagante nova persona lembrava muito a anterior. Alguma coisa tinha que mudar, mas o caminho à frente ainda não estava claro. Para Bowie, o ano seguinte foi um período de intensa transição.

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Naquela época, o fotógrafo Steve Schapiro já tinha uma reputação estabelecida por capturar personagens famosos durante momentos cruciais de transformação. Tendo começado sua carreira como fotojornalista na área política, Schapiro fotografou Martin Luther King Jr. na Marcha de Selma a Montgomery, em 1965, e Bobby Kennedy Jr. durante a sua campanha para ser nomeado candidato à presidência, em 1968. Em 1967, fotografou Jerry Garcia, Janis Joplin e Ravi Shankar em Haight-Ashbury. Ele ainda foi o fotógrafo de set de O Poderoso Chefão, retratou Cassius Clay um ano antes dele se tornar campeão mundial de boxe de pesos-pesados e mudar seu nome para Muhammad Ali, e quando a revista People foi lançada, em 1974, o seu retrato de Mia Farrow mordendo um colar de pérolas foi a primeira capa. Fascinado pelo conceito de "momento decisivo" do seu herói, Henri Cartier-Bresson, o perspicaz fotógrafo desenvolveu um talento para a coisa — fotográfica e historicamente.

Quando o empresário de Bowie, Michael Lippman, perguntou a Schapiro se ele fotografaria o rockstar, Schapiro concordou “antes que ele conseguisse terminar a frase”. O que se seguiu foi um ensaio fotográfico de 12 horas de duração, do qual emergiram diversas fotos icônicas de Bowie, incluindo a fotografia em que ele está usando uma roupa de listras diagonais brancas, que ele voltaria a usar 40 anos depois, no seu último videoclipe, “Lazarus”. Schapiro descreve uma afinidade fácil com o Bowie, que se encarregou ele mesmo da direção de arte — a ideia de pintar as listras foi toda dele — para a alegria do fotógrafo. Schapiro prefere sempre ser o mais discreto possível durante os ensaios para permitir que a personalidade do seu objeto apareça. E naquele dia, foi o que aconteceu.

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Naquela época, a questão de qual Bowie você iria encontrar não era uma preocupação à toa, mas segundo Schapiro, o Bowie que apareceu naquela tarde era afável, tranquilo e educado, e ficou feliz em saber que o fotógrafo já havia retratado Buster Keaton, um de seus heróis. Embora a maratona de fotos tenha envolvido inúmeras trocas de roupas e personas, o que Schapiro testemunhou foi a constância do homem tranquilo e pensativo por trás de tudo. Bowie “conseguia encarnar personalidades diferentes, como um camaleão”, diz Schapiro, “mas ele era essencialmente ele mesmo”. Essa dualidade harmoniosa era parte da genialidade de Bowie: ele era, integralmente, tanto suas criações quanto um homem fora delas, e isto foi precisamente o que Schapiro capturou naquele dia.

As fotografias do ensaio de 1974, além de muitas outras que Schapiro fez de Bowie ao longo dos anos — incluindo aquelas que se tornariam as capas do single de Golden Years e dos LPs Station to Station e Low — agora foram reunidas em um livro, intitulado simplesmente Bowie. Ligamos para Schapiro, na sua casa em Chicago, para conversar sobre a experiência de procurar — e encontrar — o homem por trás do lendário performer.

David relaxado na sua casa em Los Angeles, 1975. Gostei particularmente das mãos dele nesta foto.

Noisey: Você soube logo no início da sua carreira que queria fotografar grandes artistas um dia?
Steve Schapiro: Soube logo de início que queria tirar fotos que eu sentisse que, de alguma forma, iriam durar mais do que um dia ou dois. E as coisas que me interessavam eram muito variadas. Estava muito interessado em arte na época; estava interessado em música. Quando era adolescente, a maior coisa a que você podia aspirar, na época, era trabalhar para a revista Life. Então fiz meus próprios ensaios, fui para Arkansas e fiz uma série sobre os trabalhadores imigrantes e mandei para a Life. Havia uma revista pequena chamada Jubilee que te dava um portfólio de oito páginas, o que era ótimo. Não pagava nada, mas não importava. Ela te dava um portfólio de fotografias. Fiz um ensaio sobre o vício em narcóticos no East Harlem. Depois, a Riverside Records me contratou para fotografar todas as suas sessões de gravação, em 1961. Então tudo isso foi o começo mesmo, e cada vez foi uma tentativa de — sempre é uma tentativa — fazer fotos que transmitam o espírito de uma pessoa ou evento, ou algo do tipo. E a minha percepção se afiou.

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Logo que comecei, tentando emular Cartier-Bresson, voltava com copiões em que eu havia perdido o momento decisivo e eles não faziam o menor sentido. Mas gradualmente desenvolvi uma percepção do que realmente queria fotografar. Meu trabalho geralmente não é estiloso no sentido que Irving Penn é estiloso. Você olha uma foto dele e sabe exatamente que é uma fotografia de Irving Penn, e também tem uma boa noção de quem ele fotografou. Mas, na maioria das minhas fotos, eu me esforço muito para capturar a pessoa. Me preocupo com emoção, design e informação. E acho que todas essas coisas são relevantes numa foto.

Qual era a sua percepção de David Bowie antes de conhecê-lo, e quanto dela se mostrou verdadeira quando você o conheceu?Antes de conhecê-lo, ele parecia ser um performer de rock’n’roll glamoroso, incrivelmente talentoso e criativo que conseguia se transformar em várias pessoas, parecia passar por mudanças. Acho que os Rolling Stones e os Beatles, a música deles é fantástica, mas as suas performances eram muito parecidas, ano após ano. Até hoje, os Rolling Stones, na sua performance, o jeito que eles se apresentam é basicamente o mesmo de sempre. Os cenários podem ter mudado, as músicas mudam, mas o aspecto das coisas parece muito estável. Mas Bowie parecia ter uma preocupação enorme em crescer. Ele ia de uma coisa a outra, e assim que esgotava o que podia fazer dentro de um gênero em particular, ou com uma persona em particular, ia fazer outra coisa. E continuou crescendo. E acho que isso aconteceu durante toda a sua carreira. É brilhante quando alguém tem essa preocupação em crescer, não só em termos musicais, mas em termos de toda a sua personalidade e toda a aura que projeta.

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Do ensaio fotográfico para a revista People. Fizemos retratos usando um cenário verde pútrido, o que nós dois achávamos que era a pior cor possível para se usar como fundo de uma capa de revista. Los Angeles, 1974.

David fumando um cigarro durante uma pausa nas filmagens de ‘O Homem Que Caiu Na Terra’, no Novo México, em 1975. Esta foto se tornou capa da Rolling Stone e uma imagem famosa.

David numa moto, usando óculos de proteção. Los Angeles, 1974.

Parece que o espírito de mudança contínua também guiou o seu primeiro ensaio fotográfico juntos, não?
Ah, sim, em grande parte. Começou, sério, com Bowie pegando uma camisa emprestada de um dos meus assistentes, entrando no camarim e pintando ele mesmo essas listras brancas por tudo, essas listras diagonais brancas que aparecem de novo no clipe de “Lazarus”. E essas foram as únicas vezes em que elas apareceram. Então havia uma coisa muito espiritual rolando, e ele começou a desenhar uns círculos no cenário de fundo, o que era incomum de se fazer. Ao menos ninguém tinha feito isso comigo antes, e eu já tinha feito muitos ensaios fotográficos. Então ele desenhou um diagrama da árvore da vida, da Cabala, no cenário de fundo. E isso foi a primeira coisa que ele fez na sessão de fotos. Então, basicamente, ele estava pensando muito em espiritualidade no começo desta sessão. Eu esperava alguém que fosse mais voltado para o rock’n’roll, e que também, em termos do que queria do ensaio, usaria figurinos mais rock’n’roll, desse gênero ou dessa forma de experimentar. E senti que ele parecia estar mostrando mais de si mesmo em muitas das fotos. Não em todas elas, mas em muitas delas, onde não está fingindo ser um personagem. Ele está sendo ele mesmo. Isso, às vezes, é algo raro nas pessoas que eu fotografo.

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Fotografei muitos atores que criam um personagem interna e externamente, e eles são aquele personagem. Então, quando você os coloca na frente da câmera, às vezes eles não sabem quem são e ficam muito perplexos. Não sabem que expressão te oferecer, porque são muito bons em criar alguma coisa, mas em termos de quem eles mesmos são, isto não está tão evidente para eles naquele momento, quando a câmera começa a disparar. Foi muito, muito tranquilo trabalhar com ele, e nós parecíamos estar na mesma frequência, que é a maneira ideal de se trabalhar com alguém. Às vezes você tem que se esforçar muito para entrar naquela frequência e deixar a pessoa relaxada para poder mostrar quem ela é nas suas fotos. A pior coisa é quando, numa sessão de fotos, alguém está falando com você o tempo todo, porque se eles estão falando com você, não estão sendo eles mesmos. Estão mais preocupados com a conversa e com você. E não é isso que se busca com as fotos.

Além das fotos de músicos e atores, você é muito famoso pelas suas fotos de figuras políticas. Muitas pessoas disseram que Bowie, para elas, teve uma importância política em função de como ele rompia com as convenções sexuais e empoderava as pessoas a serem elas mesmas. Você acha que ele tinha uma espécie de poder político?
Bem, eu o via como alguém muito atento ao mundo, e ele certamente gerou mudanças no mundo social. Eu diria que ele era uma pessoa que tinha uma enorme confiança em si mesma. Foram poucas as pessoas com quem trabalhei que tinham isso. Ele tinha confiança de que estava no caminho certo em termos de quem ele era como pessoa. Não sei se essa é a expressão correta. Mas ele tinha uma forte ideia de quem ele era e acreditava nela. Tem algumas pessoas que são talentosas, mas muito tímidas em mostrar isso porque não têm certeza de que o seu talento é real ou de como as pessoas vão julgá-las. Bowie só era uma pessoa muito consciente, atenta ao mundo, e atento para, na sua cabeça, como tornar o mundo melhor e mais aberto.

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David sentado no chão, desenhando círculos e depois o diagrama da Árvore da Vida, da Cabala, no cenário de fundo. Los Angeles, 1974.

Você tem alguma foto predileta do livro?
Acho que há muitas fotos desse ensaio de que gosto muito. Tem uma foto no livro que eu chamo de Bowie Blue, que tem uns círculos azuis atrás dele. É da época em que O Homem Que Caiu Na Terra estava sendo filmado, e ele está com a mão no rosto, usando uma luva. Eu estava fazendo uma exposição no ano passado em Chicago, no Paschke Center, e a exposição era de fotos do Andy Warhol, do Velvet Underground e do David Bowie. Imprimimos muitas fotos do David Bowie, 30x40cm, 20x24cm, e eu gostava delas. Mas, quando olhei a exposição, pensei: “Gosto das fotos do Bowie, mas elas podiam ser melhores”. E olhei de novo todas as transparências dos meus ensaios, e achei esta transparência que tinha sido totalmente ignorada durante todos esses anos. É de 1975, e nunca havia sido impressa, nunca havia sido publicada, nunca havia sido editada. Então, na noite anterior à abertura da exposição, fizemos uma impressão 40x50cm dessa foto, e ela roubou a cena. Foi a imagem predileta de todo mundo. Então, sim. Também tem uma foto do Bowie segurando o livro do Buster Keaton, gosto dessa foto. Não é necessariamente icônica, mas é uma foto de que gosto muito.

Você ficou surpreso quando ele usou de novo a roupa com as listras diagonais no clipe de “Lazarus”?
Totalmente surpreso. Totalmente, totalmente surpreso. Era algo que eu jamais esperaria. Mas o que isso me mostrou foi que a roupa, ou toda essa ideia espiritual, esta forte percepção da Cabala e tudo mais, que ele tinha quando começamos, em 1974, era algo muito importante para ele — e que espiritualmente continuava sendo, no fim. Nunca esperei ver aquela roupa de novo. E é emocionante para mim, no sentido que senti uma proximidade ainda maior dele, de certa forma, e certamente uma enorme tristeza. Uma tristeza que todos nós sentimos.

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Tradução: Fernanda Botta

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